Omi levantou os olhos para Toranaga, a mente clara, tudo no respectivo compartimento:
— Por favor, desculpe-me, senhor, peço-lhe perdão. Eu não estava pensando com clareza.
— Pode saudá-la se desejar, antes de partir.
— Obrigado, senhor. — Omi envolveu a cabeça de Yabu. — Deseja que eu a enterre ou que a exiba?
— Espete-a numa lança, de frente para os destroços do navio.
— Sim, senhor.
— Qual foi o poema de morte dele?
Omi disse:
— "O que são nuvens senão uma desculpa para o céu? O que é a vida Senão uma fuga da morte?"
Toranaga sorriu.
— Interessante — disse.
Omi curvou-se, entregou a cabeça embrulhada a um de seus homens e dirigiu-se por entre os cavalos e samurais até o pátio.
— Ah, senhora — disse ele, com uma formalidade gentil. — Estou muito satisfeito de vê-la bem e feliz.
— Estou com meu senhor, Omi-san, e contente. Como poderia eu estar, senão feliz?
— Sayonara, senhora.
— Sayonara, Omi-san.
Ela se curvou. Uma lágrima brotou e ela a secou, curvou-se de novo, enquanto ele se afastava. O andar firme, e teria chorado alto, mas então, como sempre, ouviu na memória as palavras tantas vezes pronunciadas, faladas gentilmente, faladas sabiamente: "Por que chora, criança? Nós, do Mundo Flutuante, vivemos apenas para o momento, dando todo o nosso tempo aos prazeres das flores de cerejeira, da neve, das folhas de bordo, do chamado de um grilo, da beleza da luz, minguando, crescendo e renascendo, cantando nossas canções e tomando chá e saquê, conhecendo perfumes e o toque das sedas, acariciando por prazer, e devaneando, sempre devaneando. Ouça, criança, nunca fique triste, sinta-se sempre vagando como um lírio na correnteza cio rio da vida. Como você tem sorte, Kiku-chan, você é uma princesa do Ukiyo, do Mundo Flutuante, devaneie, viva o momento..." Kiku secou uma segunda lágrima, uma última lágrima. Garota tola, chorando assim. Pare de chorar! ordenou a si mesma. Você tem uma sorte inacreditável! É consorte do maior daimio, embora seja uma consorte menor, não oficial, mas o que importa isso? Os seus filhos nascerão samurais. Esse não é o presente mais inacreditável do mundo? O adivinho não predisse essa boa fortuna incrível, que era para não se acreditar nunca? Mas agora é verdade, neh? Se você tem que chorar, há coisas mais impórtantes por que chorar. Sobre a semente crescendo no seu ventre, que o chá de gosto esquisito tirou de você. Mas por que chorar por isso? Ainda nem era uma criança, e quem era o pai? De verdade?
— Não sei, não com certeza, Gyoko-san, sinto muito, mas acho que é do meu senhor — dissera ela finalmente, desejando muito um filho dele para concretizar a promessa de samurai.
— Mas digamos que a criança nasça com olhos azuis e a pele clara? Poderia, neh? Conte os dias.
— Contei e retomei, oh, como contei!
— Então seja honesta consigo mesma. Sinto muito, mas o futuro de nós duas depende agora de você. Tem muitos anos férteis pela frente. Está só com dezoito anos, criança, neh? É melhor ter certeza, neh?
Sim, pensou ela de novo, como a senhora é sábia, Gyoko-san, e como eu fui tola, estava enfeitiçada. Era apenas um começo, e como somos sensatos, nós, japoneses, em saber que uma criança não é uma criança propriamente dita até trinta dias após o nascimento, quando o espírito se fixa firmemente no corpo e seu ,karma se torna inexorável. Oh, como tenho sorte, e quero um filho, outro e outro e nunca uma filha. Coitadas das meninas! ó deuses, abençoem o adivinho e obrigada, obrigada pelo meu karma, por eu ser favorecida pelo grande daimio, por meus filhos serem samurais e, oh, por favor, façam-me digna de tanta maravilha...
— O que é, ama? — perguntou a pequena Suisen, amedrontada com a alegria que parecia brotar de Kiku.
Kiku suspirou, contente. — Eu estava pensando no adivinho, no meu senhor, no meu karma, apenas devaneando, devaneando... Avançou pelo pátio, protegendo-se com a sombrinha escarlate, à procura de Toranaga. Ele estava quase escondido pelos cavalos e samurais e falcões no pátio, mas ela conseguiu vê-lo ainda na varanda, tomando chá agora, Fujiko curvando-se à sua frente de novo. Logo será a minha vez, pensou ela. Talvez esta noite possamos começar uma nova criança. Oh, por favor ... Então, extremamente feliz, voltou ao jogo.
Fora dos portões, Omi montou e partiu a galope com seus guardas, cada vez mais depressa, a velocidade revigorando-o, limpando-o, o pungente cheiro de suor do seu cavalo agradando-lhe. Não se voltou para olhar para ela, porque não havia necessidade. Sabia que abandonara toda a paixão da vida, e tudo o que adorara, aos pés dela. Tinha certeza de que nunca conheceria a paixão novamente, o êxtase de união espiritual que incandescia homem e mulher. Mas isso não lhe desagradou. Pelo contrário, pensou ele com uma claridade de gelo recém-descoberta, abençôo Toranaga por me libertar dessa servidão. Agora nada me prende. Nem pai nem mãe nem Kiku. Agora também posso ser paciente. Tenho vinte e um anos, sou quase daimio de Izu, e tenho um mundo a conquistar.
— Sim, senhor? -— estava dizendo Fujiko.
— Você irá diretamente daqui para Anjiro. Resolvi trocar o feudo do Anjin-san, Yokohama, por Anjiro. Vinte ris em cada direção a partir da aldeia, com uma renda anual de quatro mil kokus. Você ficará com a casa de Omi-san.
— Permita-me agradecer-lhe em nome dele, senhor. Sinto muito, estou entendendo que ele ainda não sabe disso?
— Não. Vou dizer-lhe hoje. Ordenei-lhe que construísse outro navio, Fujiko-san, para substituir o que se perdeu, e Anjiro será um estaleiro perfeito, muito melhor que Yokohama. Combi nei com a mulher Gyoko para que o filho mais velho dela seja supervisor comercial para o Anjin-san, e todos os materiais e artesãos serão pagos pela minha tesouraria. Você terá que ajudá-lo a estabelecer alguma forma de administração.
— Oh ko, senhor — disse ela, imediatamente preocupada. — O tempo que me sobra com o Anjin-san será tão curto.
— Sim. Terei que encontrar outra consorte para ele — ou esposa. Neh?
Fujiko levantou os olhos, os olhos estreitando-se. E disse: — Por favor, como posso ajudar?
— A quem sugere? — perguntou Toranaga. — Quero que o Anjin-san esteja contente. Homens contentes trabalham melhor, neh?
— Sim. — Fujiko rebuscou na mente. Quem se compararia a Mariko-san? Então sorriu. — Senhor, a atual esposa de Omi-san, Midori-san. A mãe dele a odeia, conforme o senhor sabe, e quer que Omi se divorcie — sinto muito, mas ela teve a surpreendente falta de educação de dizer isso na minha frente. Midori-san é uma senhora adorável e, oh, tão inteligente.
— Acha que Omi quer se divorciar? — Outra peça do quebra-cabeça que se encaixa no lugar.
— Oh, não, senhor, tenho certeza de que não. Que homem realmente deseja obedecer à mãe? Mas essa é a nossa lei, por isso ele deveria ter-se divorciado na primeira vez em que os pais mencionaram isso, neh? Ainda que sua mãe tenha um temperamento péssimo, com certeza ela sabe o que é melhor para ele, claro. Sinto muito, tenho que ser sincera, já que este assunto é muito importante. Claro que não tenho a intenção de ofender, senhor, mas o dever filial para com os pais é o sustentáculo da nossa lei.
— Concordo — disse Toranaga, ponderando sobre essa nova e feliz idéia. — O Anjin-san consideraria Midori-san uma boa sugestão?
— Não, senhor, não se o senhor ordenar o casamento ... mas, desculpe, não há necessidade de o senhor ordenar.
— Oh?
— O senhor talvez pudesse encontrar um meio de fazê-lo pensar nisso por si. Isso certamente seria melhor. Com Omi-san, claro, o senhor simplesmente ordena.
— Claro. Você aprovaria Midori-san?
— Oh, sim. Ela tem dezessete anos, seu filho é saudável, ela é de boa linhagem samurai, portanto daria belos filhos ao Anjin-san. Suponho que os pais de Omi insistirão para que Midori entregue o filho a Omi-san, mas, se não o fizerem, o Anjin-san poderia adotá-lo. Sei que o meu amo gosta dela, porque Marikosama contou-me que o arreliava com ela. Ela é de ótima linhagem samurai, muito prudente, muito inteligente. Oh, sim, ele estaria muito seguro com ela. Além disso seus pais estão mortos, portanto não haveria ressentimento por parte deles quanto ao casamento dela com um ... com o Anjin-san.