Que quatro dos cinco navios estivessem perdidos e oito em cada dez homens estivessem perdidos, e Tim e Watt estivessem perdidos, e um piloto português capturado houvesse conduzido a expedição para Drake através de Magalhães para o Pacífico, não lhe diminuíram o ódio; que Drake tivesse enforcado um oficial, excomungado o Capelão Fletcher e fracassado na tentativa de encontrar a passagem noroeste não diminuíram a admiração nacional por ele. A rainha tomou cinqüenta por cento do tesouro e o armou cavaleiro. A pequena nobreza e os comerciantes que haviam levantado o dinheiro para a expedição receberam trezentos por cento de lucro e suplicaram para subscrever a sua próxima viagem de corsário. E todos os marujos imploraram para navegar com ele, porque ele realmente conseguia pilhagem, realmente voltava para casa, e, com a parte de cada um no butim, os poucos felizardos que sobrevivessem estariam ricos pela vida toda. Eu teria sobrevivido, disse Blackthorne a si mesmo. Teria. E minha parte do tesouro depois teria sido suficiente para.. .
- Rotz vooruiiiiiiiiiit! Recife à frente!
De imediato ele mais sentiu do que ouviu o grito. Depois, misturado à ventania, ouviu novamente o grito lamentoso.
Saiu da cabina, subiu a gaiúta até o tombadilho, o coração martelando, a garganta ressecada. Era noite escura agora, chovia torrencialmente, e ele momentaneamente exultou, pois sabia que os coletores de chuva, de lona, feitos há tantas semanas atrás, logo estariam transbordando. Abriu a boca à chuva quase horizontal e provou-lhe a doçura, depois voltou as costas às rajadas de água e vento.
Viu que Hendrik estava paralisado de terror. O vigia do gurupês, Maetsukker, agachado perto da proa, gritava incoerentemente, apontando para a frente. Então também olhou para além do navio.
O recife estava umas poucas duzentas jardas à frente, grandes garras negras marteladas pelo mar faminto. A linha espumante de rebentação se estendia a bombordo e estibordo, quebrada intermitentemente. O temporal levantava imensas faixas de espuma e as atirava contra a escuridão da noite. Uma adriça de vante rompeu-se e o topo do mastro mais alto e imponente foi arrebatado.
O mastro estremeceu na base, mas agüentou, e o mar continuou impelindo o navio inexoravelmente para a morte.
- Todas as mãos no convés! - berrou Blackthorne, e tocou o sino com violência.
O barulho arrancou Hendrik do seu estupor.
- Estamos perdidos! — gritou em holandês. — Oh, que Jesus nos ajude!
- Ponha a tripulação no convés, seu bastardo! Você estava dormindo! Vocês dois estavam dormindo! - Blackthorne empurrou-o na direção da gaiúta, agarrou-se ao timão, soltou-lhe a amarra de proteção dos raios, amarrou-se e girou o timão com dificuldade para bombordo.
Aplicou toda a sua força contra o leme que disparava, impelido pela torrente. O navio estremeceu inteiro, depois a proa começou a pender com rapidez cada vez maior à medida que o vento a forçava para baixo. Os joanetes de tempestade enfunaram e corajosamente tentaram carregar todo o peso do navio, e todas as cordas agüentaram o esforço, rangendo. O mar elevou-se acima deles e estavam avançando paralelamente ao recife quando Blackthorne viu o vagalhão. Berrou um aviso aos homens que estavam vindo do castelo de proa e agarrou-se para salvar a vida.
O mar se abateu sobre o navio, que adernou, e Blackthorne pensou que aquilo era o fim, mas o barco se sacudiu como um terrier molhado e voltou para fora da depressão. A água caía em cascatas através dos embornais e ele ofegava, respirando com dificuldade. Viu que o cadáver do contramestre, colocado no convés para sepultamento no dia seguinte, se fora, e que a onda seguinte se aproximava ainda mais forte. Quando os atingiu, apanhou Hendrik e o ergueu, resfolegante e lutando. Outra onda estrondeou através do convés. Blackthorne passou um braço pelos raios do timão e a água passou por ele. Hendrik estava cinqüenta jardas a bombordo. A retração da água tragou-o, depois um vagalhão gigantesco atirou-o acima do navio, manteve-o lá por um instante, gritando, depois levou-o, reduziu-o a pasta contra a crista de um rochedo e o devorou. O navio apontou para o mar, tentando avançar. Outra adriça cedeu e a roldana e o guincho giraram furiosamente, até se enroscar com o cordame.
Vinck e outro homem se arrastaram pelo tombadilho e se debruçaram sobre o timão, para ajudar. Blackthorne podia ver o recife intruso a estibordo, mais perto agora. À frente e a bombordo havia mais afloramentos, mas ele viu brechas aqui e ali.
- Suba, Vinck! Traquetes, ho!
Pé ante pé Vinck e dois marujos se arrastaram para os ovens do cordame do mastro de proa, enquanto outros, embaixo, se inclinavam sobre as cordas para lhes dar uma mão.
- Atenção à frente! - berrou Blackthorne.
O mar espumava ao longo do convés. Levou outro homem e trouxe o cadáver do contramestre novamente para bordo. A proa elevou-se fora da água e veio abaixo mais uma vez, trazendo mais água para bordo. Vinck e os outros homens amaldiçoaram a vela que escapara das cordas. Abruptamente ela enfunou, soltando um estouro como uma canhonada quando o vento a inflou, e o navio deu uma guinada.
Vinck e seus ajudantes ficaram pendurados lá, balançando sobre o mar, depois começaram sua descida.
- Recife, recife à frente! - berrou Vinck.
Blackthorne e o outro homem giraram o timão para estibordo. O navio hesitou, depois virou e soltou um guincho quando os rochedos, ligeiramente à flor da água, lhe encontraram o costado. Mas foi um golpe oblíquo e a ponta do rochedo esmigalhou-se. Os costados permaneceram ilesos e os homens a bordo começaram a respirar mais uma vez. Blackthorne viu uma brecha no recife à frente e dirigiu o navio para ela. O vento estava mais forte agora, o mar mais furioso. O navio desviou com uma rajada e o timão escapou-lhe das mãos. Juntos agarraram-no e lhe estabeleceram a rota de novo, mas ele se sacudiu e girou como bêbado. O mar inundou o convés e irrompeu contra o castelo de proa, esmagando um homem contra o tabique, o convés inteiro alagado como o de cima.
- As bombas! - gritou Blackthorne. Viu dois homens descerem.
A chuva açoitava-lhe o rosto e ele mantinha os olhos meio fechados por causa da dor. A luz da bitácula e a da popa tinham-se apagado há muito. Depois, quando outra rajada atirou o navio para mais longe de sua rota, o marujo escorregou e novamente o timão escapou do aperto. O homem guinchou quando um raio do leme lhe esmagou o lado da cabeça e o prostrou à mercê do mar.
Blackthorne puxou-o para cima e segurou-o até que o vagalhão espumante passasse. Então viu que o homem estava morto e deixou-o afundar-se na cadeira de convés, até que a onda seguinte varreu-o de lá.
O corte através do recife estava três pontos a barlavento e, por mais que tentasse, Blackthorne não conseguia alcançá-lo. Procurou desesperadamente um outro canal, mas sabia que não havia nenhum, de modo que deixou o navio virar para sotavento momentaneamente para ganhar velocidade, depois virou-o com dificuldade para barlavento novamente. A embarcação conseguiu se pôr na rota e manteve o curso.
Houve um estremecimento lamentoso, atormentado, quando a quilha raspou nas saliências aguçadas embaixo, e todos a bordo imaginaram ver os costados de carvalho rebentar em pedaços e o mar jorrar. O navio oscilou para a frente, fora de controle agora.