— Um dia antes que a ordem seja colocada em vigor, Longstaff vai cancelá-la.
— Não compreendo.
— É uma questão de salvar as aparências, Robb. Depois que o almirante saiu, eu expliquei a Longstaff que proibir o ópio seria destruir todo o comércio. Pelo sangue de Deus, quantas vezes terei de explicar? Depois, observei que ele poderia muito bem cancelar a ordem imediatamente, sem se desmoralizar, e sem fazer o almirante, que é bem-intencionado, mas nada sabe a respeito de comércio, se desmoralizar. A única coisa a fazer seria dar a ordem e depois, para salvar a cara e o emprego do almirante, e o seu próprio, cancelá-la. Eu prometi explicar o “comércio” ao almirante, enquanto isso. A ordem também agradará aos chineses, e vai colocá-los em desvantagem. Haverá outro encontro com Ti-sen, dentro de três dias. Longstaff concordou inteiramente e me pediu para manter o assunto particular.
O rosto de Robb se iluminou.
— Ah, Tai-Pan, você é um grande homem! Mas que garantias há de que Longstaff cancelará a ordem?
Struan tinha no bolso uma proclamação, assinada e datada para dali a seis dias, que cancelava a ordem. Longstaff a empurrara em cima dele. “Olha aqui, Dirk, leve isso agora, senão posso esquecer. Diabo! Toda essa papelada, sabe... terrível. Mas é melhor manter em particular, até chegar a hora.”
— Você cancelaria uma ordem estúpida dessas, Robbie?
— Sim, claro. — Robb teve vontade de abraçar o irmão. — Se são seis dias e ninguém mais sabe disso com certeza, nós vamos ganhar uma fortuna.
— Sim.
Struan deixou os olhos vagarem até o porto. Ele o descobrira há mais de vinte anos. A borda externa de um tufão o apanhara e impelira para mar alto e, embora ele estivesse preparado para tempestades, não conseguiu escapar e foi empurrado inexoravelmente em direção à terra. Seu navio ficara ameaçado, enfrentando mar com dificuldade, no dia em que o céu e o horizonte se apagaram, sob os lençóis de água que os Ventos Supremos arrancaram do oceano e atiraram diante deles. Perto da praia, no mar tenebroso, as âncoras de tempestade cederam e Struan percebeu que o navio estava perdido. O mar agarrou a embarcação e atirou-a contra a praia. Por milagre, o vento alterou seu curso uma fração de grau e a impeliu para além dos rochedos, para dentro de um estreito canal não registrado no mapa, com menos de trezentos metros de largura, que a extremidade leste de Hong Kong formava com o continente — e eles entraram no porto que existia atrás. Em águas protegidas.
O tufão destroçou a maior parte da frota mercante em Macau e afundou dezenas de milhares de juncos pela costa. Mas o navio de Struan e os juncos que se abrigavam em Hong Kong conseguiram suportar a tempestade. Quando passou, Struan navegou em torno da ilha, mapeando-a. Depois guardou a informação em sua mente e começou a planejar em segredo.
E agora que você é nossa, agora eu posso partir, ele pensou, com a excitação aumentando. Agora, o Parlamento.
Há anos Struan sabia que o único meio de proteger a Casa Nobre e a nova colônia estava em Londres. O verdadeiro centro de poder na terra era o Parlamento. Como membro do Parlamento, apoiado pelo poder que lhe dava a grande riqueza da Casa Nobre, dominaria a política externa da Ásia, como dominara Longstaff. Sim.
Alguns poucos milhares de libras colocarão você no Parlamento, ele disse a si próprio. Bastava de trabalhar através de terceiros. Agora você poderá fazer o serviço por si mesmo. Sim, afinal, garoto. Uns poucos anos, e então um título de cavaleiro. Depois, o Gabinete. E então, por Deus, você dirigirá os caminhos do Império e da Ásia, e a Casa Nobre durará mil anos.
Robb estava a observá-lo. Sabia que tinha sido esquecido, mas não se importava. Gostava de espiar o irmão, quando seus pensamentos estavam distantes. Quando o rosto do Tai-Pan perdia sua dureza e seus olhos o verde frio, quando sua mente estava cheia de sonhos, que ele sabia jamais poderia partilhar, Robb se sentia muito próximo dele e muito seguro.
Struan quebrou o silêncio.
— Dentro de seis meses, você vai assumir como Tai-Pan. O estômago de Robb esfriou de pânico.
— Não. Não estou preparado.
— Você está preparado. Só no Parlamento eu posso nos proteger e a Hong Kong.
— Sim — disse Robb; depois acrescentou, tentando manter a voz no mesmo tom.
— Mas isto deveria ser no futuro... dentro de dois ou três anos. Há coisas demais para fazer aqui.
— Você pode fazê-las.
— Não.
— Você pode. E não há dúvidas na mente de Sarah, Robb.
Robb olhou para o Resting Cloud, seu navio-depósito, onde sua mulher e filhos estavam vivendo, temporariamente. Sabia que Sarah era ambiciosa demais para ele.
— Não quero ainda. Há tempo bastante.
Struan pensou a respeito do tempo. Ele não lamentava os anos passados no Oriente, longe de seu país. Longe de sua mulher, Ronalda, e de Culum, Ian, Lechie e Winifred, seus filhos. Teria gostado que estivessem com ele, mas Ronalda odiava o Oriente. Casaram-se na Escócia, quando ele tinha vinte anos e Ronalda dezesseis, e partiram imediatamente para Macau. Seu primeiro filho morrera ao nascer e, no ano seguinte, quando o segundo filho, Culum, nasceu, também ficou doente. Então Struan mandou sua família para casa. A cada três ou quatro anos, voltava, de férias. Passava um mês ou dois em Glasgow, com eles, e depois voltava ao Oriente, porque havia muita coisa a fazer e era preciso construir uma Casa Nobre.
Não lamento um só dia, disse ele a si mesmo. Nem um dia. Um homem precisa sair pelo mundo, para fazer dele e de si próprio o máximo possível. Não é esta a finalidade da vida? Ainda que Ronalda seja uma moça bonita e eu ame meus filhos, um homem precisa fazer o que tem de fazer. Não foi para isso que nascemos? Se o antepassado dos Struans não tivesse tomado todas as terras do clã e as cercado, e expulsado a todos nós — a nós, seus parentes, que trabalhávamos as terras há gerações — então eu poderia ter sido um seareiro, como meu pai foi. Mas ele nos mandou para uma favela fedorenta em Glasgow, e tomou todas as terras para si, a fim de se tornar o Conde de Struan, e dispersou o clã. Então, quase morremos de fome, e eu fui para o mar e o pagode nos salvou e agora a família está próspera. Todos eles. Porque eu fui para o mar. E porque A Casa Nobre deu certo.
Struan aprendera muito rápido que dinheiro era poder. E ia usar seu poder para destruir o Conde de Struan e comprar de volta algumas das terras do clã. Não lamentava nada em sua vida. Descobrira a China, e a China lhe dera o que seu país nunca pôde dar. Não apenas riqueza. A riqueza por si própria era uma obscenidade. Mas riqueza é uma finalidade para ele. Tinha uma dívida para com a China.
E, ele sabia, ainda que fosse para a Inglaterra e se tornasse membro do Parlamento, ministro do Gabinete, destruísse o conde e cimentasse Hong Kong como uma jóia na coroa britânica, voltaria sempre. Pois seu verdadeiro objetivo — secreto para todos, quase secreto para ele mesmo, a maior parte do tempo — levaria anos para ser alcançado.
— Não há nunca tempo suficiente. — Olhou para a montanha mais elevada. — Vamos chamá-la “O Cume” — disse distraidamente, e outra vez teve a estranha e repentina sensação de que a ilha o odiava e queria que ele morresse. Sentia o ódio a cercá-lo, e ficava imaginando, perplexo, por quê?
— Dentro de seis meses, você dirigirá A Casa Nobre — repetiu, com voz rouca.
— Não posso. Sozinho não.
— Um Tai-pan está sempre sozinho. Esta é sua alegria e também seu sofrimento.
— Por sobre o ombro de Robb viu o mestre de guarnição que se aproximava. — Sim, Sr. McKay?
— Com licença, senhorrr. Permissão para tomar uma bebida? — McKay era um homem atarracado e corpulento, com o cabelo amarrado num rabicho alcatroado e sórdido.
— Sim. Uma bebida dupla para todos os homens. Ajeite tudo como ficou combinado.