— Sim, sim senhorrr. — McKay saiu, apressadamente. Struan tornou a se virar para Robb e Robb teve consciência apenas dos estranhos olhos verdes, que pareciam despejar luz em cima dele.
— Vou mandar vir Culum, lá pelo fim do ano. Ele terá terminado então a universidade. Ian e Lechie irão para o mar e depois virão também. Nessa ocasião, seu filho Roddy estará com idade suficiente. Graças a Deus temos filhos em número suficiente para nos suceder. Escolha um deles para suceder você. O Tai-Pan deve sempre escolher quem vai sucedê-lo, e decidir quando. — Depois, com determinação, ele deu as costas para a China continental e disse — Seis meses! — E se afastou.
***
— Querem beber conosco, cavalheiros? — Struan perguntou a um grupo de negociantes. — Um brinde para nosso novo lar? Tem conhaque, rum, cerveja, vinho branco espanhol seco, uísque e champanha.
Ele apontou para sua chalupa, onde seus homens descarregavam barris e punham mesas. Outros estavam vergados ao peso de cargas de carne assada fria — frangos, traseiros de porco, vinte porquinhos de leite e um quarto de boi — além de pães, pastéis de porco frio, salgados, paneladas de repolho frio, cozido com presunto gordo, trinta ou quarenta presuntos defumados, cachos de banana de Cantão, tortas de frutas em conserva, copos finos e canecas de estanho, até mesmo baldes de gelo — que as lorchas e os clíperes tinham trazido do norte — e garrafas de champanha.
— Tem comida para quem quiser.
Houve vivas de aprovação e os negociantes começaram a convergir para as mesas. Quando todos já tinham pegado seus copos ou canecões, Struan ergueu o seu copo.
— Um brinde, cavalheiros.
— Vou beber com você, mas não por causa deste maldito rochedo. Vou beber à sua queda — disse Brock, erguendo um canecão de cerveja. — Pensando melhor, vou beber ao seu pequeno rochedo também. Eu lhe darei um nome: “A Extravagância de Struan”.
— Ah, é pequeno demais — respondeu Struan. — Mas suficientemente grande para Struan e o restante dos negociantes da China. Se é grande bastante para Struan e Brock... esta é outra questão.
— Vou lhe dizer com certeza, Dirk, meu rapaz: nem a China inteira é. Brock esvaziou o canecão e atirou-o em direção ao interior da ilha. Depois caminhou altivamente para sua chalupa. Alguns dos negociantes o seguiram.
— Puxa vida, que maneiras horrorosas — disse Quance. Depois bradou, rindo. — Vamos, Tai-Pan, o brinde! O Sr. Quance tem uma sede imortal! Façamos a História!
— Desculpe, Sr. Struan — disse Horatio Sinclair. — Antes do brinde, não seria apropriado agradecer a Deus pela graça que nos concedeu neste dia?
— Claro, rapaz. Tolice minha esquecer. Quer conduzir a prece?
— O Reverendo Mauss está aqui, senhor.
Struan hesitou, apanhado desprevenido. Observou o jovem, gostando do profundo humor que se escondia no fundo dos olhos cinza-azulados. Depois disse, alto:
— Reverendo Mauss, onde está o senhor? Vamos rezar uma prece.
Mauss se elevava acima dos negociantes. Ele se movimentou, hesitante, diante da mesa e depôs o copo vazio, fingindo que sempre estivera vazio. Os homens tiraram os chapéus e esperaram, com as cabeças descobertas sob o vento frio.
Agora tudo estava tranqüilo na praia. Struan ergueu os olhos para os sopés das colinas, para um afloramento onde ficaria a igreja. Com os olhos da mente, viu a igreja, bem como a cidade, o cais, os armazéns, lares e jardins. A Casa Grande onde o Tai-Pan tomaria decisões referentes a sucessivas gerações. Outros lares para a hierarquia da casa e suas famílias. Pensou a respeito de sua atual amante, T'chung Jen May-may. Comprara May-may há cinco anos, quando ela tinha quinze e estava intocada.
Ayeeee yah, disse ele para si próprio, cheio de felicidade, empregando uma das expressões cantonesas dela, que significava prazer, raiva, desgosto, felicidade, desamparo, a depender de como era dita. É uma gata selvagem como não tem outra.
— Ó Deus cheio de brandura que rege os ventos selvagens, as ondas, e a beleza do amor, Deus dos grandes navios e da estrela do Norte e da beleza do lar, Deus Pai do Cristo menino, olhai por nós e tende piedade de nós. — Mauss, com os olhos fechados, erguia as mãos. Sua voz era sonora, e a profundeza de seu anelo envolveu-os. — Somos os filhos dos homens e nossos pais se preocuparam conosco como Vos preocupastes com
o Vosso Filho ferido, Jesus. Santos são crucificados na terra e os pecadores se multiplicam. Contemplamos a glória de uma flor e não Vos vemos. Percorremos os poderosos oceanos e não Vos sentimos. Segamos a terra e não Vos tocamos. Comemos e bebemos, mas não Vos provamos. Vós sois todas essas coisas, e ainda mais. Sois a vida e a morte e o sucesso e o fracasso. Sois Deus e nós somos homens...
Fez uma pausa, com o rosto contorcido, enquanto lutava com sua alma torturada. Oh, Deus, perdoai meus pecados. Deixai que eu expie a minha fraqueza convertendo os pagãos. Deixai que eu seja um mártir da Vossa Santa Causa. Fazei com que eu mude, do que sou agora para o que era antes...
Mas Wolfgang Mauss sabia que não havia retorno, ao começar a servir Struan sua paz o abandonara, e as necessidades de sua carne o absorveram. Certamente, ó Deus, o que eu fiz era certo. Não havia nenhuma outra maneira de entrar na China.
Ele abriu os olhos e ficou fitando em torno, desamparadamente.
— Desculpem. Perdoem-me. Não sei as palavras. Posso vê-las, grandes palavras, para fazer que O conheçam, como outrora eu O conhecia, mas não posso mais dizer essas palavras. Perdoem-me. Ó Senhor, abençoai esta ilha. Amém.
Struan pegou um copo cheio de uísque e deu-o a Mauss.
— Acho que falou muito bem. Um brinde, cavalheiros. À rainha!
Beberam e, quando seus copos ficaram vazios, Struan mandou que fossem cheios novamente.
— Com sua permissão, Capitão Glessing, gostaria de oferecer a seus homens um duplo. E ao senhor, claro. Um brinde para a nova propriedade da rainha. O senhor entrou para a História hoje. — Ele bradou aos mercadores. — Devemos prestar uma homenagem ao capitão. Vamos chamar esta praia de “Cabo Glessing”.
Houve um bramido de aprovação.
— Dar nome a ilhas ou à parte de uma ilha é função do oficial de escalão mais elevado — disse Glessing.
— Vou mencionar isto a Sua Excelência.
Glessing fez um aceno brusco de cabeça e gritou para o mestre-d’armas:
— Marinheiros, um duplo, com os cumprimentos de Struan e Companhia. Fuzileiros, nada. Relaxar.
Apesar de sua fúria com Struan, Glessing não pôde deixar de se regozijar ao saber que, enquanto houvesse uma colônia em Hong Kong, seu nome seria lembrado. Porque Struan jamais dizia nada impensadamente.
Foi feito um brinde a Hong Kong, e dados três vivas. Depois, Struan fez um aceno de cabeça para o tocador de gaita de foles e o toque do clã Struan encheu a praia.
Robb nada bebeu. Struan tomou um copo de uísque e passeou por entre a multidão, cumprimentando aqueles a quem queria cumprimentar e fazendo acenos de cabeça para outros.
— Não está bebendo, Gordon?
— Não, obrigado, Sr. Struan. — Gordon Chen fez uma curvatura à moda chinesa, muito orgulhoso de ser notado.
— Como vai você?
— Muito bem, obrigado, senhor. O garoto se transformara num belo jovem, pensou Struan. Quantos anos tem agora? Dezenove. O tempo passa tão depressa.
Lembrou-se com ternura de Kai-sung, a mãe do rapaz. Ela tinha sido sua primeira amante e era linda. Ayeeee yah, ela lhe ensinara uma porção de coisas.
— Como está sua mãe? — Perguntou.
— Está muito bem. — Gordon Chen sorriu. — Ela gostaria que eu lhe falasse de suas orações por sua segurança. Todo mês ela queima bastões do pagode em sua honra, no templo.
Struan ficou imaginando qual seria seu aspecto, agora. Há dezessete anos não a via. Mas se lembrava, nitidamente, de seu rosto.