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— Mando-lhe as minhas saudações.

— O senhor lhe faz muita honra, Sr. Struan.

— Chen Sheng me contou que vocês estão trabalhando duro e lhe são muito úteis.

— Ele é por demais generoso comigo, senhor.

Chen Sheng não era jamais generoso com alguém que não fizesse mais do que ganhar seu sustento. Chen Sheng era um velho ladrão, Struan sabia, mas, por Deus, estaríamos perdidos sem ele.

— Bom — disse Struan — você não poderia ter um professor melhor do que Chen Sheng. Haverá uma porção de coisas a fazer nos próximos meses. Vai ser um aperto.

— Espero ser útil à Casa Nobre, senhor.

Struan sentiu que seu filho tinha algo em mente, mas simplesmente fez um aceno amável de cabeça e se afastou, sabendo que Gordon encontraria uma maneira de lhe dizer, quando chegasse a ocasião oportuna.

Gordon Chen curvou-se e, depois de um momento, aproximou-se de uma das mesas e ficou esperando, cortesmente, ao fundo até haver espaço para ele, consciente dos olhares, mas sem se importar; sabia que enquanto Struan fosse o Tai-Pan ele estava completamente seguro.

Os negociantes e marinheiros na praia fizeram em pedaços com as mãos os frangos e porquinhos de leite e se encheram de carne, a gordura a lhes escorrer pelo queixo. Que bando de selvagens, pensou Gordon Chen, e agradeceu seu pagode por ter sido criado como chinês e não como europeu.

Sim, pensou ele, meu pagode foi grande. Pagode lhe trouxera seu professor chinês secreto, há alguns anos. Ele não contara a ninguém sobre o professor, nem mesmo à sua mãe. Com esse homem, ele aprendera que nem todos os ensinamentos dos reverendos Sinclair e Mauss eram necessariamente verdadeiros. Aprendera sobre Buda e sobre a China e seu passado. E como pagar a dádiva da vida e usá-la para a glória de sua terra natal. Depois, no ano passado, o Professor o iniciara na mais poderosa, mais clandestina e mais militante das sociedades secretas chinesas, a Hung Mun Tong, que esteve disseminada por toda China e cujo empenho, através dos mais sagrados juramentos de irmandade de sangue, era derrubar os odiados Manchus, os Ch’ings estrangeiros a dinastia governante da China.

Por dois séculos, sob vários disfarces e nomes, a sociedade fomentara a insurreição. Haviam ocorrido revoltas em todo o Império Chinês — do Tibete à Formosa, da Mongólia à Indochina. Onde quer que houvesse fome, opressão ou descontentamento, a Hung Mun reunia os camponeses contra os Ch’ings e contra seus mandarins. Todas as insurreições fracassaram e foram selvagemente esmagadas pelos Ch’ings. Mas a sociedade sobrevivera.

Gordon Chen sentia-se orgulhoso com o fato de, sendo apenas parte chinês, ter sido considerado digno de ser um Hung Mun. Morte aos Ch’ings. Ele abençoou seu pagode por ter nascido naquela época da história, naquela parte da China, com o pai que tinha, pois sabia ter quase chegado a hora de uma revolta em toda a China.

E ele abençoou o Tai-Pan, pois dera a Hung Mun uma pérola de valor inestimáveclass="underline" Hong Kong. Afinal, a sociedade tinha uma base segura, longe da perpétua opressão dos mandarins. Hong Kong estaria sob controle dos bárbaros e ali, naquela pequena ilha, ele sabia que a sociedade floresceria. De Hong Kong, em segurança e secretamente, eles esquadrinhariam o território continental e atacariam os Ch’ings até chegar o Dia. E com pagode, pensou ele, eu posso usar o poder da Casa Nobre para a causa.

— Pula fora, pagão maldito!

Gordon Chen ergueu os olhos, espantado. Um marinheiro atarracado, rijo e baixinho o fitava. Tinha nas mãos um pedaço de porquinho de leite e o partia com seus dentes quebrados.

— Pula fora, senão eu vou enrolar seu rabicho em volta de seu maldito pescoço! O mestre McKay aproximou-se às pressas, e afastou o marinheiro.

— Cala a boca, Ramsey, seu sujo — disse. — Ele não é perigoso, Sr. Chen.

— Sim, obrigado, Sr. McKay.

— Quer “bóia”? — McKay cortou um frango com a sua faca e ofereceu-o.

Gordon Chen, cuidadosamente, partiu o osso final da asa do frango, horrorizado com as maneiras bárbaras de McKay.

— Obrigado.

— Só vai querer isso?

— Sim. É a parte mais tenra. — Chen fez uma curvatura. — Obrigado outra vez.

— Afastou-se.

McKay aproximou-se do marinheiro.

— Você está bom da cabeça, imediato?

— Eu devia arrancar seu coração de veado. É seu queridinho chinês, McKay?

— Fala baixo. Aquele chinês tem de ser deixado em paz. Se você quer apoquentar um bastardo pagão, existem muitos outros. Mas não aquele, pelo amor de Deus. Ele é o bastardo do Tai-Pan, nada mais, nada menos.

— Então por que não usa um maldito sinal... ou corta aquele maldito cabelo? — Ramsey baixou a voz e lançou olhares de soslaio. — Ouvi dizer que são diferentes... as bichas chinesas. Feitos de maneira diferente.

— Não sei. Nunca cheguei perto de um desses tipos. Tem uma porção de nossa raça em Macau.

***

Struan estava olhando uma sampana ancorada ao largo. Era um barco pequeno, com uma cabina bem-arrumada feita de finas esteiras de palhinha entrançada, esticada sobre arcos de bambu. O pescador e sua família eram Hoklos, gente que morava em barcos e vivia toda sua vida flutuando, raramente, ou nunca, indo à praia. Ele podia ver que havia quatro adultos e oito crianças na sampana. Algumas das crianças estavam amarradas no barco por cordas em torno da cintura. Deviam ser os filhos. As filhas não eram amarradas, porque não tinham nenhum valor.

— Quando acha que poderemos voltar para Macau, Sr. Struan? Ele se virou e sorriu para Horatio.

— Creio que amanhã, rapazinho. Mas acho que Sua Excelência vai precisar de você para o encontro com Ti-sen. Haverá mais documentos para traduzir.

— Quando será o encontro?

— Dentro de três dias, acredito.

— Se tiver um navio indo para Macau, dará uma passagem à minha irmã? A pobre Mary está a bordo há dois meses.

— Com a maior satisfação. — Struan ficou imaginando o que Horatio faria, quando soubesse a verdade a respeito de Mary. Struan descobrira a verdade sobre ela há pouco mais de três anos...

Ele estava num mercado apinhado, em Macau, e um chinês, de repente, empurroulhe um pedaço de papel nas mãos e fugiu correndo. Era uma nota escrita em chinês. Ele mostrou o papel a Wolfgang Mauss.

— É o endereço de uma casa, Sr. Struan. E um recado: “O Tai-Pan da Casa Nobre precisa de informações especiais, por causa de sua casa. Venha secretamente à entrada lateral, na Hora do Macaco.”

— O que é Hora do Macaco?

— Três horas da tarde.

— Onde é a casa?

Wolfgang lhe disse e depois acrescentou:

— Não vá. É uma armadilha, hein? Lembre-se de que sua cabeça foi posta a prêmio por cem mil taéis.

— A casa não fica no bairro chinês — disse Struan. — E à luz do dia não seria uma armadilha. Reúna a tripulação do meu navio. Se eu não tornar a aparecer, são e salvo, dentro de uma hora, venham procurar-me.

E então ele partiu, deixando Wolfgang e a tripulação do navio armada e por perto, de prontidão, caso fosse necessário. A casa ficava junto de outras, enfileiradas, numa rua tranqüila e arborizada. Struan entrou por uma porta no alto muro, e chegou a um jardim. Uma criada chinesa o esperava. Ela estava vestida de maneira asseada, com calças negras e casaco da mesma cor, e seu cabelo estava penteado num coque. Ela fez uma curvatura e um sinal para que ele ficasse em silêncio, e a seguisse. Mostrou-lhe o caminho através do jardim, até dentro da casa, subindo em seguida por um lance de escadas internas, que davam num quarto. Ele a acompanhou cautelosamente, pronto para qualquer problema.

O quarto estava ricamente mobiliado e as paredes de madeira eram cobertas de tapeçarias. Havia cadeiras, uma mesa e móveis chineses de teca. O quarto cheirava singularmente a limpo, com uma leve sugestão de sutil incenso. Havia uma janela que dava para o jardim.