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A mulher foi até à extremidade de uma parede lateral e, cuidadosamente, movimentou um segmento de madeira. Havia um pequeno buraco na parede. Ela espiou por ali, e depois fez sinal para que ele fizesse a mesma coisa. Ele sabia que havia um antigo truque chinês para enganar um inimigo: fazê-lo colocar o olho num buraco assim, na parede, enquanto alguém esperava, do outro lado, com uma agulha. Então manteve o olho a algumas polegadas do buraco. Mesmo assim, podia ver o outro quarto, claramente.

Era um quarto de dormir. Wang Chu, o principal mandarim de Macau, encontravase na cama, nu e corpulento, roncando. Mary estava nua, a seu lado. Com a cabeça apoiada nos braços, ela olhava para o teto.

Struan espiava com um horror fascinado. Mary, langorosamente cutucou Wang Chu e acariciou-o até acordá-lo, rindo e conversando com ele. Struan não sabia que ela falava chinês, e ele a conhecia mais do que qualquer outra pessoa, com exceção do irmão. Ela tocou uma pequena sineta e uma criada entrou e começou a ajudar o mandarim a se vestir. Wang Chu não podia vestir a si mesmo porque suas unhas tinham quatro polegadas de comprimento e eram protegidas por folhas de metal cravejadas de jóias. Struan virouse, cheio de repulsa.

Houve um repentino ruído de vozes, numa cadência monótona, vindas do jardim, e ele, cautelosamente, olhou pela janela. Os guardas de Wang estavam reunidos no jardim; poderiam impedir-lhe a saída. A criada fez-lhe um sinal para não se preocupar e esperar. Ela foi até à mesa e serviu-lhe chá; depois, fez uma curvatura e saiu.

Dentro de meia hora, os homens saíram do jardim e Struan viu que se enfileiravam diante de uma liteira, na rua. Wang Chu foi ajudado a entrar na liteira e carregado.

— Olá, Tai-Pan.

Struan fez um giro, puxando a faca. Mary estava em pé num pórtico antes escondido na parede. Usava um traje de tecido fino e diáfano, que nada escondia. Tinha o cabelo comprido e louro, olhos azuis e um queixo com uma covinha; longas pernas, cintura estreita e seios pequenos e firmes. Um pedaço de jade entalhado, de valor incalculável, estava pendurado numa corrente de ouro em torno de seu pescoço. Mary observava Struan com um sorriso curioso e aberto.

— Pode guardar a faca, Tai-Pan. Não está em perigo. — Sua voz era calma e zombeteira.

— Você devia ser chicoteada — disse ele.

— Conheço muito bem o chicote, não se lembra? — Ela se movimentou em direção ao quarto. — Teremos mais conforto aqui dentro. — Ela foi até uma escrivaninha e despejou uísque em dois copos. — Que é que há? — disse ela, com o mesmo sorriso perverso. — Nunca esteve no quarto de uma moça antes?

Ela lhe entregou um copo e ele o pegou.

— Somos iguais, Tai-Pan. Ambos preferimos amantes chineses.

— Por Deus, sua cadela maldita, você...

— Não seja hipócrita; não fica bem para você. Você é casado e tem filhos. Entretanto, tem muitas outras mulheres. Mulheres chinesas. Sei tudo a respeito delas. Empenhei-me em descobrir.

— É impossível que você seja Mary Sinclair — disse ele, mais ou menos para si mesmo.

— Não é impossível. Surpreendente, sim. — Ela bebia seu uísque calmamente. — Mandei buscá-lo porque queria que você me visse como eu sou.

— Por quê?

— Primeiro, é melhor você mandar seus homens embora.

— Como sabe a respeito deles?

— Você é muito cuidadoso. Como eu. Não viria aqui secretamente sem um guarda-costa. — Seus olhos zombavam dele.

— Em que você está metida?

— Quanto tempo disse a seus homens para esperarem?

— Uma hora.

— Preciso de um espaço maior de seu tempo. Mande-os embora. — Ela riu. — Eu esperarei.

— É melhor esperar. E vista alguma coisa.

Ele saiu da casa e disse a Wolfgang para esperar mais duas horas e então ir procurá-lo. Contou-lhe a respeito da porta secreta, mas não sobre Mary. Quando ele voltou, Mary estava deitada na cama.

— Por favor, feche a porta, Tai-Pan — disse ela.

— Eu lhe disse para vestir alguma coisa.

— Eu lhe disse para fechar a porta.

Raivosamente, ele bateu a porta. Mary tirou o vestido transparente e o atirou para um lado.

— Acha que eu sou atraente?

— Não. Você me enoja.

— Você não me enoja, Tai-Pan. Você é o único homem que eu admiro no mundo.

— Horatio devia ver você agora.

— Ah, Horatio — disse ela, enigmaticamente. — Quanto tempo você disse a seus homens para esperarem, desta vez?

— Duas horas.

— Você lhes contou a respeito da porta secreta. Mas não a meu respeito.

— Por que tem tanta certeza?

— Conheço você, Tai-Pan. Por isso lhe confio o meu segredo. — Ela brincava com o copo de uísque, os olhos baixos. — Já tínhamos terminado, quando você espiou pelo buraco?

— Sangue de Deus! É melhor você...

— Tenha paciência comigo, Tai-Pan — disse ela. — Já tínhamos?

— Sim.

— Fico satisfeita. Satisfeita e aborrecida. Queria que você tivesse certeza.

— Não entendi.

— Queria que você tivesse certeza de que Wang Chu era meu amante.

— Por quê?

— Porque tenho informações que lhe podem ser úteis, Tai-Pan. Tenho muitos amantes. Chen Sheng vem aqui algumas vezes. Muitos dos mandarins de Cantão. O velho Jin-qua, uma vez. — Os olhos dela gelaram e pareceram mudar de cor. — Não me desagradam. Eles gostam da cor de minha pele e eu lhes dou prazer. Eles me dão prazer. Tenho de lhe dizer essas coisas, Tai-Pan. Não faço mais do que pagar a dívida que tenho com você.

— Que dívida?

— Você impediu os espancamentos. Você impediu tarde demais, mas não foi por culpa sua. — Ela se levantou da cama e vestiu um traje grosso. — Não quero aborrecê-lo mais. Por favor me ouça e depois pode fazer o que quiser.

— O que você quer me contar?

— O imperador indicou um novo vice-rei para Cantão. Esse Vice-rei Ling, leva um edito imperial para proibir o tráfico de ópio. Ele chegará dentro de duas semanas, e dentro de três semanas cercará a Colônia em Cantão. Nenhum europeu sairá de Cantão até todo o ópio ter sido entregue.

Struan riu com desprezo.

— Não acredito nisso.

— Se o ópio for entregue e destruído, qualquer pessoa que tenha cargas de ópio fora de Cantão ganharia uma fortuna — disse Mary.

— Não será entregue.

— Vamos dizer que toda a Colônia seja posta sob exigência de resgate, em troca do ópio. O que poderiam vocês fazer? Não há navios armados aqui. Vocês estão indefesos. Não estão?

— Sim.

— Mande um navio a Calcutá, com ordens de comprar ópio, todo que puder, dois meses depois de chegar. Se minha informação for falsa, isto lhe dará tempo suficiente para cancelar a ordem.

— Wang lhe disse isso?

— Só a respeito do vice-rei. O resto foi idéia minha. Queria pagar a dívida que tenho com você.

— Você não me deve nada.

— Você nunca foi chicoteado.

— Por que você não mandou alguém me contar, secretamente? Por que me trazer aqui? Para ver você assim? Por que me fazer passar por isto... este horror?

— Queria lhe contar. Eu mesma. Queria que alguém mais, além de mim mesma, soubesse quem eu sou. Você é o único homem em quem confio — ela disse, com uma inesperada e infantil inocência.

— Você está louca. Devia ser trancafiada.

— Por que gosto de ir para a cama com chineses?

— Deus do céu! Não entende quem você é?

— Sim. Uma vergonha para a Inglaterra. — A raiva aflorou em seu rosto, endurecendo-o, envelhecendo-o. — Vocês homens fazem o que lhes agrada, mas nós mulheres não podemos. Bom Deus, como posso ir para a cama com um europeu? Eles não conseguem se conter e vão contando logo aos outros, e me cobririam de vergonha diante de todos vocês. Desta maneira, ninguém se prejudica. A não ser eu, talvez, e isto aconteceu há muito tempo.