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— O que aconteceu?

— É melhor você encarar uma verdade da vida, Tai-Pan. A mulher precisa de homens tanto quanto o homem precisa de mulheres. Por que deveríamos nos satisfazer com um homem apenas? Por quê?

— Há quanto tempo isto vem acontecendo?

— Desde que eu tinha quatorze anos. Não fique tão chocado! Quantos anos tinha May-may quando você a comprou?

— Isso é diferente.

— É sempre diferente para um homem. — Mary sentou-se à mesa, diante do espelho, e começou a escovar o cabelo. — Brock está negociando secretamente com os espanhóis em Manilha a compra da colheita de açúcar. Ele ofereceu a Carlos de Silvera dez por cento pelo monopólio.

Struan sentiu um assomo de fúria. Se Brock conseguisse fazer funcionar aquele truque com o açúcar, poderia dominar todo o mercado das Filipinas.

— Como você sabe?

— O compradore dele, Sze-tsin, me contou.

— Ele é outro dos seus... clientes?

— Sim.

— Tem mais alguma coisa que queira me contar?

— Você poderá ganhar cem mil taéis de prata com o que eu lhe contei.

— Acabou?

— Sim.

Struan levantou-se.— O que vai fazer?

— Contar a seu irmão. É melhor que você seja mandada de volta para a Inglaterra.

— Deixe-me viver minha própria vida, Tai-Pan. Eu gosto do que eu sou e jamais mudarei. Nenhum europeu, e poucos chineses sabem que eu falo cantonês e mandarim, exceto Horatio e, agora, você. Mas só você conhece meu verdadeiro eu. Prometo que serei muito, muito útil a você.

— Você estará em casa, fora da Ásia.

— A Ásia é a minha casa. — Ela franziu a testa e seus olhos pareceram suavizarse. — Por favor, deixe-me como eu sou. Nada mudou. Há dois dias, nós nos encontramos na rua e você foi gentil e bondoso. Ainda sou a mesma Mary.

— Você não é a mesma. Acha que isto não é nada?

— Somos todos pessoas diferentes, ao mesmo tempo. Este é um dos meus eus, e a outra moça, a doce e inocente virgenzinha, que conversa bobagens e adora a igreja, o cravo, cantar e bordar, também sou eu. Não sei por que, mas é verdade. Você é o Tai-Pan Struan, demônio, contrabandista, príncipe, assassino, marido, fornicador, santo e centenas de outras pessoas. Qual desses é, verdadeiramente, você?

— Não contarei a Horatio. Você pode simplesmente ir embora para casa. Eu lhe darei o dinheiro.

— Tenho dinheiro suficiente para minha própria passagem, Tai-Pan. Ganho muitos presentes. Possuo esta casa e a vizinha. E irei quando decidir, da maneira que decidir. Por favor, deixe que eu tenha o meu próprio pagode, Tai-Pan. Sou quem sou, e nada do que você fizer poderá mudar isso. Antigamente, você poderia ter-me ajudado. Não, isto também não é honesto. Ninguém poderia ter-me ajudado. Gosto do que eu sou. Juro que jamais mudarei. Serei o que sou: secretamente, sem que ninguém saiba, exceto você e eu... ou abertamente. Então por que ferir os outros? Por que ferir Horatio?

Struan observou-a. Sabia que ela estava falando sério.

— Sabe o perigo em que se encontra?

— Sim.

— Vamos dizer que você tenha um filho.

— O perigo dá tempero à vida, Tai-Pan. — Ela o olhou fixamente, com uma sombra nos olhos azuis. — Só uma coisa eu lamento, por ter trazido você aqui. Agora jamais poderei ser sua mulher. Eu teria gostado de tentar ser sua mulher.

Struan abandonou-a ao seu pagode. Tinha direito de viver como lhe agradava, e expô-la à comunidade nada resolveria. Pior, destruiria seu dedicado irmão.

Ele usara sua informação, com um lucro imenso. Por causa de Mary, A Casa Nobre teve monopólio quase total de ópio durante um ano e ganhos que ultrapassaram as despesas de sua parcela do ópio — doze mil caixas — que servira para resgatar a Colônia. E a informação de Mary a respeito de Brock era correta, e Brock foi impedido de executar seu plano. Struan abriu uma conta secreta para Mary na Inglaterra e depositou, nesta conta, uma proporção do lucro. Ela lhe agradecera, mas jamais parecera interessada no dinheiro. De vez em quando, dava-lhe mais informações. Mas jamais quis dizer-lhe como começara sua vida dupla, e nem por quê. Meu Deus do céu, pensara ele, jamais entenderei as pessoas...

E agora, na praia, ele estava imaginando o que Horatio faria quando descobrisse. Era impossível para Mary manter sua segunda vida secreta — com certeza, acabaria cometendo algum erro.

— O que há, Sr. Struan? — disse Horatio.

— Nada, rapaz. Estava apenas pensando.

— Tem algum navio que parta hoje ou amanhã?

— O quê?

— Que vá para Macau — disse Horatio, rindo. — A fim de levar Mary para Macau.

— Ah, sim, Mary. — Struan se recompôs. — Amanhã, provavelmente. Eu lhe informarei, rapaz.

Ele abriu caminho entre os negociantes, dirigindo-se para Robb, que estava de pé perto de uma das mesas, fitando o mar.

— Qual o próximo, Sr. Struan? — bradou Skinner.

— Ah?

— Temos a ilha. Qual o próximo passo da Casa Nobre?

— Construir, naturalmente. Os primeiros a construir serão os primeiros a lucrar, Sr. Skinner. — Struan fez um aceno bem-humorado de cabeça e seguiu adiante. Ficou imaginando o que os outros negociantes — até mesmo Robb — diriam se soubessem que ele era o proprietário do Oriental Times e Skinner seu empregado.

— Não vai comer, Robb?

— Mais tarde, Dirk. Há tempo bastante.

— Quer chá?

— Obrigado.

Cooper aproximou-se, e ergueu seu copo.

— Para a “Extravagância de Struan?”

— Se for, Jeff — disse Struan — todos vocês vão descer pelo cano conosco.

— E vai ser um cano caro, se Struan não tiver nada com isso. — disse Robb.

— A Casa Nobre realmente faz as coisas em alto estilo! Perfeito uísque, conhaque, champanha. E copos de vidro veneziano.

— Cooper bateu no vidro com a unha e a nota produzida era pura. — Lindo.

— Feito em Birmingham. Acabaram de descobrir um novo processo. Uma fábrica já faz mil por semana. Dentro de um ano, haverá dúzias de fábricas. — Struan fez uma pausa, por um momento.

— Entregarei quantos quiser em Boston. Dez centavos americanos por copo. Cooper examinou o copo mais detidamente.

— Dez mil. Seis centavos.

— Dez centavos. Brock lhe cobraria doze.

— Quinze mil a sete centavos.

— Fechado, com uma ordem garantida de trinta mil, pelo mesmo preço, por ano, a partir de hoje e a garantia de que você só importará através de Struan.

— Fechado, se você fretar uma carga de algodão pelo mesmo navio, de Nova Orleans e Liverpool.

— Quantas toneladas?

— Trezentas. Nas condições de costume.

— Fechado, se você trabalhar como nosso agente em Cantão durante esta temporada do chá. Se for necessário. Cooper ficou instantaneamente na defensiva.

— Mas a guerra acabou. Por que você iria precisar de um agente?

— Estamos de acordo?

A mente de Cooper estava fervilhando, como um vespeiro. O Tratado de Chuenpi abria Cantão imediatamente ao comércio. No dia seguinte, eles iam voltar à Colônia em Cantão, para fixar residência outra vez. Iriam assumir o controle de suas feitorias ou hongs, como suas casas de negócios no Oriente eram chamadas — e ficariam na Colônia, como sempre, até maio, quando terminasse a temporada de negócios. Mas A Casa Nobre necessitar de um agente, agora, em Cantão, era uma loucura tão grande como dizer que os Estados Unidos da América precisavam de uma família real.

— Negócio fechado, Jeff?

— Sim. Você está esperando uma nova guerra?

— A vida é sempre problemática, não? Não foi isto que Wolfgang estava tentando dizer?

— Não sei.

— Quando vai ficar pronto seu novo navio? — perguntou Struan, abruptamente. Os olhos de Cooper se estreitaram.

— Como você descobriu a respeito disso? Ninguém sabe, fora da nossa companhia. Robb riu.