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— Corra, para salvar a vida!

Ele arrastou o monge, erguendo-o, e empurrou-o através da estrada, até um pórtico, onde se encontraram em segurança. Luzes apareciam nas casas.

— Por aqui! — sussurrou, e saiu correndo, Abruptamente, mudou de direção, e outro tiro deixou de atingir seu alvo por uma fração de centímetro, enquanto ele alcançava uma ruela segura, com o Padre Sebastião arquejando a seu lado.

— Ainda tem a cinchona? — perguntou Struan.

— Sim. Pelo amor de Deus, o que está acontecendo?

— Assaltantes! — Struan pegou o braço do assustado monge e correu através das profundidades da ruela, saindo no espaço aberto do forte de São Paulo do Monte. Nas sombras do forte, tomou fôlego.

— Onde está a cinchona?

Padre Sebastião ergueu frouxamente a bolsa. O luar banhou o lívido corte de chicote no queixo de Struan e bruxuleou em seus olhos, parecendo torná-lo maior e mais diabólico.

— Quem era? Quem disparava em nós? — perguntou.

— Assaltantes — repetiu Struan.

Sabia que, na verdade, homens de Gorth — ou Gorth — deveriam estar emboscados. Ficou imaginando, por um momento, se Padre Sebastião fora enviado como engodo. Era improvável — o bispo não fada isso, e nem era preciso trazer cinchona. Bom, logo saberei, pensou. E, se for o caso, cortarei algumas gargantas de papistas.

Observou, cansadamente, a escuridão. Tirou sua faca da bota e afrouxou a correia do chicote de ferro em torno do pulso. Quando Padre Sebastião respirava menos pesadamente, foi mostrando o caminho pela ladeira acima, passando pela Igreja de Santo Antônio e descendo o morro por uma rua que ia dar diante do muro da casa de May-may. Havia uma porta, na alta e grossa muralha de granito.

Bateu com força, com a aldrava. Em poucos momentos, Lim espiava através da vigia. A porta se abriu, depressa. Entraram no pátio da frente e a porta foi trancada atrás deles.

— Estamos em segurança, agora — disse Struan. — Lim Din, chá... beber muito, depressa! — fez sinal para que o Padre Sebastião se sentasse e colocou o chicote de ferro sobre a mesa. — Recupere o fôlego, primeiro.

O monge tirou as mãos do crucifixo que agarrava e franziu as sobrancelhas.

— Será que alguém realmente tentava matar-nos?

— Assim me pareceu — disse Struan. Tirou o casaco e olhou para o ombro. A bala queimara a carne.

— Deixe-me dar uma olhada nisso — disse o monge.

— Não é nada. — Struan tornou a vestir o casaco. — Não se preocupe, Padre. Você a tratará, mas a responsabilidade é toda minha. O senhor está bem?

— Sim. — Os lábios do monge estavam secos e tinha ha boca um gosto ruim. — Primeiro, prepararei o chá de cinchona.

— Ótimo. Mas, antes de começarmos, jure pela cruz que jamais falará a ninguém a respeito desta casa, ou do que acontece aqui.

— Isso não é necessário, pode ter certeza. Não há nada que...

— Sim, há! Gosto de minha privacidade! Se não jurar, então eu tratarei dela, por mim mesmo. Parece que sei o mesmo que o senhor a respeito do uso da cinchona. Decida.O monge estava aborrecido com sua falta de conhecimento e desejava desesperadamente curar, em nome de Deus.

— Muito bem, juro pela cruz que meus lábios estão selados.

— Obrigado. — Struan mostrou o caminho até a porta da frente e, dali por um corredor. Ah Sam saiu de seu quarto e fez uma curvatura tímida, puxando mais contra o corpo

o pijama verde. Seu cabelo estava desgrenhado, o rosto ainda inchado de sono. Ela os acompanhou à cozinha, com a lanterna.

A sala para cozinhar era pequena, com uma lareira e um braseiro a carvão, contígua ao repleto jardim posterior à casa. Estava cheia de potes, panelas e chaleiras. Centenas de molhos de ervas e cogumelos secos, vegetais, vísceras, salsichas estavam pendurados nas paredes escurecidas pela fumaça. Sacos de palhinha cheios de arroz entulhavam o chão cheio de manchas de sujeira.

Duas empregadas de cozinha, dopadas pelo sono, encontravam-se meio erguidas em beliches sujos, olhando, tontas, para Struan. Mas quando ele, descuidadamente, varreu da mesa uma confusão de panelas e pratos sujos, a fim de abrir espaço, elas pularam de suas camas e fugiram da casa.

— Chá, senhor? — Ah Sam perguntou, confusa.

Struan abanou a cabeça. Pegou a bolsa de pano, manchada de suor, das mãos do nervoso monge, e abriu-a. A casca era marrom, comum e partida em pequenos pedaços. Cheirou-a, mas não tinha odor algum.

— E agora?

— Precisamos de alguma coisa para ferver o caldo. — Padre Sebastião pegou uma panela mais ou menos limpa.

— Primeiro, quer fazer o favor de lavar as mãos? — Struan apontou para um pequeno barril e o sabão próximo.

— O quê?

— Primeiro, lave as mãos. Por favor. — Struan abaixou-se sobre o barril e ofereceu o sabão. — Não fará nada até lavar as mãos.

— Por que é necessário?

— Não sei. Uma antiga superstição chinesa. Por favor... vá, Padre, por favor.

Enquanto Struan lavava a panela e a colocava sobre a mesa, Ah Sam observava, de olhos brilhantes. Padre Sebastião esfregar as mãos com sabão, passar água e enxugá-las com uma toalha limpa.

Depois, fechou os olhos, uniu as mãos e sussurrou uma prece silenciosa.

— Agora, algo para medir — disse, voltando à terra, e escolhendo, ao acaso, uma xicrinha, encheu-a até a borda com cinchona. Passou a casca para a panela e então, lenta e metodicamente, acrescentou dez medidas iguais de água. Pôs a panela para ferver no braseiro de carvão. — Dez para uma, como começo — disse, com voz rouca. — Esfregou as mãos, nervosamente, dos lados do seu hábito. — Agora, gostaria de ver a paciente. Struan fez sinal a Ah Sam e indicou a panela.

— Não toque!

— Não vou tocar, senhor! — disse Ah Sam. Agora que superara seu susto inicial, por ser acordada de repente, estava começando a gostar de todos esses estranhos procedimentos. — Não vou tocar, senhor, não se incomode!

Struan e o monge saíram da cozinha e foram para o quarto de dormir de May-may. Ah Sam os acompanhou. Uma lanterna espalhava áreas de luz na escuridão. Yin-hsi estava escovando seu

cabelo despenteado diante do espelho. Parou e se curvou, apressadamente. Sua cama, um colchão, estava no chão a um lado da grande cama de dossel de May-may.

May-may tremia de leve, sob o peso dos cobertores.

— Olá, garota. Temos a cinchona — disse Struan, aproximando-se. — Afinal. Tudo está bem, agora!

— Sinto tanto frio, Tai-Pan — ela disse, desamparadamente. — O que você fez com seu rosto?

— Não é nada, garota.

— Você se cortou. — Ela estremeceu, fechou os olhos e caiu outra vez no nevoeiro que começava a engolfá-la. — Está tão frio. Struan virou-se e olhou para o Padre Sebastião. Viu o susto em sua face esticada.

— O que há de errado?

— Nada, nada.

O monge colocou uma pequena ampulheta sobre uma mesa e, ajoelhando-se ao lado da cama, pegou o pulso de May-may e começou a contar suas batidas cardíacas. Como pode uma moça chinesa falar inglês?, perguntou a si mesmo. Será que a outra moça é uma segunda amante? Estarei num harém deste demônio? Ah, Deus, protegei-me, dai-me o poder de Vossa cura e deixai-me ser o Vosso instrumento, esta noite.

O pulso de May-may estava tão lento e fraco que ele teve grande dificuldade em auscultá-lo. Com extrema delicadeza, virou-lhe o rosto e lhe observou os olhos.

— Não tenha medo — disse. — Não há nada para temer. Você está nas mãos de Deus. Preciso olhar seus olhos. Não tenha medo. Você está em Suas mãos.

Indefesa e petrificada, May-may fez como ele lhe disse. Yin-hsi e Ah Sam permaneciam em pé, atrás, e espiavam cheias de apreensão.— O que ele está fazendo? Quem é? — sussurrou Yin-hsi.