— Claro, garota — disse Struan. — Precisa tomar a cinchona durante os próximos quatro dias. Três vezes por dia.
— Mas, Tai-Pan, eu me sinto ótima. Por favor, não é preciso mais.
— Três vezes por dia, May-may. Durante os próximos quatro dias.
— Pelo sangue de Cristo, tem gosto de fezes de passarinho misturadas com vinagre e bílis de cobra.Uma mesa cheia de alimentos foi trazida para o quarto. Yin-hsi serviu-os e, depois, deixou-os sozinhos. May-may apanhou elegantemente alguns camarões fritos.
— O que fez hoje? — perguntou.
— Nada de importante. Mas um problema está resolvido. Gorth está morto.
— Ah? Como? — May-may perguntou e ficou adequadamente surpresa e chocada, quando ele lhe contou as novidades. — Você é muito inteligente, Tai-Pan. Mas seu pagode é fantasticamente bom.
Struan empurrou seu prato, sufocou um bocejo e pensou a respeito de pagode.
— Sim.
— Será que Brock vai ficar terrivelmente zangado?
— A morte de Gorth não foi por minhas mãos. Mesmo se fosse, ele merecia morrer. De certo modo, eu sinto ele ter morrido dessa maneira.
A morte de Gorth e a fuga vão deixar Brock furioso, pensou. É melhor me preparar, com um revólver ou uma faca. Será que ele vem atrás de mim, como um assassino de emboscada? Ou abertamente? Eu me preocuparei com isso amanhã.
— Culum deve voltar logo.
— Por que não vai para a cama? Parece muito cansado. Quando Lo Chum trouxer a notícia, Ah Sam o acordará, hein? Acho que também gostaria de dormir agora.
— Acho que vou dormir, sim, garota. — Struan beijou-a, ternamente, e prendeu-a em seus braços. — Ah, minha garota. Fiquei com tanto medo, por sua causa.
— Obrigada, Tai-Pan. Vá dormir agora, e amanhã eu estarei muito melhor, e você também.
— Tenho de ir a Hong Kong, garota. Logo que possível. Por uns poucos dias. Ela sentiu um aperto no coração.
— Quando irá, Tai-Pan?
— Amanhã, se você estiver bem.
— Pode fazer uma coisa por mim, Tai-Pan?
— Claro.
— Leve-me com você. Não quero... ficar sozinha aqui, enquanto você está lá.
— Você ainda não está suficientemente bem para se mover, e eu preciso ir, garota.
— Ah, mas amanhã eu estarei bem. Prometo. Ficarei na cama, no navio, e podemos permanecer no Resting Cloud, como antes. Por favor.— Serão apenas uns poucos dias,
garota, e seria melhor para você ficar aqui. Muito melhor. Mas May-may se aninhou perto dele, arreliando-o.
— Por favor. Serei muito boa, tomarei todas as xícaras sem criar problemas e ficarei na cama, e ficarei boa, comerei, comerei, comerei, ficarei fantasticamente muito boa. Prometo. Por favor, não me deixe até eu realmente melhorar.
— Bom, durma e decidiremos amanhã. Ela o beijou.
— Nada de decidir amanhã. Se for embora, eu não comerei, não tomarei as xícaras de chá, por Deus! Ouça! — disse ela, imitando as maneiras dele. — Sua velha mãe vai pôr os pés no tombadilho e não se mexerá!
Struan abraçou-a, com força. Minuto a minuto, sentia que ela ficava mais forte. Deus abençoe a cinchona.
— Está bem, mas não iremos amanhã. No dia seguinte, ao amanhecer. Se você estiver suficientemente bem. Se você...
— Ah, obrigada, Tai-Pan. Eu estarei muito bem.
Ele a afastou de si e examinou-a minuciosamente. Sabia que levaria meses para ela recuperar sua antiga beleza. Mas não é só um rosto que torna a pessoa bela, disse a si próprio. É aquilo que se encontra por trás, nos olhos e no coração.
— Ah, garota, você é tão linda. Eu a amo. Ela tocou o nariz dele, com seu dedinho.
— Por que dizer essas coisas à sua velha mãe? — Ela o abraçou com força. — Eu também acho que você é maravilhosamente lindo.
Então ele lhe deu as duas xícaras e ela tapou o nariz e bebeu-as. Ela colocou algumas folhas perfumadas de chá na boca, para tirar o gosto. Ele a ajeitou na cama como se fosse uma criança, beijou-a outra vez e foi para seu quarto.
Tirou a roupa e se deitou, permanecendo cheio de felicidade nos lençóis frescos. O sono veio rapidamente. E enquanto ele dormia, o assassino chinês continuava a ser interrogado. Seus torturadores eram muito pacientes — e muito hábeis na arte de extrair informações.
CAPÍTULO QUARENTA E UM
O China Cloud voltou ao porto de Macau pouco depois do amanhecer. Quando se aproximava de sua amarração, Struan correu pelo desembarcadouro. Seu escaler estava à espera.
— Dirk!
Ele ergueu os olhos, espantado.
— Bom-dia, Liza!
Liza Brock estava lívida e abatida.
— Vou com você.
— Claro. — Struan estendeu a mão para ajudá-la a subir, mas ela recusou-a.
— Largar! — ele ordenou.
Os remadores deram um forte impulso. O dia estava esplêndido e o mar calmo. Struan viu a pequena figura do Capitão Orlov no tombadilho do navio e sabia que estava sendo observado. Bom, ele pensou.
— Vou levar o corpo de Gorth de volta a Hong Kong amanhã — disse Liza. Struan não respondeu. Simplesmente, fez um aceno afirmativo com a cabeça e olhou para seu navio. Quando chegaram ao passadiço, ele deixou Liza subir primeiro ao convés.
— Bom-dia — disse o Capitão Orlov.
— A Srta. Brock está a bordo? — perguntou Struan.
— Sim.
— O senhor... o senhor os casou? Culum e a minha Tess? — perguntou Liza.
— Sim. — Orlov virou-se para Struan. — Você me colocou sob as ordens dele. Ele ordenou que eu os casasse. O capitão é o capitão e esta é sua lei. Eu obedeci às ordens.
— Concordo plenamente — disse Struan, com brandura. — Você não era responsável, exceto em questões de marinharia. Tornei isto claro a Culum. Liza virou-se para Struan, furiosamente.
— Então foi deliberado. Você combinou tudo isso. Sabia que eles iam fugir.
— Não, ele não sabia, Sra. Brock. — Culum saía do passadiço, confiante, porém tenso. — A idéia foi minha. Olá, Tai-Pan. Ordenei a Orlov que nos casasse. A responsabilidade é minha.
— Sim. Vamos para baixo, rapaz.
Liza, com o rosto cinzento, pegou Culum pelo ombro.
— Tem sífilis?
— Claro que não. O que pôs isso em sua cabeça? Acha que eu casaria com Tess, se tivesse?
— Peço a Deus que esteja dizendo a verdade! Onde está Tess?
— Na cabina. Nós... venha para baixo.
— Ela... ela está bem?
— Claro, Sra. Brock!— Este não é o lugar para tratar de assuntos de família — disse Struan. Ele desceu o passadiço e Liza o acompanhou.
— Olá — disse Tess, timidamente, saindo da cabina principal.
— Olá, mamãe.
— Você está bem, amor?
— Ah, sim, ah, sim.
Então mãe e filha se atiraram nos braços uma da outra. Struan fez sinal a Culum para sair da cabina.
— Desculpe, Tai-Pan, mas decidimos que assim era melhor.
— Escute, rapaz. Houve problemas enquanto você estava fora. — Ele contou a Culum a respeito de Gorth. — Não há dúvida de que foi ele. Ele projetou tudo, como nós pensamos.
— Não há nenhuma possibilidade de que, após sete dias... há?
— Não. Mas é melhor ir ao médico de Brock. Isto fará com que Liza se tranqüilize.
— Você tinha razão outra vez. Você me advertiu. Deus do céu, você me advertiu. Por que Gorth faria uma coisa dessas?
— Como podia qualquer homem fazer isso a outro, ele perguntou a si próprio.
— Não sei. Está tudo bem entre você e Tess?
— Ah, sim. Maldito Gorth! Ele estragou tudo. — Ele tirou duas cartas do bolso. — Aqui estão as respostas de Skinner e Gordon.
— Obrigado, rapaz. Não se preocupe...
— Vamos desembarcar — disse Liza, colocando-se com todo seu peso à porta. — Vou levar Tess, e... Culum interceptou-a.
— Não vai levar minha esposa para parte alguma, Sra. Brock. Quanto aos boatos a respeito da sífilis, iremos ao seu médico imediatamente, e resolveremos isso agora mesmo.