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— Ficarei satisfeito ao voltar ao porto esta noite — disse Orlov, contrafeito.

— Sim. Você também está sentindo isso?

— Não sinto nada. Só que ficarei satisfeito ao chegar ao porto esta noite. — Orlov cuspiu a barlavento e substituiu seu naco de fumo. — O mar está tranqüilo, o vento tranqüilo, o céu está limpo... mas, mesmo assim, há alguma coisa horrível preparando-se.

— Tem Sempre alguma coisa em preparo nessas águas.

— Com sua permissão, vamos rizar as velas e mandarei o prumador ir dando as profundidades. Talvez seja apenas um baixio, um maldito rochedo por aí. — Orlov estremeceu e fechou mais seu casaco de marinheiro, embora o dia estivesse quente e o vento calmo.

— Sim. Então o prumador foi mandado para a frente, e mediu as profundidades. E a tripulação subiu pelo cordame e diminuiu a pressão sobre as velas do China Cloud.

No fim da tarde, o navio estava salvo na entrada do canal oeste. A Ilha de Hong Kong encontrava-se a bombordo, o continente a estibordo. Uma viagem perfeita, sem nenhum incidente.

— Talvez nós estejamos apenas ficando velhos — disse Struan, com uma risada curta.

— Quanto mais velho se fica, mais o mar quer levar-nos — disse Orlov, sem rancor, olhando para o oceano, à popa. — Se não fosse pelo meu belo navio, eu me demitia hoje. Struan caminhou para o timão.

— Vou substituir você por um turno, timoneiro. Vá para a frente.

— Sim, sim, senhor. — O timoneiro deixou-os a sós no tombadilho.

— Por que? — Struan perguntou a Orlov.

— Sinto que o mar me observa. Está sempre observando um marinheiro, testando-o. Mas chega um tempo em que o observa de maneira diferente, com ciúme, sim, com ciúme, pois o mar é uma mulher. E perigosa. — Orlov cuspiu por sobre a amurada o naco de fumo e lavou a boca com o chá frio que havia na bolsa de lona perto da bitácula. — Eu não tinha nunca agido como padre e nem casado ninguém, antes. Foi mortalmente estranho... estranho, Olhos Verdes, olhar aqueles dois, tão jovens, ansiosos e confiantes. E ouvi-lo falar igual a você, inchado como um pavão, ele estava. “Por Deus, Orlov, você vai nos casar, por Deus! Sou o capitão do China Cloud, por Deus! Você conhece a lei do Tai-Pan, por Deus!” E ali estava eu, arengando e esbravejando, terrivelmente relutante, de modo a dar a ele prestígio, mas sabendo, o tempo todo, que o velho Olhos Verdes era quem mexia os cordéis. — Orlov deu uma risadinha e olhou para Struan. — Mas agi muito bem e deixei que ele me comandasse... como você queria que eu fosse comandado. Foi como... bom, como meu presente de casamento para o rapaz. Ele lhe contou nosso acordo?

— Não.

— Faça o nosso casamento e você conservará seu navio, por Deus! Se não casar, eu vou tirar você do mar, por Deus!” — Orlov sorriu. — Eu teria casado os dois, de qualquer maneira.

— Eu estava pensando em lhe tirar seu navio, eu mesmo.

O sorriso de Orlov sumiu.

— Hein?

— Estou pensando em reorganizar a companhia... colocar a frota sob o comando de um homem. Gostaria de assumir esse cargo?

— Em terra?

— Claro que em terra. Você pode administrar uma frota do tombadilho de um clíper? Orlov fechou o punho e o estendeu em direção ao rosto de Struan.

— Você é um demônio do inferno! Você me tenta com um poder que vai além dos meus sonhos, para tirar a única coisa que eu amo na terra. Num tombadilho, esqueço quem eu sou. Por Deus, você sabe disso. Em terra, quem sou eu, hein? Stride Orlov, o corcunda!

— Você poderia ser Stride Orlov, tai-pan da mais nobre frota da terra. Eu acho que é trabalho para um homem de verdade. — Os olhos de Struan não se desviaram do rosto do anão.

Orlov deu a volta, foi para a amurada a barlavento e começou a proferir uma torrente de obscenidades em norueguês e russo, que durou minutos. Voltou, pisando forte.

— Quando será isso?

— No fim deste ano. Talvez mais tarde.

— E minha viagem para o norte? À procura de peles? Esqueceu disso?

— Você iria querer cancelá-la, não?

— O que lhe dá o direito de transformar todo mundo em títere? Hein?

— Timoneiro! Venha à popa! — Struan devolveu o timão ao marinheiro, enquanto o China Cloud saía do canal para as águas calmas do porto.

Uma milha mais adiante, estava a saliente península de Kowloon. A terra, de cada lado do navio, era barrenta e árida e se esfarinhava rapidamente. A bombordo, mais ou menos uma milha adiante, estava a rochosa ilha que fora chamada de Ponto Norte e formava um promontório. Além do Ponto Norte, invisível daquela posição, estavam o Vale Feliz, o Cabo Glessing e a pequena parte do porto em uso.

— Norte por noroeste — ordenou Struan.

— Norte por noroeste, senhorrr — ecoou o timoneiro.

— Firme para a frente. — Ele olhou para Orlov por sobre seu ombro. — E então?

— Não tenho escolha. Sei quando você decide alguma coisa. Você não me demitiria sem pensar duas vezes. Mas, há condições.

— Quais?

— Em primeiro lugar, quero o China Cloud. Por seis meses. Quero voltar para casa.

Pela última vez. — Ou sua mulher e filhos voltam com você ou ficam para trás, disse Orlov a si mesmo. Ficarão, e vão cuspir em sua cara, e mandarão você para o inferno e você desperdiçará seis meses de vida de um navio.

— Combinado. Logo que tiver aqui outro clíper, o China Cloud será seu. Você trará de volta uma carga de peles. Qual a outra?

— A outra, Olhos Verdes, é sua lei: quando você está a bordo, é capitão. Quero a mesma coisa.

— Combinado. E a outra?

— Não há “outra”.

— Não discutimos dinheiro.

— O dinheiro que vá para o inferno! Serei tai-pan da frota da Casa Nobre. O que mais pode um homem desejar?

Struan sabia a resposta. May-may. Mas nada disse. Eles apertaram-se as mãos, selando o acordo e, quando o navio estava a um quarto de milha ao largo de Kowloon, Struan ordenou que o China Cloud entrasse numa amura sudoeste-pelo-sul e se encaminhasse diretamente ao porto.

— Todos os homens ao convés! Apresentem-se! Assuma, Capitão. Coloque-se ao lado do Resting Cloud. Nossos passageiros farão o transbordo primeiro. Depois, coloque as âncoras de tempestade.

— Obrigado, Capitão — rosnou Orlov. — É bom estar no porto, por Deus!

Struan observou a terra com seu binóculo. Agora, via as profundezas do Vale Feliz: prédios abandonados, nenhum movimento. Moveu as lentes, ligeiramente, e ajustou o foco, fazendo tornarem-se mais nítidos os locais de construção da nova Cidade da Rainha, em— torno do Cabo Glessing. Os andaimes de sua nova e grande feitoria já estavam erguidos e via cules azafamando-se como formigas: carregando, construindo, cavando. Também já estavam erguidos os andaimes no outeiro onde ordenara que fosse construída a Grande Casa. E via o estreito e esguio corte da estrada que agora serpenteava morro acima.O Tai Ping Shan crescera apreciavelmente. Onde havia algumas poucas centenas de sampanas, indo e vindo do continente, agora havia mil.

Mais navios de guerra e de transporte estavam ancorados, além de mais alguns poucos navios mercantes. Casas, barracos e abrigos temporários alastravam-se pela fita da Estrada da Rainha, que marginava a praia. E toda a faixa da praia próxima à arrebentação pulsava de atividade.

O China Cloud saudou a nau capitania, enquanto contornava o promontório e um canhão disparou em resposta.

— Sinal da nau capitania, senhorrr! — gritou o vigia. Struan e Orlov viraram seus binóculos para as bandeiras, que diziam: “Pede-se ao Capitão para vir a bordo imediatamente.”

— Quer que eu pare junto? — perguntou Orlov.

— Não. Ponha o escaler ao lado, quando estivermos à distância de duas correntes. Você é responsável pelo transbordo de meus passageiros para o Resting Cloud com segurança. Sem olhos de intrusos vendo o que não devem.