— Pode deixar por minha conta. Struan foi para baixo e disse a May-may que a veria logo, e fez com que ela, Ah San e Yin-hsi se preparassem para o transbordo.
Os olhos de Orlov percorreram rapidamente o navio. Um emprego em terra, hein? Bom, veremos. Há muitas léguas para viajar ainda, disse a si mesmo. Que o demônio o leve. Sim, mas eu enfrentaria o próprio demônio por Olhos Verdes — cria de Odin. Ele precisa de um homem como eu. Mas tem razão, novamente. Aquele é um cargo para homem. Esse pensamento o animava muito.
— Fiquem ativos! — rugiu para a tripulação, sabendo que muitos binóculos estariam fixados neles, e manteve a vela a todo pano, avançando, despreocupadamente, em direção à nau capitania. Seu coração cantou com o cordame e, depois, no último minuto, gritou: — Timão a sotavento! — e o navio deu a volta, atirando-se em seguida para a frente, sem fôlego, como um sabujo a perseguir uma ninhada de perdizes.
Baixaram o escaler e Struan desceu pelas cordas. Quando o cúter se afastou, o China Cloud mudou de direção alguns pontos, colocando-se com perfeição ao lado do Resting Cloud.
— Todos os homens para baixo! — ordenou Orlov. — Desocupe o convés, Sr. Cudahy. O nosso e o deles. Estamos baldeando uma carga que não precisa ser contada, por Deus!
***
Struan abriu a porta da cabina principal da nau capitania.
— Por Deus, Dirk! Estamos todos arruinados — disse Longstaff todo agitado, aproximando-se dele a acenar com um exemplar do Oriental Times em seu rosto. — Já viu isso? Arruinados! Arruinados!
Struan pegou o jornal. A manchete, na página editorial interna, era imensa: Ministro de Relações Exteriores Repudia os Comerciantes na China.
— Não, Will! — disse.
— Por tudo que é sagrado, como ousou ele fazer uma coisa tao estúpida, hein? Que louco idiota! O que vamos fazer?
— Deixe-me ler, Will. Então verei de que se trata.
— O idiota do Cunnington repudiou nosso tratado. É disso que se trata. E eu estou demitido! Substituído! Eu! Como ele ousa? Struan ergueu as sobrancelhas e assobiou.
— Não foi informado ainda através de despacho?
— Claro que não! Quem diabo informa o plenipotenciário, hein?
— Quem sabe se não é tudo falso?
— Aquele sujeito, o Skinner, jura que é verdade. É melhor que seja, do contrário eu o processarei, por Deus!
— Quando saiu isso, Will?
— Ontem. Como diabo esse obeso e fedorento peralvilho Skinner pôs suas mãos gordas e sujas num despacho secreto que eu nem sequer recebi ainda? Devia ser chicoteado! — Serviu-se de uma taça de Porto, esvaziou-a e se serviu de outra. — Não dormi um só minuto, a noite passada, preocupado com o nosso futuro na Ásia. Leia isso. Maldito Cunnington!
Enquanto Struan lia, descobriu que começava a ferver. Embora o artigo apresentasse, ostensivamente, os fatos amplos, e documentasse o despacho palavra por palavra, como Cross escrevera para ele, o editorial de Skinner implicava que Cunnington, bem conhecido pela sua maneira imperiosa de tratar as questões estrangeiras, repudiara totalmente não só o próprio tratado, mas toda a experiência da comunidade comercial, e também da Marinha Real e do Exército: “Lord Cunnington, que nunca esteve a leste de Suez, arvora-se em perito para opinar sobre o valor de Hong Kong. Muito provavelmente não sabe se Hong Kong fica ao norte ou ao sul de Macau, a leste ou a oeste de Pequim. Como ousa sugerir que o Almirante de nossa gloriosa frota é um saco de vento e nada sabe sobre marinharia e o valor histórico de maior porto da Ásia? Onde estaríamos nós, sem a Marinha Real? Ou o Exército, ambos igualmente desprestigiados — não, insultados – pela estúpida e equivocada maneira de tratar os nossos assuntos? Sem Hong Kong, onde nossos soldados encontrariam um refúgio, ou ossos navios um santuário? Como ousa esse homem, que está seu posto há demasiado tempo, dizer que, com toda sua experiência, todos os negociantes que, honradamente, investiram seu futuro e sua riqueza em Hong Kong são idiotas? Como ousa sugerir que essas pessoas, cuja vida foi passada na China, para a glória da Inglaterra, nada sabem a respeito dos negócios chineses, do imenso valor de um porto livre, de um empório comercial e uma ilha fortificada... — E o artigo avaliava a ilha e descrevia como, com grande risco para si próprios, os negociantes desenvolveram o Vale Feliz, e como, ao terem de abandoná-lo, destemidamente começaram a nova cidade, para a glória da Grã-Bretanha. Era uma peça magistral de manipulação de notícia.
Struan escondeu seu encanto. Sabia que, se ele — que introduzira a história — podia ser atiçado pelo editorial, outros iriam à violência.
— Estou chocado! Que ele tivesse ousado! Cunnington devia ser destituído!
— É exatamente o que eu penso! — Longstaff esvaziou seu copo outra vez, e bateu o na mesa. — Bom, agora estou demitido. Todo o trabalho, o suor, as conversas, a guerra... tudo por água abaixo, por causa daquele autoritário e precipitado maníaco, que acredita ser o dono do mundo.
— Ele não vai conseguir levar isso a cabo, Will! Temos de fazer algo com ele! Não conseguirá levar isso a cabo!
— Já conseguiu, por Deus! — Longstaff levantou-se e caminhou pela cabina, e Struan sentiu uma ponta de piedade por ele.
— O que vai acontecer? Minha carreira está arruinada... todos estamos arruinados!
— O que você fez com relação a isso, Will?
— Nada. — Longstaff olhou para fora, pelas vigias da cabina.
— Essa maldita ilha é a origem de todos os meus problemas. Esse rochedo do inferno me destruiu. Destruiu a todos nós! — Ele se sentou, soturnamente. — Ontem, quase houve um motim. Uma delegação de comerciantes veio aqui e pediu que eu me recusasse a partir. Outra, comandada por Brock, pediu que eu partisse da Ásia imediatamente, com a frota, e me apresentasse em Londres para pedir o impeachment de Cunnington e, se necessário, bloqueasse o porto de Londres. — Ele apoiou o queixo nas mãos. — Bom, a culpa foi minha. Eu deveria ter seguido minhas instruções ao pé da letra. Mas isso não teria sido certo. Não sou um conquistador sedento de poder, querendo tomar todas as terras. Maldito seja tudo! — Ele ergueu os olhos, o rosto retorcido de humilhação. — O almirante e o general estão encantados, é claro. Quer uma bebida?
— Obrigado. — Struan serviu-se de um conhaque. — Nem tudo está perdido, Will. Pelo contrário. Ao chegar a nosso país, você pode colocar em ação sua influência.
— Hein?
— O que você fez aqui está certo. Você poderá convencer Cunnington, se ele ainda estiver ocupando o cargo. Cara a cara, você estará em posição muito forte. Tem a razão do seu lado. Definitivamente.
— Você já encontrou Cunnington? — perguntou Longstaff, amargamente. — Não se discute com aquele monstro.
— É verdade. Mas eu tenho alguns amigos. Vamos dizer que você tivesse uma chave para provar que estava certo e ele errado?
Os olhos de Longstaff brilharam. Se Struan não se mostrava preocupado com a terrível notícia, nem tudo estava perdido.
— Que chave, meu caro amigo? — perguntou.
Struan saboreava seu conhaque.
— Os diplomatas são permanentes, os governos mudam. Antes de você chegar à Inglaterra, Peel será Primeiro-Ministro.
— Impossível!
— Provável. Digamos que você leve notícias da mais alta importância, provando que Cunnington é um idiota. Como Peel e os Conservadores iriam encarar você?
— Admiravelmente. Puxa vida! Que notícias, Dirk, meu amigo?
Houve uma confusão do lado de fora da porta, e Brock invadiu a sala, embora uma desafortunada sentinela tentasse, inutilmente, detê-lo. Struan ergueu-se, num átimo de segundo, pronto para puxar a faca.
O rosto de Brock estava inchado de ódio.
— Eles estão casados?
— Sim.
— Gorth foi assassinado?
— Sim.
— Quando deverá chegar o White Witch?