— O Sr. Skinner deixou uma mensagem. Gostaria de vê-lo, quando o senhor assim quiser. O Sr. Gordon Chen, também.
— Mande dizer a Skinner que darei uma passada no jornal, esta noite. E a Gordon que eu o encontrarei a bordo do Resting Cloud, às oito horas.
— Sim, senhor. Ah, a propósito, uma outra coisa. Lembra-se de Ramsey? O marinheiro que desertou? Bom, ele viveu nas montanhas todo esse tempo, numa caverna, como um eremita. No Cume. Sobreviveu roubando comida da vila de pesca de Aberdeen. Parece que estuprou várias mulheres e os chineses o amarraram e entregaram às autoridades. Ontem, foi julgado. Cem chicotadas e dois anos de servidão penal.
— Seria preferível que o tivessem enforcado — disse Struan. — Jamais resistirá a dois anos. — As prisões eram armadilhas mortíferas, indescritivelmente brutais.
— Sim. Terrível. Mais uma vez obrigado, senhor. Nossa comunidade apreciará muito seu gesto — disse Vargas. Ele partiu, mas voltou quase no mesmo minuto.
— Com licença, Tai-Pan. Um de seus marinheiros está aí. O chinês, Fong.
— Mande-o entrar.
Fong fez uma silenciosa curvatura, ao chegar.
Struan observou o chinês robusto, cheio de marcas de varíola. Nos três meses em que permanecera a bordo, mudara, de “várias maneiras. Agora, usava com facilidade roupas européias de marinheiro, com o rabicho bem enrolado sob um gorro de tricô. Seu inglês era passável. Um excelente marinheiro. Obediente, fala mansa, rápido no aprender.
— O que está fazendo fora do navio?
— Capitão disse que podia vir para terra, Tai-Pan. Meu turno de vir.
— O que você quer, Fong?
Fong entregou um pedaço de papel amassado. A caligrafia que havia nele era infanticlass="underline" “Aberdeen, em algum lugar, camarada. Oito toques de sino, turno intermediário. Venha só.” Estava assinado: “O pai de Bert e de Fred.”
— Onde conseguiu isso?
— Um cule me parou. E me deu.
— Sabe o que diz?
— Eu leio sim. Não leio fácil. Muito difícil, pode ter certeza. Struan observou o pedaço de papel.
— O céu. Já viu?
— Sim, Tai-Pan.
— O que lhe disse o céu?
Fong sabia que estava sendo testado.
— Tai-fung — ele disse.
— Quanto tempo?
— Não sei. Três dias, quatro dias, mais ou menos. Tai-fung, pode ter certeza. O sol já se encontrava abaixo do horizonte e sua luz morria rapidamente. A praia e os locais de construção estavam pontilhados de lanternas.
O véu que havia sobre o céu se tornara mais espesso. Uma gigantesca lua sangrenta se achava dez graus acima do horizonte límpido.
— Acho que você tem um bom faro, Fong.
— Obrigado, Tai-Pan.
Struan levantou o papel.
— O que o seu faro diz a respeito disso?
— Para não ir sozinho — disse Fong.
CAPÍTULO QUARENTA E TRÊS
Com a chegada da escuridão, o céu começou a se cobrir de nuvens e a unidade intensificou-se. Os negociantes da China, experimentados na leitura do vento e do mar, sabiam que logo começaria a chover. As nuvens anunciavam, simplesmente, as primeiras chuvas da temporada, que aliviariam, por algum tempo, o constante abafamento, e fariam a poeira assentar. Apenas um aguaceiro, se estivessem com pagode. Se o pagode estivesse contra eles, poderia haver uma tempestade. E só o pagode decidiria se a tempestade se transformaria em tufão.
— Estou com calor, Tai-Pan — disse May-may, abanando-se na cama.
— Eu também — disse Struan. — Estava mudando uma camisa amassada e úmida por outra, limpa. — Eu lhe disse que você devia ficar em Macau. Lá é muito mais fresco.
— Talvez, mas então eu não teria o prazer de lhe dizer que estou com calor, que diabo!
— Eu gostava mais de você quando estava doente. Não era atrevida e não vivia com esse vulgar praguejar.
— Ora! — ela bufou. — Não seja mendaz comigo!
— Não seja o que, com você?
— Mendaz Tai-Pan. Não sabe inglês? Enquanto você estava fora o dia inteiro, sem se preocupar com sua pobre velha mãe, eu andava terrivelmente ocupada lendo seu livro de palavras do Dr. Johnson, melhorando minha mente com a língua bárbara. Todo mundo sabe o que é “mendaz”. Quer dizer “mentiroso”. É o que você é, por Deus. — Fez uma expressão amuada, que a tornou ainda mais bonita. — Você não me adora mais!
— Eu me lembro bem de seu traseiro mendaz.
May-may forçou um gemido sofrido.
— Tai-Pan quer ir pra cama com vaca cria, hein, senhor? Ah, pode, sim!
Struan se aproximou da cama e May-may recuou.
— Ora, Tai-Pan, era uma brincadeira. Ele a apertou com força.
— Ah, garota, fique boa, isso é que é importante.
Ela usava uma túnica macia de seda azul, tinha o cabelo penteado com elegância e seu perfume era embriagador.
— Não ouse ir para bordéis, hein?
— Não seja tola.
Ele a beijou e acabou de se vestir. Colocou sua faca na bainha, às suas costas, e o pequeno punhal na bota esquerda, e tornou a amarrar o cabelo, bem arrumado, com uma fita à nuca
— Por que corta seu cabelo, Tai-Pan? Deixe crescer, num rabicho, como fazem as pessoas civilizadas. É muito bonito. Lim Din bateu e entrou.
— Senhor. Está aí o Senhor Chen. Pode?
— Eu o verei na cabina acima.
— Você volta, Tai-Pan?
— Não, garota. Vou desembarcar, em seguida.
— Peça a Gordon para vir ver-me, está bem?
— Sim, garota.
— Onde você vai?
— Vou sair, ora. E é melhor você se comportar, enquanto eu estiver fora. Não voltarei antes da meia-noite. Mas apareço aqui logo que estiver a bordo.
— Ótimo — ela ronronou. — Mas me acorde, se eu estiver dormindo. Sua velha mãe gosta de saber que o filho mendacioso está bem. Ele lhe deu palmadinhas afetuosas e foi para a cabina, no convés acima.
— Olá, Gordon.
Gordon Chen usava um traje longo de seda azul e calças leves de seda. Estava agitado e muito preocupado.
— Boa-noite, Tai-Pan. Seja bem-vindo. Fiquei muito feliz ao saber a respeito da cinchona. Como vai a Sra. T’chung?
— Muito bem, obrigado.
— Sinto muito meus inadequados esforços não terem dado resultado.
— Obrigado por tentar.
Gordon Chen ficou outra vez aborrecido porque tivera de gastar número substancial de taéis na procura, mas seu aborrecimento não era nada comparado com sua ansiedade com relação a Hong Kong. Toda hierarquia das Tríades em Kwangtung estava num tumulto, devido às notícias chegadas da Inglaterra. Fora convocado por Jin-qua e recebera ordens de sondar o Tai-Pan, usar todo o poder dos Tríades e todos os meios necessários — barras de prata, impostos, aumento do comércio — para impedir os bárbaros de sair da ilha e encorajá-los a ficar.
— É um assunto de grave importância, Tai-Pan; senão, eu não me intrometeria. Hong Kong. Aquele editorial. É verdadeiro? Se for, estamos perdidos... arruinados.
— Ouvi dizer que você é o Tai-Pan dos Tríades de Hong Kong.
— O quê?
— Tai-Pan dos Tríades de Hong Kong — repetiu Struan, com brandura, e lhe contou o que dissera o oficial português. — História estúpida, hein?
— Não é estúpida, Tai-Pan, é realmente terrível! Uma mentira chocante! — Se Gordon estivesse sozinho, teria arrancado os cabelos, rasgado as roupas e gritado de raiva.
— Por que os Tríades iriam assassinar Gorth?
— Não sei. Como eu iria saber o que fazem esses anarquistas? Tai-Pan dos Tríades? Eu? Que acusação sórdida!
Minha vida não vale o preço dos excrementos de um cule, ele gritava para si mesmo. Aquele miserável traidor! Como ousou divulgar segredos! Não perca a cabeça. O Tai-Pan dos bárbaros está olhando para você e é melhor dar uma resposta inteligente!
— Simplesmente, não tenho a menor idéia. Deus do céu! Tríades no Tai Ping Shan, debaixo do meu nariz? Terrível.