— Você tem inimigos que pudessem espalhar uma história dessas?
— Devo ter, Tai-Pan. Deus do céu! Fico imaginando se... — os brancos de seus olhos apareceram.
— Se o quê?
— Bom, eu sou... bom, você é meu pai. Será que alguém está tentando atacá-lo, através de mim?
— Talvez seja verdade, Gordon. Talvez você seja o chefe dos Tríades.
— Um anarquista? Eu? Ó deuses, por que me abandonaram? Gastei cinqüenta taéis de incenso e oferendas para mandar dizer preces, ainda a semana passada. Não sou, sem favor, o mais generoso patrocinador dos seus templos? Não fiz, pessoalmente, a doação de três templos e quatro cemitérios, e não tenho em minha lista pessoal de pagamentos uma comitiva de quarenta e três sacerdotes budistas? Por que eu iria me associar a esses criminosos? Com a ajuda dos deuses, estou ficando rico. Não tenho necessidade alguma de roubar e nem de saquear.
— Mas gostaria de afastar os manchus do trono da China?
— Manchus ou chineses, é tudo a mesma coisa para mim, Tai-Pan. Por que iria eu preocupar-me com isso? Nada tem a ver com meus negócios. — Ah, deuses, tapai os ouvidos, por um momento. — Não sou chinês... sou inglês. Acho que a última pessoa em quem confiaria qualquer sociedade secreta chinesa seria eu. Representaria um perigo.
— Talvez. Não sei. Talvez você deva gastar alguns taéis, Gordon. Organize um sistema de espionagem. Descubra quem são esses homens e quais os seus líderes.
— Imediatamente, Tai-Pan.
— Três meses devem bastar para um homem astuto como você apresentar os líderes.
— Seis meses — disse Gordon Chen, automaticamente, tentando desesperadamente pensar numa maneira de sair da armadilha
Teve uma inspiração. Claro. Vamos deixar os bárbaros lidarem com os miseráveis anti-Tríades. Vamos recrutar espiões entre eles e fazer com que montem uma sociedade subsidiária e iniciá-los em falsas cerimônias. Excelente! Então... deixe-me ver. Vamos deixar escapar que o verdadeiro líder da Tríade é... quem? Vou pensar em algum inimigo, quando chegar a ocasião. Depois, nós revelaremos seus nomes aos bárbaros como os verdadeiros Tríades e eles serão decapitados.
— Ah, sim, Tai-Pan, vou começar imediatamente a fazer isso.
— Acho que deve. Porque, de uma forma ou de outra, eu vou esmagar os Tríades.
— E eu farei tudo que puder para ajudá-lo — Gordon disse, com fervor.
Dez cabeças devem satisfazer até a você, Tai-Pan, ele pensou. É pena que Chen Sheng seja da família, senão seria a pessoa perfeita para ser apontada como “líder dos Tríades”. Com algum pagode eu seria o próximo na fila de candidatos a compradore da Casa Nobre. Não se preocupe, Jin-qua ajudará você a encontrar o engodo certo.
— Tai-Pan, vamos falar de coisas mais importantes. E esse editorial? Hong Kong está liquidada? Poderemos perder uma fortuna. Seria desastroso, se perdêssemos a ilha.
— Há alguns pequenos problemas. Mas eles serão resolvidos. Hong Kong é permanente. Esse Governo sairá em breve. Não se preocupe. A Casa Nobre e Hong Kong são a mesma coisa.
A ansiedade de Gordon Chen desapareceu.
— Tem certeza? Esse Cunnington será afastado?
— De uma maneira ou de outra. Sim.
Ele olhou para seu pai com admiração. Ah, pensou ele, até através de um assassinato. Excelente. Ele teria gostado de dizer ao Tai-Pan que eliminara Gorth e, assim, salvara sua vida. Mas isto poderia esperar para uma ocasião mais importante, disse a si próprio, muito encantado.
— Excelente, Tai-Pan. Você me tranqüilizou de uma maneira maravilhosa. Concordo. A Casa Nobre e Hong Kong são a mesma coisa — Se não forem, você está liquidado, pensou. Mas é melhor não tornar a pôr os pés no continente, outra vez. Enquanto estiver circulando essa história sobre as Tríades. Não. Você está comprometido com Hong Kong. É o seu lugar ou o seu túmulo. — Então, será melhor nos expandirmos, apostarmos muito. Trabalharei para tornar Hong Kong muito forte. Ah, sim. Pode confiar em mim! Obrigado, Tai-Pan, por me tranqüilizar.
— A minha Senhora quer dizer-lhe olá. Vá lá embaixo, hein?
— Obrigado. E obrigado por me avisar sobre aquela ridícula, porém perigosa história. — Gordon Chen curvou-se e saiu.
Struan observara seu filho com muito cuidado. Será, ou não? perguntou a si mesmo. A surpresa poderia ter sido verdadeira, e o que ele disse faz muito sentido. Não sei. Mas se Gordon for, então você terá de ser muito esperto para pegá-lo. E aí?
***
Struan encontrou Skinner na sala de impressão do Oriental Times. Era sufocante e barulhenta. Cumprimentou o jornalista pela maneira como apresentara a notícia.
— Não se preocupe, Tai-Pan — disse Skinner. — Haverá uma suíte amanhã. — Entregou a prova tipográfica a Struan. — Ficarei satisfeito quando este maldito verão terminar. — Usava sua habitual sobrecasaca negra de lã e calças de tecido grosso.
Struan leu o artigo. Estava cheio de invectivas, sarcasmo, e enfatizava que todos os negociantes deveriam unir-se para bombardear o Parlamento e destruir Cunnington.
— Acho que isso vai fazer alguns dos rapazes enlouquecerem — disse Struan, com aprovação.
— Ah, espero que sim. — Skinner afastou os braços do corpo, a fim de aliviar a feroz coceira nas axilas.
— Maldito calor! Você arrisca a vida, Tai-Pan, saindo assim à noite — disse. Struan usava apenas uma camisa fina, calças de linho e botas leves.
— Devia experimentar. Suaria menos... e não teria brotoejas.
— Não fale nessa maldita praga. Nada tem a ver com o calor, é uma doença de verão. O homem nasceu para suar.
— Sim, e para ser curioso. Você mencionou algo em sua matéria a respeito de uma estranha cláusula adicional no acordo de Longstaff com o Vice-rei Ching-so. O que era?
— Apenas uma dessas informaçõezinhas esquisitas que um jornalista recolhe. — Skinner enxugou o rosto com um trapo que deixava manchas de tinta, e se sentou num banquinho alto. Contou a Struan a respeito das sementes. — Amoras, camélias, arroz, chá, todo tipo de flores.
Struan ficou pensando, por um momento.
— Sim, é bastante curioso.
— Que eu saiba, Longstaff não é nenhum jardineiro. Talvez fosse idéia de Sinclair... ele tem um pendor para a jardinagem Pelo menos, a irmã tem. — Skinner espiou os cules chineses trabalhando nas impressoras. — Ouvi dizer que ela está bastante doente.
— A moça está se recuperando, tenho a satisfação de informar. O médico disse que foi uma perturbação estomacal.
— Ouvi dizer que Brock foi a bordo da nau capitania esta tarde.
— Sua informação é muito boa.
— Fiquei imaginando se deveria preparar um obituário.
— Algumas vezes não me divirto com seu humor.
O suor escorria pelo queixo de Skinner e caía em sua camisa amarrotada.
— Não era brincadeira, Tai-Pan.
— Prefiro considerar assim — disse Struan, descontraidamente. — É mau pagode falar em obituários. — Espiou a impressora vomitando o jornal do dia seguinte. — Pensei a respeito de Whalen. Longstaff chamou a cidade velha de Cidade da Rainha. Agora, temos uma nova cidade. Quem sabe se Whalen não deveria ter a honra de escolher outro nome.
Skinner deu uma risadinha.
— Isso o envolveria de uma maneira ótima. Que nome decidiu, Tai-Pan?
— Vitória.
— Eu gosto. Vitória, hein? Com uma simples pincelada, Longstaff é apagado. Considere “sugerido”, Tai-Pan. E deixe comigo. Whalen jamais perceberá que a idéia não foi dele... eu garanto. — Skinner cocou a barriga, satisfeito. — Quando o jornal será meu?
— No dia em que Hong Kong for aceita pela Coroa, e o tratado ratificado por ambos os governos. — Struan entregou-lhe um documento. — Está tudo aqui. Com o meu carimbo. Claro, desde que o Oriental Times ainda esteja funcionando, na ocasião.
— Tem alguma dúvida, Tai-Pan? — perguntou Skinner, todo feliz.