Ele enxergava claramente o futuro. Dez anos, disse a si mesmo. Então, eu serei rico. Então, irei para a Inglaterra e me casarei com a filha de um proprietário rural e comprarei uma pequena casa de herdade em Kent e abrirei um jornal em Londres. Sim, Morley, meu velho, pensou, você percorreu um longo caminho a partir das vielas de Limehouse e daquele maldito orfanato e dos tempos em que remexia a sarjeta. Que Deus amaldiçoe aqueles demônios que me deram à luz e me abandonaram.
— Obrigado, Tai-Pan. Não vou falar, não tema.
— A propósito, talvez você goste de uma matéria exclusiva. A cinchona cura a malária do Vale Feliz.
Por um momento, Skinner ficou sem fala.
— Ah, meu Deus, Tai-Pan, isso não é uma matéria... é a imortalidade. —
Finalmente, exclamou: — Exclusiva, você diz? Esta é a maior matéria do mundo! Claro
— acrescentou, astutamente — o gancho para essa matéria é quem, “ele” ou “ela”, foi
curado. -Escreva o que quiser... mas não me envolva, e nem às pessoas próximas a mim.
— Ninguém irá acreditar nisso, a menos que vejam a cura com seus próprios olhos. Os médicos dirão que é tolice.
— Deixe dizerem. Os pacientes deles morrerão. Escreva isso! — Struan declarou, bruscamente. — Eu acredito tanto na história que estou investindo nela, substancialmente. Cooper e eu somos agora sócios no negócio da cinchona. Dentro de seis meses, teremos estoques disponíveis.
— Posso publicar isso?
Struan deu uma curta risada.
— Eu não lhe contaria, se fosse segredo.
***
Na Estrada da Rainha, Struan recebeu um sopro do calor da noite. A lua estava alta e nevoenta, num céu quase completamente nublado. Mas, ainda assim, não havia nenhum nimbo.
Seguiu pela estrada e não parou, até chegar ao ancoradouro. Ali, desviou-se ligeiramente em direção ao interior e desceu uma rua suja e esburacada. Subiu então um pequeno lance de escadas e entrou numa casa.
— Deus do céu — disse a Sra. Fortheringill, com os dentes postiços tornando grotesco seu sorriso. Estava na sala de jantar, ceando: arenques, pão preto e um jarro de cerveja. — Senhoras — gritou, e tocou uma campainha que tinha presa ao cinto. — Não há nada como uma boa brincadeira, numa noite quente, é o que eu sempre digo. — Notou que Struan estava em mangas de camisa— — A idéia é não perder tempo tirando a roupa, Tai-Pan?
— Só vim ver, ah... seu hóspede.
Ela sorriu, com doçura.— Aquele velho malandro já ficou aqui tempo demais. Quatro moças galoparam para dentro da sala. Seus quimonos de lã, enfeitados de plumas, estavam manchados, e elas fediam a perfume misturado com suor antigo. Mal chegavam aos vinte anos — mas tinham o aspecto endurecido, áspero e usado, devido à vida que levavam. Esperavam que Struan escolhesse.
— Nelly está ótima para você, Tai-Pan — disse a Sra. Fortheringill. — Tem dezoito anos, goza de boa saúde e é vigorosa.
— Obrigada, madame — Nelly fez uma mesura e seus seios grande saíram do quimono. Era robusta e loura, com os olhos envelhecidos e baços. — Quer vir comigo, Tai-Pan, amor?
Struan deu um guinéu a cada uma delas e mandou-as embora.
— Onde está o Sr. Quance?
— No segundo andar, aos fundos, à esquerda. O Quarto Azul. — A Sra. Fortheringill espiou-o por sobre os óculos. — Os tempos estão muito difíceis, Tai-Pan. Seu amigo, Sr. Quance, come como um cavalo e xinga de uma maneira terrível. É chocante para as moças. Sua conta está atrasada há muito tempo.
—Onde consegue as moças, hein?
—Um brilho pétreo iluminou os olhos da velha.
— Onde há mercado há sempre senhoras para servir, não é? Na Inglaterra. Algumas na Austrália. Aqui e acolá. Por quê?
— Quanto lhe custa uma delas?
— O negócio é secreto, Tai-Pan. Tem o seu, nós temos o nosso. — Ela fez um sinal com a cabeça, em direção a mesa, e mudou de assunto. — Gostaria de cear? O arenque veio especialmente da Inglaterra. Pelo paquete desta semana.
— Obrigado, mas já comi.
— Quem vai pagar a conta do querido Sr. Quance?
— Quanto é?
— Ele tem as notas. Ouvi dizer que a Sra. Quance está bem zangada.
— Vou discutir as contas com ele.
— Seu crédito jamais estará em questão, Tai-Pan.
— A moça que dormiu com Gorth morreu? — perguntou abruptamente Struan. A velha se tornou, outra vez, um modelo de distinção.
— O quê? Não sei o que quer dizer. Não há casos de mau comportamento em meu estabelecimento!
Struan empunhou a faca e fez a ponta tocar nas fanadas dobras de pele que pediam do pescoço da Sra. Fortheringill.
— Morreu?
— Aqui, não. Levaram-na embora. Pelo amor de Deus, não...— Morreu, ou não?
— Ouvi dizer que sim, mas nada tem a ver comigo...
— Quanto Gorth lhe pagou para manter a boca calada?
— Duzentos guinéus.
— O que aconteceu com a moça?
— Não sei. Esta é a verdade, juro por Deus! Vieram parentes buscá-la. Ele lhes pagou cem guinéus e ficaram satisfeitos. Levaram-na embora. Era apenas uma paga. Struan afastou a faca.
— Talvez vá ter de repetir isso num tribunal.
— O miserável está morto, pelo que ouvi dizer, então não vai ser preciso falar nada, eu acho. E como poderia eu dizei qualquer coisa? Não conheço o nome dela, e pelo que sei não existe nenhum cadáver. Sabe como é, Tai-Pan. Mas jurarei sobre uma Bíblia a Brock, se é isso que quer.
— Obrigado, Sra. Fortheringill.
Ele subiu as escadas até o Quarto Azul. Suas paredes caiadas de branco estavam cinzentas de sujeira e o vento soprava através das rachaduras. Havia um grande espelho, numa das paredes, e cortinas com rufos carmesim cercavam a grande cama de armação. Havia pinturas empilhadas no chão e penduradas nas paredes, o chão estava salpicado de tintas a óleo e aquarela. No centro do quarto, achava-se um cavalete e, espalhados em torno dele, dúzias de potes de tinta e pincéis.
Aristotle Quance roncava na cama. Só seu nariz e barrete de dormir eram visíveis.
Struan pegou um jarro quebrado e atirou-o contra a parede. Explodiu em pequenos fragmentos, mas Quance só se enroscou mais sob as cobertas. Struan pegou um jarro maior e espatifou-o contra a parede.
Quance levantou-se devagarinho e abriu os olhos.
— Deus do céu! O próprio Demônio, minha Virgem Santa! Pulou da cama e abraçou Struan.
— Tai-Pan, meu amado patrono! Eu o idolatro! Quando chegou?
— Tome cuidado! — disse Struan. — acabo de chegar hoje!
— Soube da morte de Gorth.
— Sim.
— Dei graças a Deus. Há três dias, aquele miserável veio aqui e jurou que cortaria minha garganta, se eu contasse alguma coisa sobre a moça.
— Quanto ele lhe deu para não contar?
— Nem um centavo, meu senhor! Diabo, eu só pedi cem.
— Como vão as coisas com você?
— Uma tristeza, meu caro amigo. Ela ainda está aqui, em pessoa. Ah, que Deus me proteja! Então tenho de permanecer metido neste buraco. Não posso me mexer... não ouso. — Quance pulou outra vez para a cama e, pegando um grande bastão, bateu no chão três vezes. — Pedindo o café — explicou. — Não quer me acompanhar? Agora, conte-me todas as suas novidades!
— Você toma o desjejum às nove da noite?
— Ah, meu caro amigo, quando se está num prostíbulo, age-se como uma prostituta!
— Estourou de rir e, depois, agarrou o próprio peito. — Pelo sangue de Cristo, Tai-Pan, estou fraco. Vê diante de você a sombra de um homem... um verdadeiro fantasma do imortal Quance.
Struan sentou-se na cama.
— A Sra. Fortheringill disse alguma coisa a respeito de uma conta. Eu lhe dei um saco de ouro, por Deus!
— Conta?
Quance deu um busca embaixo do travesseiro e tirou um sanduíche meio comido, dois livros, alguns pincéis e várias peças de roupa feminina, e encontrou o papel. Ele o empurrou nas mãos de Struan, sem fôlego.