Tess estava em pé, à porta de sua cabina. Ela sorriu com meiguice e fez uma mesura, mas Brock passou direto e abriu a porta da cabina principal, batendo-a atrás de si.
— Ah, que Deus nos ajude, querido — Tess gritou para Culum.
— Não se preocupe, tudo vai acabar bem. — Culum tentou manter a voz calma, desejando desesperadamente ter uma pistola. Foi até um armeiro, tirou uma malagueta e fez sinal a Tess para entrar na cabina. — Não se preocupe. Ele fez um juramento sagrado. Prometeu.
— Vamos fugir, enquanto podemos — ela implorou.
— Não podemos fugir agora, querida — disse Culum. Não se preocupe. É melhor esclarecer tudo logo. Devemos fazer isso.
— Então, você deixou Tess escapar e aquele patife lhe tampou os olhos, hein? — disse Brock.
— Sim. — disse Liza, tentando conter seu pânico. — Eu estava observando com cuidado e jamais pensei que isso acontecesse, mas aconteceu, e a culpa é minha. Mas estão casados, rapaz, e não adianta nós...
— Quem decide sou eu, por Deus! O que houve com Gorth? Ela lhe contou tudo que sabia.
— Foi Gorth quem desafiou Dirk Struan — disse. Estava aterrorizada, não só por si mesma mas, ainda mais, por Tess e Culum e por seu homem. Se Tyler for atrás de um demônio como aquele, está perdido. — Foi Gorth, Tyler. Ele chamou o Tai-Pan de nomes terríveis. E bateu-lhe com um chicote. Foi em público. Eu disse a Gorth para esperar... para vir buscar você ... mas ele me bateu e saiu.
— O quê?
Ela afastou o cabelo da orelha direita. Estava inchada e negra e dentro havia sangue coagulado.
— Ele ainda me feriu de maneira terrível. — Desabotoou a blusa. Seu peito estava horrivelmente machucado. — Ele fez isto. Seu filho. Era um demônio, e você sabia disso.
— Por Deus, Liza. Se ele... se eu soubesse... é melhor que esteja morto. Mas não por assassinos e não sem honra, por Deus!
Com uma expressão terrível, tirou um caneco de cerveja do barril e Liza agradeceu a Deus por ter tido a previdência de pôr à mão um barrilete novo.
— O médico tem certeza quanto à sífilis? Daquele jovem patife?
— Ele não tem sífilis e não é um patife. É seu genro!
— Sei disso. Que Deus o amaldiçoe!
— Tyler, perdoe os dois. Eu lhe suplico. Ele é um bom rapaz e está terrivelmente apaixonado por Tess e ela está feliz e...
— Cale a boca! — Brock engoliu a cerveja e bateu o caneco na mesa. — Dirk planejou isso tudo. Sei disso. Para me humilhar! Primeiro, ele destruiu meu filho mais velho... e, depois, não me deixou casar minha filha de maneira decente. Maldito Struan! Até isso ele me fez! — Atirou o canecão contra a antepara. — Vamos enterrar Gorth no mar, hoje.
— Tyler, amor — começou Liza. Ela lhe tocou o braço. — Tyler, amor, tem outra coisa. É preciso que seja dita. Você precisa perdoar. Há muita coisa a ser perdoada. A respeito de Nagrek.
— Hein?— Gorth me contou o que você e ele fizeram com Nagrek. Foi terrível... mas ele mereceu. Porque teve relações com Tess. Ele fez isso. Mas Culum não sabe, parece. Então, nossa menina foi salva de um destino terrível.
Os músculos em torno da órbita vazia de Brock começaram a tremer fortemente.
— O que você está dizendo?
— É verdade, Tyler — disse Liza, e então seu tormento irrompeu. — Pelo menos, dê a eles uma chance. Você fez um juramento, diante de Deus. E Deus nos ajudou com relação a Tess. Perdoe os dois. — Ela enterrou a cabeça nos braços e soluçou, convulsivamente.
Os lábios de Brock se mexeram, mas não saiu nenhum som. Ele percorreu o corredor arrastando os pés, e então ficou em pé diante de Culum e de Tess. Viu o terror nos olhos de Tess. Isto o magoou e tornou-o cruel.
— Você preferiu não atender à minha vontade. Três meses eu disse. Mas você...
— Ah, papai, ah, papai...
— Sr. Brock, será que eu posso...
— Cale a boca. Logo terá sua vez de falar! E você, Tess, você preferiu fugir como uma puta qualquer. Muito bem. Vá dizer adeus a sua mãe. E, depois, saia de nossa vida, suma com seu homem.
— Papai, por favor, ouça...
— Vá! Eu quero falar com ele.
— Não vou sair! — Tess gritou, histericamente. Ela pegou a malagueta. — Você não vai tocar nele. Eu lhe mato! Ele lhe arrancou das mãos a malagueta, antes que ela percebesse seus movimentos.
— Saia e desembarque. — Brock observava a si mesmo, como se tudo aquilo fosse um pesadelo; queria perdoar e desejava que ela o abraçasse, mas algum outro eu, malvado, impulsionava-o, e ele não podia resistir. — Saia, por Deus!
— Está bem, querida — disse Culum. — Vá pegar suas malas. Ela saiu da cabina,
aos recuos, e depois correu. Brock fechou a porta, com um chute.
— Jurei dar a você um ancoradouro e porto seguro. Mas foi quando você ia casar direito.
— Ouça, Sr. Brock...
— Ouça você, por Deus, senão o esmago como se fosse um percevejo. — Um fio de saliva escorria pelo canto de sua boca. — Eu combinei com você de maneira justa, de homem para homem, que três meses estava bem. Você concordou. Mas não cumpriu sua palavra. Eu disse: “Seja honesto, rapaz.”
Culum nada disse. Rezou pedindo forças e sabia que estava derrotado. Mas tentaria, por Deus.
— Foi ou não foi?
— Sim.
— Então, acho que estou livre de cumprir o juramento.
— Posso falar, agora?
— Não terminei. Mas, mesmo tendo ludibriado, você está casado. Quer responder a uma pergunta? Diante de Deus? Então estaremos quites.
— Claro. — Culum queria contar a Brock a respeito da sífilis e do bordel e dos motivos para tudo aquilo.
— Diante de Deus?
— Sim. Nada tenho a esconder e... Brock interrompeu-o.
— Seu pai planejou tudo isso? Meteu em sua cabeça a idéia de fugir? Sabendo que isto deixaria Gorth louco? Sabendo que isto deixaria Gorth tão louco a ponto de desafiá-lo em público, para seu pai poder lutar com ele de maneira legal? Você foi para o bordel bêbado, sem saber onde estava, com quem se deitaria? Não precisa responder a isto. Está escrito em seu rosto.
— Sim... mas precisa ouvir. Há uma porção...
— Você tem garantias minhas. Mas vou dizer-lhe claramente. Estou atrás de seu pai. Estou atrás da Casa Nobre. Nunca vou descansar, até estar arruinada. Agora, sua única garantia será Brock e Filhos. Só lá, Culum. Maldito Struan! E, até esse dia, você estará morto para mim. Você e Tess.
Abriu violentamente a porta.
— O senhor não escutou o que eu tinha para dizer! — gritou Culum. — Não é justo!
— Não fale a respeito de “justiça” — disse Brock. — Eu lhe pedi pessoalmente. Três meses! Eu disse: “Seja honesto, rapaz”. Mas você, ainda assim, deixou de cumprir sua palavra. Não tem honra nenhuma a meus olhos, por Deus!
Afastou-se, e Culum ficou a segui-lo com o olhar, sufocado pela angústia, o alívio, a vergonha e o ódio.
— Você não agiu de maneira justa — disse ele, sentindo-se magoado com sua própria voz. Brock apareceu no convés e a tripulação se manteve afastada.
— Pennyworth!
O segundo-imediato parou de supervisionar os trabalhos de recolhimento das vergas e cordame partido e caminhou com dificuldade até onde se encontrava Brock.
— Procure Struan — disse Brock. — Diga a ele que estou a esperá-lo no Vale Feliz. Entre o ancoradouro dele e o meu. — Parou, com o rosto retorcido num sorriso sem alegria. — Não. No outeiro, na Vale Feliz. Sim. O outeiro que seria dele. Diga a ele que estou esperando por ele no outeiro, no Vale Feliz... onde ele queria enfrentar Gorth.
— Sim, senhor. — Pennyworth mordeu o lábio. — Sim, senhor. — E, se você contar isso a qualquer outra pessoa além dele, eu castro você, juro por Deus. — Brock começou a descer o passadiço.