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— Que Deus amaldiçoe suas mentiras! — Brock aproximou-se lentamente de Struan.

— Gorth deu a Culum uma bebida drogada. Com um afrodisíaco. Gorth pagou a um bordel para que ele se deitasse com uma mulher sifilítica. Queria que Culum contraísse sífilis! Aquele seu filho maldito! Entende?

— Mentiroso!

— Mas, graças a Deus, Culum não tem sífilis... só contei para fazer você entender por que eu queria matar Gorth. Culum não tem sífilis. E nem Tess.

— O quê?

— Sim. É a verdade, juro por Deus!

— Demônio! Blasfemo! Jura falso!

Struan negaceou, Brock recuou e assumiu uma ameaçadora posição de ataque. Mas Struan não investiu com a arma. Atravessou a porta aberta da igreja abandonada e ficou em pé, diante do altar.

— Juro diante de Deus que é a verdade!

Ele se virou e perdeu o controle. Todos os ruídos pareceram cessar e o mundo inteiro era Brock e a frenética vontade de matar. Começou a voltar pela nave, lentamente.

— Gorth assassinou uma prostituta em Macau e outra aqui — ele silvou. — Esta é outra verdade. O sangue dele não está em minhas mãos, mas o seu estará.

Brock recuou do pórtico, sem desviar nunca o olhar de Struan. O vento parará de soprar, e ele sabia que isto era estranho, agourento e estranho. Mas não prestou atenção.

— Então você... você tinha motivo — disse Brock. — Eu... retiro o que eu disse. Você tinha motivo, por Deus! — Agora, estava do lado de fora, no gramado, e parou, acossado. — Eu retiro o que disse sobre Gorth, mas isto não significa que nossas contas estejam ajustadas. — Sua raiva de Gorth, de Struan, e de todos aqueles anos fustigava-o e ele só sabia que, agora, tinha de lutar, investir, matar. A fim de continuar vivo.

Então, sentiu outra vez o vento no rosto. Abruptamente, sua mente se desanuviou. Olhou para o continente. Struan perdeu repentinamente o equilíbrio, com a rapidez do movimento de Brock, e

hesitou.— O vento mudou — resmungou Brock.

— Hein? — Struan fez um esforço para se concentrar e recuou, sem confiar em Brock. Então, ambos olharam para o continente chinês, escutando com atenção e provando o vento. Vinha do norte. Lento, mas inequívoco.

— Talvez seja uma ventania — disse Brock, com a voz cheia de mortificação, o coração batendo; toda sua força o abandonara.

— Vindo do norte, não! — disse Struan, sentindo-se igualmente esvaziado. Ah, Deus, por um momento, eu fui um animal. Se o vento não tivesse mudado...

— Tufão!

Olharam para o porto. Os juncos e sampanas corriam em direção à terra.

— Sim — disse Struan. — Mas eu disse a verdade. A respeito de Gorth.

Brock sentiu um gosto de bílis na boca e cuspiu.

— Peço desculpas por Gorth. Sim. Aquilo foi provocado, e ele está morto, o que me dá ainda mais pena.

— Onde foi que eu errei?, perguntou a si mesmo. Onde? — O que foi feito, está feito. Mas eu já lhe disse umas verdades, na Colônia. Sim, eu errei em chamar você hoje, mas já lhe disse umas verdades em Cantão, e não vou mudar. Não vou mudar, e nem você. Mas, no dia em que me aparecer outra vez com uma maça na mão, ninguém vai nos fazer parar. Escolha esse dia, como eu disse antes. Concorda?

Struan se sentia curiosamente fraco.

— Concordo. — Ele recuou, desamarrou seu chicote de ferro e embainhou sua faca,

observando Brock, sem confiar nele. Brock também depôs as armas.

— E você perdoa Culum e Tess?

— Estão mortos para mim, como eu disse. Até Culum fazer parte de Brock e Filhos, e Brock e Filhos ser a Casa Nobre, e eu ser o Tai-Pan da Casa Nobre.

Struan atirou ao chão sua maça e Brock a dele. Ambos os homens partiram depressa do morro, por caminhos diferentes.

CAPÍTULO QUARENTA E SETE

Aquele dia inteiro o vento norte aumentou. Ao cair da noite, a Cidade da Rainha estava preparada como nunca estivera. As janelas trancadas, as portas calçadas e aqueles que haviam tido a previdência de construir porões abençoaram seu pagode. Os que viviam em residências improvisadas ou temporárias procuraram prédios mais sólidos. Mas poucos prédios eram sólidos — exceto no Vale Feliz. E poucos homens estavam dispostos a se arriscar a respirar os gases noturnos, embora tivessem lido no Oriental Times daquele dia a notícia sobre a cura da malária. Naquela ocasião, não existia cinchona disponível.

Todos os navios cerraram as escotilhas e todas as âncoras disponíveis foram lançadas ao fundo. Os navios foram colocados tão distantes quanto possível uns dos outros, a fim de lhes dar o máximo espaço de movimentação, quando o vento mudasse de direção.

Mas alguns diziam que, como o vento soprava constantemente do norte, não havia possibilidade de ser um tufão em início. Ninguém tinha notícia de um tufão que soprasse só do norte. O vento do tufão mudava constantemente de direção.

Até Struan inclinava-se a concordar. Jamais o barômetro estivera tão elevado. E jamais houvera um tufão sem queda do barômetro.

Ao entardecer, chuviscou, com nuvens baixas, e houve um alívio do calor.

Struan considerara cuidadosamente os perigos. Se só tivesse a si mesmo com que se preocupar, teria partido no China Cloud, em direção ao sul, até o vento mudar. Então, tomaria o curso mais seguro e escaparia. Mas algum instinto, que ele não entendia, dizialhe para não se arriscar no mar. Em vez disso, levou May-may, Yin-hsi, Ah Sam e Lim Din para a grande feitoria abandonada no Vale Feliz e colocou-os em seus alojamentos no terceiro andar. Sentiu que a chuva e o vento afastariam os gases noturnos. May-may estaria mais protegida por tijolo e pedra do que no mar, ou num buraco no chão, e isto era o mais importante.

Culum agradecera a Struan a oferta de um abrigo na feitoria, mas dissera que preferia levar Tess para o escritório do mestre do porto. Ficava num prédio baixo, de granito, e Glessing separara espaço para Culum e Tess nos alojamentos que faziam parte do edifício.Struan contara-lhes o que acontecera no outeiro, e que havia sido feita uma espécie de paz. E o dia inteiro, enquanto se preparava contra um tufão que poderia não chegar nunca, ele ficou meditando sobre a violência do homem.

— O que há, Marido? — perguntara May-may.

— Não sei. Brock, eu, o tufão... não sei. Talvez o teto de nuvens esteja baixo demais.

— Eu lhe digo o que está errado. Você pensa demais sobre o que aconteceu... pior ainda, imagina o que poderia ter acontecido. Ah! Que tolice! Seja chinês! Eu lhe ordeno! O que passou, passou. Foi feita a paz com Brock! Não perca tempo assim triste, como uma galinha constipada. Coma alguma coisa, beba um pouco de chá e faça amor com Yin-hsi.

Ela riu e chamou Yin-hsi, que veio às pressas pelo grande aposento, sentou-se à cama e lhe segurou a mão.

— Olhe para ela, por Deus! Já conversei um bocado com ela. Ele sorriu e se sentiu melhor.

— Assim é melhor — disse ela. — Penso em você o tempo todo, não se preocupe. Yin-hsi está sozinha, no quarto vizinho. Espera, atenta a noite inteira.

— Pare com isso, garota. — Ele deu uma risadinha e May-may falou rapidamente em chinês com Yin-hsi. Yin-hsi ficou toda atenta e depois, bateu palmas, extasiada, e sorriu radiante para Struan, saindo em seguida.

— O que você disse, May-may? — ele perguntou, cheio de suspeita.

— Eu disse a ela como você faz amor. E como deixar você fantasticamente excitado. E para não ter medo quando você gritar, no final.

— Vá para o inferno! Será que não posso ter nada particular?

— Tai-tai sabe o que é melhor para seu menino zangado. Yin-hsi está esperando você, agora.

— O quê?

— Yin-hsi. Eu disse a ela para se preparar. O amor à noitinha é bem agradável, pode ter certeza. Já se esqueceu? Struan grunhiu e caminhou para a porta.

— Muito obrigado, mas estou ocupado.

Desceu as escadas e, de repente, descobriu que se sentia muito melhor. Sim, era tolice preocupar-se com o passado. E, outra vez, abençoou seu pagode por ter May-may.