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CAPÍTULO QUARENTA E OITO

Struan corria o mais rápido que podia. Alguns cules chineses que trabalhavam em liteiras corriam para o Tai Ping Shan, e alguns poucos europeus extraviados procuravam abrigo, às pressas. Através da chuva, Struan via a lorcha da Marinha à sua frente, no porto, encaminhando-se velozmente para o Vale Feliz, com muitas rizes nas velas. O mar agitado estava de um opaco verde acinzentado. A linha escura de um pé-de-vento percorreu o porto com incrível velocidade; sua beirada apanhou a lorcha, rasgou-lhe a vela principal e fê-la adernar. Struan concentrou suas energias e foi envolvido pelo vento. Demorou apenas uns poucos segundos, mas ele sentiu o açoite cego da chuva e quase foi derrubado. Quando conseguiu abrir os olhos, fitou o mar. Surpreendentemente, a lorcha ainda flutuava, e seguia em frente com dificuldade, — restando-lhe uma mezena, com o convés lavado e os farrapos da vela principal arrastados atrás.

Mais uma vez, Struan começou a correr. Chegou a seu desembarcadouro, no Vale Feliz, exatamente a tempo de ver os vagalhões de brancas cristas apanharem a lorcha e atirarem-na contra a estacaria. Um marinheiro pulou da amurada, com a amarra dianteira, mas escorregou e caiu entre o cais e o navio. Suas mãos agarraram a beirada do cais, e ele gritou quando o navio bateu no desembarcadouro, cortando-o ao meio. Quando o mar puxou outra vez o navio, o marinheiro desaparecera.

Struan gritou para os assustados marinheiros no convés e correu em frente. Um dos marinheiros atirou-lhe a corda e ele amarrou-a depressa em torno de um pilar. Outro, com risco de vida, pulou e conseguiu pisar a salvo no cais, com a amarra da popa.

O mar subia, e a lorcha e as estacas do cais rangiam. Então, a lorcha foi afinal amarrada e os homens começaram a pular em terra.

— Vão para a feitoria!

Struan lhes fez sinal para segui-lo, e correu para a porta da frente. Abriu-a com um empurrão, enquanto o vento o impelia. A tripulação de oito homens entrou correndo, a rogar pragas e bendizer sua sorte.

Struan tirou suas roupas ensopadas e, depois, notou Horatio e Monsey.— Meu Deus, o que está fazendo aqui, Horatio? Olá, Sr. Monsey!

— Jamais pensei que veríamos terra outra vez — ofegou Monsey.

Horatio encostou-se numa parede, com o peito arquejante e vomitou.

A porta se abriu e, num torvelinho de vento e chuva, o capitão — um jovem tenente— entrou zangado, sacudindo-se como um cão. Struan foi até lá e bateu a porta.

— Meu Deus do céu! — disse o homem, a Struan. — Viu o céu?

— Que diabo estavam fazendo no mar, num dia desses? Não tiveram bom senso suficiente para usar os olhos em Macau?

— Sim, por Deus! Mas recebi ordens de vir a Hong Kong, então vim para Hong Kong. Estamos nas mãos de um maníaco!

— Hein?

— Aquele maldito Capitão-Superintendente do Comércio, Sir Clyde Malfadado Whalen, por Deus! Aquele estúpido patife irlandês quase faz meu navio afundar com toda a tripulação. Eu disse a ele que o tempo estava ruim e ele só olhou para o céu e declarou: “Há tempo mais do que suficiente para chegar lá. Ordeno que parta!” Graças a Deus existe Hong Kong.

— Como está o mar, lá fora?

— Mais uma hora e jamais teríamos chegado. Vagas de vinte ou trinta pés. E aquele maldito vento! Não muda de rumo e não recua... é impossível! É um tufão, ou não? Como isso é possível?

— Porque a tempestade segue para leste daqui e estamos bem em seu caminho, rapaz!

— Ah, que Deus nos proteja!

— Fiquem à vontade. Vou pegar um pouco de chá e grogue para todos.

— Obrigado — disse o jovem. — Desculpe a explosão. Struan atravessou a sala, aproximando-se de Monsey e de Horatio.

— Consegue subir as escadas e ir para cima, Sr. Monsey?

— Sim. Obrigado, Tai-Pan. É muito gentil.

— Ajude-me com Horatio.

— Claro. Não sei o que deu no pobre rapaz. Está murmurando coisas sem nexo, desde que saímos de Macau. É muito esquisito.

— É medo — disse Struan.

Ajudaram Horatio a tirar o casaco encharcado. Seu rosto estava acinzentado e opaco, agora, e ele estava dominado pela náusea. Juntos, quase o carregaram pelas escadas acima e colocaram-no no sofá na ala oeste das instalações, parte que antes pertencia a Robb.

Struan aproximou-se do aparador e serviu doses de conhaque. Monsey pegou uma, com as mãos trêmulas, e esvaziou o cálice. Aceitou nova dose.

— Obrigado. Caminhou pelo corredor até o patamar e lá virou, tomando o corredor da ala leste. Sua suíte ocupava a extremidade sul deste pavimento.

May-may, Yin-hsi e Lim Din jogavam mah-jong numa pequena mesa, na vastidão da sala de estar. Havia lanternas acesas e as chamas dançavam alegremente.

— Olá, Tai-Pan — disse May-may. Ela pegou outra das pedras de bambu e marfim e atirou-a, com uma praga. — Ah, que dia terrível, Tai-Pan! — disse. — Meu pagode está horrível. Não ganhei um só jogo. Perdi quatrocentas, e estamos jogando há horas. Que horror, que horror, que horror! Mas estou satisfeita de ver você, não se preocupe.

A chuva castigava as persianas e o vento aumentava. — Maldito barulho! Pode me emprestar alguns taéis? Estou arruinada!

— Descontarei de sua mesada. Volte para seu jogo, garota. — Struan sorriu. — Temos companhia lá embaixo e por toda parte, então não saiam.

— Para que sair?

Ele voltou aos alojamentos de Robb.

Monsey parecia melhor. Tirara suas roupas ensopadas e se enrolara num cobertor. Horatio dormia, inquieto.

— Deus nos salvou desta vez, Tai-Pan — disse Monsey.

— Por que diabo partiram de Macau? Parece que procuravam mesmo problemas. Deviam ter visto o tempo.

— Negócios oficiais, Tai-Pan — zombou Monsey. — Sua Excelência Imperial Whalen chegou de fragata a noite passada. Ele me ordenou a vir a Hong Kong com um despacho oficial para o ex-plenipotenciário. Com este tempo, veja só! Como se um ou dois dias fossem fazer alguma diferença! Não tive coragem de lhe contar que a “grande notícia” já fora publicada no jornal.

— Como é ele?

— Eu diria que é bastante exasperante. Chegou a Macau cerca de meia-noite, numa fragata, sem se fazer anunciar. Dentro de quatro minutos, fui convocado para ir a bordo. Ele apresentou suas credenciais, deu-me para ler o despacho do Ministro de Relações Exteriores... palavra por palavra como estava na matéria de Skinner; como esses malditos jornalistas conseguem documentos secretos? E me ordenou para partir ao amanhecer, a fim de entregar imediatamente o despacho a Longstaff. Disse que chegaria imediatamente a Hong Kong, que Longstaff deveria partir na mesma hora. E que eu deveria procurar o almirante e o general e lhes dizer que tudo deveria estar pronto para uma imediata partida para o norte. — Monsey afundou numa cadeira. — Um irlandês. O que mais posso dizer?

— Por que ele não veio diretamente para cá?

— Não se pode ter dois plenipotenciários aqui, de uma só vez... é nitidamente contra os regulamentos, Sr. Struan. Existe uma coisa chamada protocolo, graças aos céus. Tenho de assumir imediatamente o cargo de Longstaff. Logo que ele sair do porto, devo informar o fato a Sua Excelência. Então, ele chegará.

Uma rajada de vento atingiu as persianas, fazendo-as estalejarem

— Maldito seja aquele homem. Quase me matou. As coisas vão ferver na Ásia, com ele no comando. A primeira coisa que disse, foi: “Aquele rochedo amaldiçoado pode afundar, que pouco estou ligando.” Puxa vida! Se não se importa, vou dormir um pouco. Não me sinto bem.

Horatio começou a gemer de novo e, depois, vomitou.

— Dê a ele um pouco mais de conhaque — disse Struan. — Há um quarto de dormir vizinho. Desceu para ver como ia a tripulação da lorcha. Eles já haviam encontrado provisões e bebida. Os que não estavam bebendo ou comendo, dormiam ou tentavam dormir.

O barômetro registrava 29.1, ainda caindo.

— Meu bom Deus, isto significa mais do que três décimos de polegada por hora —

disse o jovem tenente. Era alto e louro. — A propósito, Sr. Struan, sou o Tenente Vasserly-Smythe, R.N. Struan apertou. a mão que ele lhe estendia.

— Obrigado por nos dar abrigo.

Uma janela ao norte abriu-se com violência e a chuva e o vento jorraram para dentro do saguão. Três dos marinheiros bateram a janela e tornaram a fechar as persianas.

— Acho que vou dar uma olhada em meu navio — disse o tenente.

— É melhor vir por este caminho. — Struan conduziu-o por um corredor até uma janela lateral bem reforçada por persianas, e localizada num ponto protegido contra o vento norte. Abriu-a, com cuidado, e olhou para fora.

Viu que o China Cloud e o Resting Cloud estavam bem ancorados. A lorcha do tenente erguia-se e caía, com as ondas rangendo e se raspando contra a estacaria, e a leste não havia horizonte. Apenas escuridão. E a escuridão descia sobre eles.

— Seu navio nunca esteve tão seguro, Tenente.

— Sim. — O jovem deu uma última olhada assustada no céu, a leste, e trancou as persianas. — É o primeiro navio que eu comando. Só estou nessas águas há alguns meses. O que acontece quando vem um tufão?

— Os Ventos Supremos lançam-se contra nós.

— Que ventos são esses?

— Pés-de-vento. Rajadas. Algumas vezes são chamados os Ventos Diabólicos.