O barômetro registrava 29.1, ainda caindo.
— Meu bom Deus, isto significa mais do que três décimos de polegada por hora —
disse o jovem tenente. Era alto e louro. — A propósito, Sr. Struan, sou o Tenente Vasserly-Smythe, R.N. Struan apertou. a mão que ele lhe estendia.
— Obrigado por nos dar abrigo.
Uma janela ao norte abriu-se com violência e a chuva e o vento jorraram para dentro do saguão. Três dos marinheiros bateram a janela e tornaram a fechar as persianas.
— Acho que vou dar uma olhada em meu navio — disse o tenente.
— É melhor vir por este caminho. — Struan conduziu-o por um corredor até uma janela lateral bem reforçada por persianas, e localizada num ponto protegido contra o vento norte. Abriu-a, com cuidado, e olhou para fora.
Viu que o China Cloud e o Resting Cloud estavam bem ancorados. A lorcha do tenente erguia-se e caía, com as ondas rangendo e se raspando contra a estacaria, e a leste não havia horizonte. Apenas escuridão. E a escuridão descia sobre eles.
— Seu navio nunca esteve tão seguro, Tenente.
— Sim. — O jovem deu uma última olhada assustada no céu, a leste, e trancou as persianas. — É o primeiro navio que eu comando. Só estou nessas águas há alguns meses. O que acontece quando vem um tufão?
— Os Ventos Supremos lançam-se contra nós.
— Que ventos são esses?
— Pés-de-vento. Rajadas. Algumas vezes são chamados os Ventos Diabólicos.
CAPÍTULO QUARENTA E NOVE
O primeiro dos Ventos Supremos varreu o porto uma hora mais tarde e pegou em cheio o Resting Cloud. Suas amarras se romperam e o navio ficou à deriva, sem proteção, em meio à escuridão. Mauss, numa das cabinas, ergueu os olhos de sua Bíblia e agradeceu a Deus por suas graças e por Hung Hsiu-ch’uan. A rajada fez o Resting Cloud adernar, e Mauss foi atirado contra a antepara, ficando inconsciente, enquanto o navio era arrastado para a praia, quase virando. Em seu caminho, estava o Boston Princess, da Cooper Tillman. Os dois navios colidiram, violentamente, e o gurupés do Resting Cloud arrancou parte das instalações superiores da outra embarcação, antes de se quebrar, e então a embarcação adernou, com a proa em direção à praia. A tempestade atirou-o na cidade flutuante das sampanas, afundando dezenas dos barquinhos, e a fez encalhar. Centenas de chineses afogaram-se, e os que ainda estavam a salvo, nas sampanas, agacharam-se sob seus frágeis abrigos de bambu. Mas o próximo Vento Supremo arrancou os abrigos, e muitas famílias foram engolfadas.
***
A bordo do Boston Princess, Jeff Cooper arrastou-se na cabina principal e ajudou Shevaun a se levantar. O vento aumentou de violência e castigou o navio, mas as amarras resistiram.
— Você está bem? — gritou Cooper por sobre o tumulto.
— Acho que sim. Ah, que Deus nos acuda!
— Fique aí!
Cooper abriu a porta da cabina e lutou para chegar ao convés, cercado por um pandemônio. Mas o vento e a chuva horizontal empurraram-no para baixo. Ele desceu três conveses e seguiu por um corredor que dava no porão. Espiou em torno, com uma lanterna. Onde o Resting Cloud batera, o madeirame estava esmagado e as soldaduras começavam a se desprender. Cooper voltou até onde se encontrava Shevaun.
— Está tudo bem — mentiu ele. — Basta que nossas amarras resistam.
***
Um Vento Supremo alcançou o Cabo Glessing e arrancou o pau da bandeira, atirando-o como um dardo no escritório do mestre do porto.
O pau da bandeira atravessou a parede de granito e decepou o braço de Glessing à altura do cotovelo. E continuou abrindo caminho até o outro lado do edifício, atirando Culum para um lado e fazendo caírem tijolos, destroços e carvões acesos sobre Tess, antes de, afinal, parar.
A chuva e o vento gemiam através das paredes quebradas e o vestido de Tess se incendiou. Culum ergueu-se com esforço e apagou o fogo, batendo-lhe com as mãos.
Quando acabou, ele segurou Tess em seus braços. Ela estava inconsciente. Tinha o rosto branco e o cabelo parcialmente chamuscado. Ele arrancou-lhe o vestido e examinoua cuidadosamente. Havia queimadura em suas costas.
Culum ouviu gritos. Virando-se, viu Glessing, com o sangue a jorrar do coto. E, do outro lado da sala, enxergou o braço decepado. Culum levantou-se, mas suas pernas não lhe obedeceram.
— Faça alguma coisa, Culum! — ele gritou, no meio do vento.
Os músculos, afinal, atenderam, e ele agarrou uma adriça do mastro da bandeira e atou um torniquete em torno do coto, fazendo parar a hemorragia. Tentou decidir o que deveria fazer em seguida e, então, lembrou-se do que seu pai fizera, quando Zergeyev fora atingido por um disparo.
— Limpe o ferimento — disse, alto. — É o que você precisa fazer. Depois, cauterize-o. Apanhou a chaleira. Havia ainda água dentro, de modo que ele se ajoelhou ao lado de Glessing e começou a molhar o coto.
— Resina, amigo velho — murmurou, com a agonia de Glessing a lhe cortar o coração.Tess gemeu, ao recuperar a consciência. Ergueu-se vacilante, com o vento agitando papéis, bandeiras e poeira, quase a cegá-la. Seus olhos se desanuviaram e ela gritou.
Culum virou-se, em pânico, e viu-a olhando para o braço decepado.
— Ajude-me! Procure as tenazes da lareira! — ele gritou, em meio ao ruído
provocado pela tempestade. Ela abanou a cabeça e recuou histericamente, muito enjoada.
— Pegue as malditas tenazes! — gritou Culum, com as mãos em fogo. — Mais tarde você fica enjoada!
Tess forçou-se a ficar ereta, chocada pela virulência na voz de Culum. Começou a procurar as tenazes.
— Pelo amor de Deus, apresse-se!
Ela as encontrou e, como se aquilo fosse um pesadelo, entregou-as a Culum.
Culum pejou um carvão aceso com as tenazes e segurou-o de encontro ao coto.
Glessing gritou e desmaiou outra vez. O fedor de carne queimada era arrasador. Culum lutou contra sua náusea até o coto estar completamente cauterizado. Então, virou a cabeça e vomitou violentamente.
***
Brock ergueu os olhos do barômetro, com todo o navio vibrando e o madeirame gemendo.
— 28.2 polegada, Liza! Nunca esteve tão baixo! Liza agarrou Lillibet e tentou conter o seu medo.
— Fico imaginando onde estará Tess. Que Deus a proteja!
— Sim — disse Brock.
Então, houve um grito da madeira e todo navio adernou, mas corrigiu sua posição.
— Vou para o convés!
— Fique aqui! Pelo amor de Deus, não se arrisque — mas ela parou, porque ele já fora embora.
— Quando isso vai passar, mamãe? — soluçou Lillibet.
— Daqui a pouco, amor.
Brock enfiou a cabeça, cautelosamente, para fora do passadiço do tombadilho, a sotavento. Ergueu o pescoço para olhar os mastros. Estavam quebrados como raminhos. Houve um ruído monstruoso quando se partiu o mastro principal.
— Agüentem aí! — gritou Brock para baixo do passadiço. — Guarda da proa ao convés!
Um Vento Supremo irrompeu do norte e outra adriça se partiu, e mais outra, e o mastro principal caiu até quase sobre o convés e bateu na mezena e ambos os mastros, vergas e cordame tombaram sobre o convés, destruindo o passadiço do tombadilho. O White Witch adernou terrivelmente.
Brock abriu caminho em meio aos destroços e injuriou a tripulação petrificada.
— Para o convés, patifes! Lutem pelas suas vidas! Cortem os mastros quebrados, do contrário estaremos perdidos!
Exortou os homens no convés e, agarrando-se com uma das mãos, o vento a empurrá-lo e a chuva a cegá-lo, brandiu freneticamente um machado contra as adriças, lembrando-se do outro tufão, que lhe custara um olho, e rezando para conservar o outro e para que Tess estivesse salva e Liza e Lillibet não se afogassem.
***
Os andaimes da nova cidade há muito haviam sido arrancados, quando um dos Ventos Supremos varreu a praia, derrubando o que restava das tendas dos soldados e destruindo o cais. Arrasou as tavernas, bares e prostíbulos perto das docas e destroçou o estabelecimento da Sra. Fortheringill, pulverizando a pintura e sepultando Aristotle Quance no entulho. Depois, direto como uma flecha, ceifou casebres do Tai Ping Shan, liquidando centenas de famílias, e lançou restos dos destroços a uma milha de distância, no seio do Cume.