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Aconteceu ao largo da Ilha Chushan. Chushan ficava logo ao sul do grande porto de Xangai, perto da embocadura do grande Rio Yang-tsé. Brock atravessara a monção com uma grande carga de ópio — e Dirk Struan vinha atrás dele, com um atraso de alguns dias, também carregando ópio. Brock chegou a Chushan primeiro, vendeu sua carga e começou a voltar, satisfeito por saber que agora Struan teria de ir mais para o norte, e tentar chegar a outro ponto da costa, com novos riscos. Brock seguiu velozmente em direção ao sul, onde morava — em Macau — com os cofres cheios de barras de ouro, o vento soprando favoravelmente. Mas, então, uma grande tempestade se formou sobre os mares da China. Os chineses chamavam essas tempestades de tai-fung, os ventos supremos. Os negociantes as designavam tufões. Eram o próprio terror.

O tufão castigou impiedosamente o navio de Brock e ele ficou preso entre os mastros e vergas caídos. Uma adriça cortada, impelida pelo vento, açoitara-o, enquanto ele se encontrava sem movimentos. Seus homens cortaram o madeirame, soltando-o, mas, antes, a corda partida, com um aro na ponta, vazou-lhe o olho esquerdo. O navio ficou inclinado sobre o costado, com perigo de naufragar, e ele os ajudou a cortar o cordame e os mastros que estavam ao sabor das ondas. Quase por milagre, a embarcação retomou o prumo. Então, ele derramou conhaque na órbita sangrenta; ainda se lembrava da dor.

E se recordava de como se arrastara até o porto, muito tempo depois de ter sido dado como perdido, com seu belo clíper de três mastros reduzido a um mero casco, as soldaduras soltas, sem mastros, sem canhões e nem cordame. E, quando Brock conseguiu substituir a mastreação, os cabos e as torres de amarração, bem como as armas e a pólvora, as balas e os homens, e comprara outra carga de ópio, todos os lucros daquela viagem já haviam desaparecido.

Struan fora atingido pelo mesmo tufão numa pequena lorcha — embarcação com casco chinês e cordame inglês, usada para fazer contrabando costeiro, em ocasiões de bom tempo. Mas Struan saíra da tempestade e, elegante e intocado como de hábito, já estava no cais para cumprimentar Brock, com seus estranhos olhos verdes zombando dele.

Dirk e seu maldito pagode, pensou Brock. Com esse pagode, Dirk transformara aquela única lorcha fedorenta numa frota de clíperes e centenas de lorchas, em armazéns e barras de ouro para entesourar. Na amaldiçoada Casa Nobre. E o pagode empurrou Brock e Filhos para o amaldiçoado segundo lugar. Segundo. E, ele pensou, o pagode o fez cair nas boas graças de nosso amaldiçoado e cagão plenipotenciário, o Ilustre Amaldiçoado Longstaff, todos esses anos. E agora, juntos, eles nos traíram. Hong Kong que se dane, e Struan também!

— Se não fosse o plano de Struan, vocês jamais teriam ganho essa guerra tão facilmente — disse Cooper.

A guerra começara em Cantão dois anos antes, quando o imperador chinês, decidido a controlar os europeus, tentara eliminar o contrabando de ópio, essencial ao comércio britânico. O Vice-Rei Ling cercou de tropas o núcleo dos estrangeiros em Cantão e pediu que fossem entregues todas as caixas de ópio existentes na Ásia, como resgate para as vidas dos indefesos negociantes ingleses. Finalmente, foram entregues e destruídas vinte mil caixas de ópio e os britânicos tiveram permissão para se refugiar em Macau. Mas os ingleses não poderiam aceitar interferências assim em seu comércio, ou ameaças a pessoas de sua nacionalidade. Seis meses depois, a Força Expedicionária Britânica chegara ao Oriente e fora colocada, ostensivamente, sob o comando de Longstaff, o Capitão-Superintendente do Comércio.

Mas foi Struan quem concebeu o inspirado plano de se desviarem de Cantão, onde

o problema todo tinha começado, e enviarem, em vez disso, a força expedicionária ao norte, a Chushan. Seria simples tomar esta ilha sem perdas, teorizara Struan, porque os chineses não tinham preparo e nem defesa para enfrentar qualquer exército ou frota moderna européia. Deixando uma pequena força de resistência em Chushan, e alguns poucos navios bloqueando o Yang-tsé, a força expedicionária poderia navegar para o norte, até a boca do Rio Pei Ho, e ameaçar Pequim, a capital da China, que ficava a apenas uma centena de milhas rio acima. Struan sabia que só uma ameaça assim tão direta faria o imperador pedir paz imediatamente. Uma idéia soberba. E funcionara de maneira brilhante. A força expedicionária chegara ao Oriente em junho passado. Em julho, Chushan tinha sido tomada. Em agosto, a frota já estava fundeada no Pei Ho. Duas semanas mais tarde, o imperador enviava um oficial para negociar a paz — a primeira vez, na história, que qualquer imperador chinês reconhecia oficialmente uma nação européia. E a guerra terminara quase sem perdas de ambas as partes.

— Longstaff foi muito sábio ao seguir o plano — disse Cooper.

— Qualquer negociante na China saberia como fazer os chineses se ajoelharem — disse Brock, com a voz rouca. Ele empurrou mais para trás, sobre a testa, a sua cartola, e afrouxou a venda do olho. — Mas por que Longstaff e Struan concordaram em negociar lá em Cantão, hein? Qualquer tolo perceberia que “negociar” para o chinês quer dizer ganhar tempo. Deveríamos ter ficado no norte, no Pei Ho, até a paz ser firmada. Mas não, fizemos a frota voltar e, durante os últimos seis meses, estamos esperando interminavelmente que os patifes assinem alguma coisa. — Brock cuspiu. — Uma estupidez, uma louca estupidez. E toda essa perda de tempo e dinheiro por causa desta merda de rochedo. Deveríamos ter ficado com Chushan. Aquela ilha valia a pena. — Chushan tinha vinte milhas de comprimento e dez de largura e sua terra era fértil e rica com um bom porto e uma grande cidade, Ginghai. — Ali tem espaço para um homem respirar de verdade. Ora, de lá três ou quatro fragatas podem bloquear o Yang-tsé num abrir e fechar de olhos E quem controla aquele rio controla o coração da China. Pelo amor de Deus, é onde devíamos nos estabelecer.

— O senhor ainda tem Chushan, Sr. Brock.

— Sim. Mas não está citada no amaldiçoado tratado e, então não vai ser nossa. — Ele bateu os pés no chão, para aquecê-los, pois o vento ia ficando cada vez mais frio.

— Talvez devesse falar disso a Longstaff — disse Cooper. — Ele é sensível a conselhos.

— Não aos meus, aposto. Como sabe muito bem. Mas eu lhe digo, quando o Parlamento souber desse tratado, vai ser preciso pagar um dinheirão, pode ter certeza. Cooper acendeu um charuto.

— Estou inclinado a concordar. É um espantoso pedaço de papel, Sr. Brock. Para os nossos tempos. Quando toda potência européia está louca por terra e poderes.

— E os Estados Unidos não, quer dizer? — O rosto de Brock se endureceu. — E os índios? A compra de Louisiana? Da Flórida espanhola? Vocês têm andado de olho no México e no Alasca russo. Segundo as últimas notícias, até tentaram roubar o Canadá. Hein?

— O Canadá é americano, não inglês. Não vamos fazer uma guerra no Canadá. Eles se juntarão a nós por vontade própria — disse Cooper, escondendo seu aborrecimento.

Ele puxou com força as suíças e envolveu mais apertadamente os ombros com seu casaco de marinheiro, para se proteger do vento, que esfriava mais ainda. Sabia que a guerra com o Império Britânico seria desastrosa naquela ocasião e arruinaria Cooper-Tillman. Malditas guerras. Ainda assim, tinha certeza de que os Estados Unidos precisariam ir fazer a guerra no México e no Canadá, a menos que fosse assinado um acordo. Exatamente como a Grã-Bretanha precisara guerrear com a China.

— Não haverá guerra — disse Tillman, tentando diplomaticamente acalmar Cooper.

Ele suspirou, e desejou estar de volta ao Alabama. Lá, um homem pode ser um cavalheiro, pensou. Lá, não é preciso lidar todo dia com os amaldiçoados ingleses, ou com gente da ralé, blasfemos e desbocados como Brock, ou um demônio em forma de homem, feito Struan, ou até com um jovem impetuoso, e sócio importante, como Jefferson Cooper, que tinha Boston como o centro do mundo.