— Farei tudo, tudo, senhor. Aqui. Posso pagar. Não quero nada por nada. Aqui, senhor. O mestre-d’armas aproximava-se, pela praia.
— Norden! — gritou ele, zangado. — Você vai levar cinqüenta chicotadas por sair do alinhamento, por Deus!
— Seu nome é Norden?
— Sim, senhor. Bert Norden. Por favor. Só quero o remédio. Ajude-me, senhor. Aqui. Fique com o dinheiro. É todo seu, e haverá mais. Em nome de Jesus Cristo, ajudeme!
— Norden! — gritou o mestre-d’armas, a cem metros de distância, vermelho de raiva. — Pelo sangue de Deus, venha cá, seu filho da mãe!
— Por favor, senhor — dizia Norden, com crescente desespero — ouvi dizer que foi curado pelos pagãos. O senhor comprou o remédio aos pagãos!
— Você ouviu uma mentira. Não há remédio chinês, que eu saiba. Nenhum remédio. Nenhum. É melhor você voltar para seu navio.
— Claro que há remédio! — Norden gritou. Ele puxou sua baioneta. — Me diga onde conseguir, ou então vou abrir sua barriga a faca! O mestre-d’armas começou a correr horrorizado.
— Norden! Algumas pessoas na praia viraram-se, espantadas: Cooper, Horatio e um outro. Começaram a correr em direção a eles.
Então, a cabeça de Norden estalou e, balbuciando e espumando, ele se atirou contra Struan e dirigiu-lhe uma perversa cutilada, mas Struan deu um passo para o lado e esperou-o sem medo, sabendo que poderia matar Norden no momento que quisesse.
Pareceu a Norden que ele estava cercado de demônios gigantescos, todos com o mesmo rosto, mas não podia jamais tocar nenhum deles. Sentiu o ar explodir para fora de seus pulmões e a praia bateu-lhe no rosto, enquanto ele parecia suspenso numa agonia indolor. Depois, foi a escuridão.
O mestre-d’armas virou Norden de frente e tornou a lhe dar um soco. Agarrou Norden e sacudiu-o, como se fosse uma boneca de trapos, atirando-o em seguida outra vez ao chão.
— Que diabo aconteceu com ele? — perguntou, levantando-se, com o rosto turvo de raiva. — O senhor está bem, Sr. Struan?
— Sim.Cooper, Horatio e alguns dos negociantes aproximaram-se às carreiras.
— O que aconteceu?
Struan, cuidadosamente, virou Norden com o pé.
— O pobre louco apanhou a doença com mulheres.
— Cristo! — disse o mestre-d’armas, nauseado.
— É melhor se afastar dele, Tai-Pan — disse Cooper. — Se respirar seu fluxo poderá pegar a doença.
— O pobre louco pensou que eu tinha contraído a doença e me curara. Em nome de Deus, se eu soubesse a cura para isso, eu seria o homem mais rico da terra.
— Vou mandar pôr esse patife a ferros, Sr. Struan — disse o mestre-d’armas. — O Capitão Glessing vai fazer ele desejar nunca ter nascido.
— Basta arranjar uma pá — disse Struan. — Ele está morto. Cooper rompeu o silêncio.
— Primeiro dia, primeiro sangue. Mau pagode.
— De acordo com o costume chinês, não — disse Horatio, distraidamente, sentindo-se mal. — Agora seu fantasma vai velar este lugar.
— Seja bom ou mau agouro — disse Struan — o pobre rapaz está morto. Ninguém lhe deu resposta.
— Que Deus tenha piedade de sua alma — disse Struan.
Depois virou-se e seguiu pela linha da arrebentação em direção a oeste, para o espinhaço de montanha que descia do alto da serraria e quase tocava o mar. Ele estava cheio de pressentimentos, enquanto bebia o ar limpo e bom, e sentia o cheiro penetrante da espuma do mar. Mau pagode, disse a si mesmo. Muito mau.
Ao se aproximar do espinhaço, sua premonição se intensificou e quando, afinal, chegou ao vale onde decidira que a cidade seria construída, sentiu pela terceira vez um imenso ódio rodeando-o.
— Bom Deus — disse alto. — O que há comigo?
Jamais sentira antes um terror tão grande. Tentando mantê-lo sob controle, enviesou os olhos em direção ao outeiro onde ficaria a Grande Casa e, abruptamente, percebeu por que a ilha era hostil. Riu alto.
— Se eu fosse você, ilha, eu odiaria a mim, também. Você odeia o plano! Bom, eu lhe digo, ilha, o plano é bom, por Deus! Bom, está ouvindo? A China precisa do mundo e
o mundo precisa da China. E você é a chave para abrir os portões da China e sabe disso, e eu sei disso, e é o que eu vou fazer, e você vai ajudar!
Pare com isso, disse ele a si próprio. Você está agindo como um louco. Sim, e todos pensariam que você está louco, se lhes dissesse que sua intenção secreta não é apenas a de ficar rico com o comércio e ir embora. Mas usar as riquezas e o poder para abrir a China ao mundo e, particularmente, à cultura britânica e à lei britânica, de modo que cada um possa aprender com o outro e crescer, em benefício de ambos. Sim. É o sonho de um louco.
Mas ele tinha certeza de que a China possuía algo especial para oferecer ao mundo. O que, ele não sabia. Um dia, talvez fosse descobrir.
— E nós temos algo especial para oferecer também — Struan continuou, em voz alta — se você quiser receber. E se a oferta não for conspurcada na entrega. Você é solo britânico, seja isto bom ou ruim. Nós a trataremos com carinho e a transformaremos no centro da Ásia... que é o mundo. Empenho a Casa Nobre no plano. Se virar as costas para nós, será o que é agora. . . um insignificante pontinho árido, formado por um inútil rochedo estéril ... e você morrerá. E, finalmente, se a Casa Nobre algum dia virar as costas para você... pode destruí-la com a minha bênção.
Ele escalou o outeiro e, desembainhando seu punhal, cortou dois longos ramos. Partiu um deles ao meio, encravou-o ao chão e com o outro formou uma cruz tosca. Banhou a cruz com conhaque e ateou-lhe fogo.
Aqueles que, na armada, podiam ver o vale e notaram a fumaça e as chamas, pegaram seus óculos de alcance e viram a cruz em chamas e o Tai-Pan a seu lado, e estremeceram, supersticiosamente, a imaginar que feitiçaria ele estaria fazendo. Os escoceses sabiam que a queima de uma cruz era uma convocação do clã e de todos os parentes, de todos os clãs aparentados: um chamado para todos se reunirem diante da cruz, e partirem em combate.
E a cruz em chamas só era erguida pelo chefe do clã. Segundo a lei antiga, uma vez erguida, a cruz em chamas comprometia o clã a defender a terra até à extinção do clã.
CAPÍTULO DOIS
— Bem-vindo a bordo, Robb — disse o Capitão Issac Perry. — Quer chá?
— Obrigado Isaac — Robb sentou-se, bem reclinado, aprazivelmente, na funda poltrona de couro, sentindo seu travoso perfume, e esperou. Ninguém conseguia apressar Perry, nem mesmo o Tai-Pan.
Perry despejou o chá em xícaras de porcelana.
Era magro, mas incrivelmente forte. Seu cabelo tinha a cor do cânhamo envelhecido, marrom com fios de prata e negro. Sua barba era grisalha e o rosto marcado de cicatrizes, e cheirava a cânhamo alcatroado e espuma salgada.
— A viagem foi boa? — perguntou Robb.
— Excelente.
Robb estava feliz, como sempre, por se encontrar na cabine principal. Era grande e luxuosa, como todos os alojamentos. As instalações, no navio inteiro, eram de latão, cobre e mogno, e as velas de tela de melhor qualidade, com cordas sempre novas. Canhões perfeitos. A melhor pólvora. A política do Tai-Pan, em toda sua frota, era dar aos oficiais
— e homens — os melhores alojamentos e comida de qualidade superior, além de uma parcela nos lucros, havendo ainda, sempre um médico a bordo. E os açoites eram proibidos. Havia apenas um castigo para a covardia ou a desobediência, tanto para oficiais como para marinheiros: serem obrigados a desembarcar no primeiro porto e jamais receberem uma segunda chance. Então os marinheiros e oficiais lutavam para fazer parte da frota, e jamais havia um lugar vago.