Lim Din fez sinal para dentro e mostrou-lhe o cofre na antepara do quarto de Struan.
— Isto?
— E a chave?
— Chave não tem. Tai-Pan tem, pode ter certeza.
Onde ele guardaria a chave?, Culum perguntou a si mesmo, desesperado. Em suas roupas! Em suas roupas, claro! Vou ter de... Será que Vargas não terá uma duplicata? Ah, Deus do céu, ajude-me. Haverá... haverá um funeral; com esquife. Onde eu, e... e aquela moça, a moça chinesa? Será que pode ser enterrada com ele? Não, não seria direito. Será que ele tem filhos com ela? Ele não disse que tinha? Onde estarão eles? Nas ruínas? Pense, Culum! Acorde, pelo amor de Deus! E os navios? E dinheiro? Será que ele deixou um testamento? Esqueça isso, não tem importância agora... nada disso. Precisa achar os documentos secretos. O que Longstaff disse? Mapas e um documento russo?
Brock entrou sem ser notado na cabina. Viu o medo e o desamparo na fisionomia do jovem, e as manchas de sangue em suas mãos e no rosto.
— Bom-dia, rapaz — disse, gentilmente. — Vim, logo que soube. Sinto muito, rapaz, não se preocupe. Eu vou fazer tudo para você.
— Ah, obrigado, Sr. Brock — disse Culum, obviamente aliviado. — É apenas que eu... — Ele se sentou, fraco.
— Tess disse que, sem você, ela estaria morta, e Glessing também. Foi um mau pagode o que aconteceu com seu pai, mas não se preocupe. Fui à residência, rapaz, e tomei todas as providências adequadas. Ordenei a Orlov para colocar o Leão e o Dragão a meio-mastro e vou colocar em ordem o Resting Cloud sem demora. Você recupere o fôlego. Vou tomar conta de tudo.
— Ah, obrigado, Sr. Brock. Viu a chave? Eu preciso pegar... — Culum estava quase explicando a respeito dos documentos, mas lembrou-se do que Longstaff dissera a respeito de traição e se deteve em tempo. — Só pensei — ele disse, gaguejando
— Bom, acho que preciso dar uma olhada nos papéis dele.
— Não examinei os seus bolsos — disse Brock, com voz fria.
— Só o deitei ajeitado e coloquei a mulher em outro lugar, escondido. Ah, Dirk, disse a si mesmo, jamais vou esquecer como você estava, e a pagã. Juntos. Mas, por sua própria causa, e por causa das crianças, você será enterrado sozinho, como cristão.
— Fiz alguns acertos relativos a ela, com discrição.
— Sim, claro — disse Culum.
— Vamos fazer uma fusão, Culum. Brocks e Struans. Será o melhor para todos. A Casa Nobre será Brock-Struan. Vou ajeitar os papéis imediatamente para que tudo fique legalizado. — Sim, ele disse a si mesmo. Não vou esfregar esse pagode em sua cara, Dirk, mas eu sou o Tai-Pan, agora. Afinal. Culum será o seguinte, se for suficientemente bom, depois de Morgan e Tom. — Tudo está esquecido entre você, Tess e eu. rapaz. É melhor ir para bordo do White Witch. Tess precisa ser confortada.
— Sim. Está bem, Sr. Brock. Obrigado. Mas... bom, se não se incomoda, gostaria de... voltar à residência, primeiro.
— Vá para bordo ao anoitecer — Brock saiu.
Culum enxugou o rosto com as mãos. É melhor. Fazer uma fusão. Você sempre disse que faria. Recomponha-se, Culum. Vá pegar a chave!
— Senhor? — Lim Din fez-lhe sinal para segui-lo e levou-o a outra cabina. Mauss jazia no chão. Estava feio, morto. — Pagode. Não se preocupe — disse Lim Din, e riu, nervosamente.
Culum saiu às cegas do navio, com o coração doendo, e atravessou as vigias de pranchas da cidade das sampanas, até se aproximar do Cabo Glessing. Caminhou pela Estrada da Rainha, abrindo caminho entre destroços e pertences quebrados, murmurando incoerentes agradecimentos às muitas pessoas que dele se aproximavam oferecendo-lhe sua simpatia. Tinha apenas um pensamento, em sua mente despedaçada: você precisa examinar-lhe os bolsos.
— Culum!
Em sua perturbação, viu Cooper, com Shevaun a seu lado, num grupo de negociantes perto do hotel. Gostaria de prosseguir, mas eles se aproximaram.
— Acabamos de saber, Culum. Sinto muitíssimo — disse Cooper. — Há alguma coisa que eu possa fazer para ajudar? Foi um pagode terrível.
— Sim — disse Shevaun, com o rosto muito machucado e as roupas em frangalhos.
— Terrível. Acabamos de voltar de Kowloon. Acho simplesmente horrível, tão injusto.
— Eu... eu... bom... sinto muito, não posso falar agora. Preciso... preciso... Observaram-no afastar-se às pressas.— Pobre rapaz — disse Cooper.
— Ele parece louco de susto.
— Não é de estranhar. Depois do que aconteceu com o Tai-Pan e com Glessing.
— Ele vai ficar bom? Glessing?
— Não sei. Espero que sim. — Cooper olhou para o porto. Viu os destroços do Boston Princess e agradeceu a Deus outra vez por estarem salvos. — Se fosse ele, eu estaria da mesma maneira.
Aquele pobre rapaz vai precisar de toda ajuda que lhe puder ser oferecida, disse Cooper a si mesmo. Graças a Deus, o Tai-Pan viveu tempo suficiente para me dar os papéis. Eu fico imaginando se ele teve uma premonição. Não. Com certeza não. E Culum? O que vai fazer? Está desamparado como um bebê. Talvez eu devesse tomar conta dele — devo isto ao Tai-Pan, e mais ainda. Temos juntos, agora, o negócio da cinchona. Vamos cancelar os dois outros diretores, ficaremos só Culum e eu. Por que não juntar forças? Fundir totalmente as companhias? A nova Casa Nobre — Cooper-Struan. Não! Struan-Cooper. Você será justo com Culum. Ele será o próximo. Há gigantescas possibilidades numa fusão, claro. Mas será melhor agir depressa, senão Brock vai colocar
o rapaz a seus pés. Tai-Pan da Casa Nobre. O Tai-Pan. Por que não?
— Por que você está sorrindo? — perguntou Shevaun.
— Um pensamento que me ocorreu — ele disse, e deu-lhe o braço. Você foi muito inteligente, Dirk, meu amigo. Em ambas as jogadas. Sim. Vai me custar um ano para consolidar. — Estou tão satisfeito por termos sobrevivido. Vamos para o desembarcadouro. Precisamos ver se Zergeyev está bem. Escute, Shevaun, decidi mandar você para a América por um ano, no próximo navio.
— O quê? — disse Shevaun, e parou.
— Sim. No final desse período, se você decidir que me ama e quer casar comigo, serei o mais feliz dos homens. Não, não diga nada — Cooper acrescentou, quando ela começou a falar. — Deixe-me terminar. Se você decidir em contrário, então tem sua liberdade e minha bênção. De qualquer maneira, não comprarei os interesses de Tillman. Seu pai receberá, durante toda sua vida...
Shevaun virou-se e os dois começaram a caminhar outra vez, de braços dados, enquanto ele continuava a falar. Mas ela não estava escutando, agora. Um ano, exultava, escondendo sua alegria Livre por um ano. Livre deste maldito lugar! E papai ainda terá suas ações! Ah, Deus, Vós atendestes às minhas orações. Obrigada, obrigada, obrigada. Pobre Dirk, meu amor. Agora eu estou livre e agora você está morto.Olhou para o bergantim russo. Sim, pensou, o Tai-Pan está morto. Mas você está livre, e o arquiduque seria uma escolha perfeita.
— Desculpe, Jeff. O que você disse?
— Só que quero entregar alguns documentos particulares a seu pai.
— Claro, meu caro. E muito obrigada, muito obrigada. O ano passará depressa.
***
Gordon Chen curvou-se diante de Buda, no templo em ruínas, e acendeu um último bastão de incenso. Chorara por seu pai e por May-may.
Mas agora não é hora de chorar, disse a si mesmo. Pagode é pagode. Agora é hora de pensar.
A Casa Nobre está morta.
Culum não tem a força para levá-la adiante. Brock irá dominá-lo e fundirá as companhias. Não posso cuidar de Brock. Se Culum se unir a Brock, Culum estará liquidado. Então, de nenhuma das duas maneiras, ele poderá ajudar-me. Será que posso ajudá-lo? Sim. Mas não com os bárbaros, e não posso ajudá-lo a ser o Tai-Pan. Isto é uma coisa que só o próprio homem consegue para si mesmo.
A fumaça do incenso fazia delicados anéis no ar e ele a observava, satisfeito com seu perfume.
Só meu pai sabia do nosso acordo. Eu tenho o loque de prata e, no devido tempo, ele se transformará em cinqüenta, cem loques. Sou o chinês mais rico de Hong Kong. E o mais poderoso. O Tai-Pan dos chineses.