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Tenho de ser honesto... não sou chinês, e nem inglês. Mas estou contente com meu pagode, e sou mais chinês do que inglês. Casarei com uma chinesa e também meus filhos e os filhos de meus filhos, podem ter certeza.

Hong Kong? Vou ajudar a ilha a se tornar mais forte. Detive os saqueadores, hoje. A força de trabalho será ampla e obediente, no futuro.

Acredito no que o meu pai disse: o governo britânico cairá. Tem de cair. Ah, deuses, peço que caia, para o futuro da China! Vocês são chineses... pensem na China. Vou financiar o maior templo do sul da China... bom, pelo menos, um templo adequado para a sede da Tríade e para o Tai Ping Shan: logo que o governo cair e Hong Kong for absolutamente britânica.

Ele se ajoelhou, tocou o chão com a cabeça, diante da estátua, para confirmar a barganha. Sim, só papai sabe como iríamos ficar ricos. Mesmo assim, metade será de Culum. Todos os meses, eu lhe prestarei contas e dividiremos tudo de maneira justa, enquanto ele cumprir a parte de papai na barganha: que eu controle tudo e me sejam feitas poucas, ou nenhuma, perguntas; e tudo em particular... só entre nós dois.

Vá procurá-lo, agora. Preste suas homenagens.

É uma pena que Culum tenha casado com a filha de Brock, Isto será sua derrocada. Pena que ele não tenha tido a força de prosseguir sozinho. Queria que eu e ele pudéssemos trocar de lugar. Eu mostraria aos bárbaros como dirigir a Casa Nobre. E ao imperador, diga-se de passagem. Se Culum tivesse pelo menos alguma força e estivesse preparado para ouvir conselhos, Chen Sheng e eu poderíamos manter acuados Brock e todos os outros chacais.

Bom, não tem importância. Darei a meu pai e a sua Tai-tai um funeral que se transformará em legenda por cem anos. Mandarei fazer para ele uma tabuleta, e outra para sua Tai-tai, e prantearei durante cem dias. Depois, queimarei as tabuletas, para que renasçam em paz.

Vou mandar buscar Duncan e o bebê e os criarei eu próprio. E iniciarei uma dinastia.

***

Quase anoitecia. Culum estava sentado nos degraus da igreja abandonada, no outeiro do Vale Feliz, com a cabeça apoiada nas mãos. Estava com os olhos perdidos na distância. Você precisa pegar a chave, dizia a si próprio, repetidas vezes. Não há nada a temer. Precisa pegar a chave e, depois, os documentos. Vamos, Culum.

Superara o pânico, agora. Mas estava consumido pelo desgosto consigo mesmo — e pela solidão. Olhava para a residência, lá embaixo. Vargas e Orlov estavam ainda em pé à porta. Lembrou-se vagamente de ter chegado ao vale, há horas, e vendo-os ali afastara-se, para evitá-los, e depois gritara: “Deixem-me sozinho”, quando vieram atrás dele. Notou que Gordon Chen estava com eles, agora. Gordon não se encontrava lá, antes, lembrou a si mesmo. O que ele quer? Zombar? Ter pena de mim, como os outros? Longstaff... Brock... Cooper... Shevaun... Skinner... Vargas... Orlov. Até mesmo Tess. Sim, eu vi isso no seu rosto quando paramos na Estrada da Rainha. Até o seu. E você tem razão. Está certa.

O que eu faço? O que posso fazer? Não sou meu pai. Eu disse a ele que não sou. Fui honesto com ele. Pegue a chave. Pegue a chave e pegue os papéis. Você precisa entregar os papes. Longstaff ordenou-lhe para ir a bordo. Já está quase na hora. Ah, meu Deus! Ah, meu Deus!

Observou as sombras se alongarem.

Devo contar a Brock a respeito das moedas de Jin-qua? A respeito das restantes três metades de moedas, e dos três favores, e do juramento sagrado, e do Lótus Cloud. Eu preciso. Ah, Deus, e Wu Kwok? E os aprendizes de capitão chineses, e os meninos que estão sob a tutela de papai? Brock não cumpriria meu juramento, eu sei que não. Não me importo. Que diferença faz?

— Olá. — Ah, olá, Sr. Quance. — Culum olhou de soslaio, atoleimado, para as sombras. — Por favor, deixe-me sozinho. Por favor.

Todos os membros de Aristotle Quance doíam. Há apenas uma hora ele fora desenterrado dos escombros. Seu cabelo e o rosto estavam cheios de sangue coagulado e poeira, e tinha as roupas rasgadas.

— Sinto tanto — disse ele. — Foi o pagode. Só pagode.

— Detesto essa palavra. Por favor, por favor, deixe-me sozinho.

Quance viu o desamparo, a agonia e o ódio por si mesmo no rosto vagamente parecido com aquele que ele conhecia tão bem. Lembrou-se da primeira vez em que vira Struan. Numa viela obscura em Macau, caído, inconsciente, na sujeira. Tão desamparado, exatamente assim, disse a si mesmo. Não, não exatamente, jamais da mesma maneira. Dirk era como um deus, mesmo caído na lama. Ah, Dirk, você sempre teve o rosto de um deus e o poder de um deus — acordado ou dormindo. Sim, e até mesmo morto, sou capaz de apostar. Prestígio. Era o que você tinha.

Tão diferente de seu filho.

Sim, mas não tão diferente. Culum enfrentou-o, com relação ao outeiro. E ficou com você, contra Brock. E apertou a mão de Gordon Chen, diante de você. E fugiu com a moça, sem ligar para as conseqüências. E salvou a vida de Glessing. A centelha está aí.

Lembra-se do que você disse, quando recuperou a consciência? “Não sei quem são, mas obrigado por me devolverem o prestígio.”

Você nunca perdeu o seu, Dirk, meu amigo.

“Sim. Mas devolva a meu filho o dele.”

Não é o que você diria, se estivesse aqui? Estará aqui? Sinto falta de você, rapaz.Aristotle Quance esqueceu sua própria tristeza e se sentou no degrau, ao lado de Culum.

— Sei que não é hora de falar nisso, Tai-Pan, mas será que você poderia emprestarme quatrocentos e cinqüenta guinéus?

— O quê? O que você disse?

— Poderia emprestar-me quatrocentos e cinqüenta guinéus, Tai-Pan? Sei que é um momento terrível, mas aquela velha feiticeira, a Fortheringill, está viva... nenhum tufão ousaria tocá-la, por Deus! E ameaça colocar-me na prisão por dívidas. Não tenho a quem recorrer, a não ser você.

— Você disse “Tai-Pan”. Você me chamou de “Tai-Pan”.

— E você não é?

Então, Culum lembrou-se do que seu pai dissera. A respeito da alegria e da dor de ser Tai-Pan; a respeito de ser homem; de se cuidar sozinho; a respeito da vida e seu combate.

Sua solidão desapareceu. Olhou para os três homens lá embaixo. Sua ansiedade voltou. Era bastante simples para Aristotle dizer “Tai-Pan”, pensou. Mas e eles? Precisa conquistar sua confiança, colocá-los de seu lado. Como? O que papai disse? “Os homens são governados com o cérebro e com magia.”

Levantou-se, todo trêmulo.

— Eu... eu tentarei. Por Deus, realmente tentarei. Jamais o esquecerei, Aristotle. Jamais.

Desceu o morro, com o estômago dando voltas. O mestre-d’armas aproximava-se, vindo do escaler, e eles se encontraram na porta da frente.

— Sua Excelência quer que vá a bordo imediatamente.

— Por favor, diga-lhe que o verei logo que possível — disse Culum, com uma calma que não sentia.

— Ele quer vê-lo agora.

— Estou ocupado. Diga-lhe que estou ocupado!

O homem corou, fez continência e saiu às pressas.

O que haverá nesses papéis, afinal?, Culum perguntou a si mesmo. Reuniu suas forças e encarou Orlov, Vargas e Gordon Chen.

— Brock deu ordens a bordo do meu navio — disse Orlov. Viu as manchas de sangue nas mãos e nas mangas de Culum e estremeceu. — Ordens para baixar a bandeira, por Odin! Eu teria feito isso, de qualquer maneira, logo que soubesse. Devo receber ordens dele, agora, hein?

— Brock irá destruir-nos, Sr. Culum. O que vamos fazer? — disse Vargas, torcendo as mãos.

— Vargas, vá fazer acertos para o funeral. Meu pai e sua senhora serão enterrados juntos.

— O quê?

— Sim. Juntos. Ela é cristã e será enterrada com ele. Gordon, espere por mim. Quero falar com você. Orlov, vá para bordo de seu navio e ice a bandeira. Depois, vá a bordo do White Witch e traga minha senhora para terra.

— Disse para trazê-la?

— Sim. Para cá. — Pegou os vinte soberanos. — Entregue essas moedas a Brock, com meus cumprimentos. Diga a ele que eu mandei dizer que são para comprar um caixão para si mesmo.