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O Tai-Pan nunca esquecera seus primeiros navios, e os castelos de proa e os chicoteamentos. Nem os homens que os ordenavam. Alguns haviam morrido, antes de encontrá-los. Os que encontrou, destruiu. Só em Brock não tinha tocado.

Robb não sabia por que seu irmão poupara Brock. Ele estremecia, sabendo que, fosse qual fosse a razão, um dia haveria um ajuste de contas.

Perry pôs uma colherada de açúcar e leite condensado. Entregou a Robb uma xícara e depois se sentou atrás da escrivaninha de mogno e ficou observando em torno, com seus olhos fundos sob sobrancelhas hirsutas.

— O Sr. Struan está com saúde?

— Como sempre. Esperava que ele estivesse doente?

— Não.

Houve uma batida na porta da cabina.

A porta se abriu e Robb abriu a boca diante do jovem que estava em pé ali.

— Deus do céu, Culum, meu rapaz, de onde você veio? — Levantou-se cheio de excitação, derrubando sua xícara. “Despachos muito importantes”, na verdade, e, naturalmente, “Zenith”!

Culum Struan entrou na cabina e fechou a porta. Robb segurou-o com afeto pelos ombros e depois notou sua palidez e as faces cavadas.

— O que há de errado, rapaz? — ele perguntou, cheio de ansiedade.

— Estou muito melhor, obrigado, tio — disse Culum, com a voz fraca.

— Melhor do que, meu filho?

— A peste, a peste de Bengala — disse Culum, confuso. Robb virou-se para Perry.

— Você tem peste a bordo? Em nome de Deus, por que não está com a bandeira amarela?

— Claro que não há peste a bordo! Foi na Escócia, meses atrás. — Perry parou. — Scarlet Cloud! Nunca chegou?

— Está com atraso de quatro semanas. Nem uma só notícia, nada. O que aconteceu? Diga, homem.

— Devo contar a ele, Culum, meu rapaz, ou você contará?

— Onde está papai? — perguntou Culum a Robb.

— Na praia. Ele está esperando por vocês na praia. No vale. Pelo amor de Deus, o que aconteceu, Culum?

— A peste chegou a Glasgow em junho — disse Culum, obtusamente. — Dizem que chegou outra vez num navio. De Bengala, na índia. Primeiro atingiu Sutherland, depois Edimburgo, e enfim chegou até nós, em Glasgow. Mamãe está morta, Ian, Lechie, Vovó... Winifred está tão fraca que não vai durar. Vovô está tomando conta dela. — Ele fez um gesto desamparado e se sentou no braço da cadeira. — Vovó está morta. Mamãe. Tia Uthenia e os bebês, e o marido dela. Dez, vinte mil pessoas morreram, entre junho e setembro. Depois, a peste desapareceu. Simplesmente desapareceu.

— Roddy? E Roddy? Meu filho está morto? — perguntou Robb, cheio de angústia.

— Não, tio. Roddy está ótimo. Ele não foi atingido.

— Tem certeza, tem, Culum? Meu filho está salvo?

— Sim. Eu o vi na véspera da minha partida. Muito poucos em sua escola contraíram a peste.

— Graças a Deus!

Robb estremeceu, lembrando-se da primeira onda de peste que misteriosamente varrera a Europa, há dez anos. Cinqüenta mil mortes, só na Inglaterra. Um milhão na Europa. Milhares em Nova York e em Nova Orleans. Alguns chamavam esta peste por um novo nome — cólera.

— Sua mãe está morta? — disse Robb, sem acreditar. — Ian, Lechie, a Vovó?

— Sim. E tia Susan e prima Clair, e tia Uthenia, e primo Donald e o pequeno Stewart e... Houve um silêncio monstruoso. Perry rompeu-o, nervosamente. — Quando ancorei em Glasgow, bom, o garoto Culum estava sozinho. Não sabia o que fazer, então achei melhor trazê-lo a bordo. Partimos um mês depois do Scarlet Cloud.

— Você fez bem, Isaac — Robb ouviu a si próprio dizer. Como iria comunicar a Dirk? — É melhor eu ir. Farei sinal a vocês para desembarcarem. Fiquem a bordo.

— Não. — Culum disse isso alto, como se falasse para si próprio, lá no fundo de si mesmo. — Não. Eu desembarcarei primeiro. Sozinho. É melhor. Verei papai sozinho. Devo contar a ele. Irei para a praia sozinho. — Ele se levantou e, tranquilamente, caminhou para a porta, com o navio balançando suavemente, ao doce ruído das ondas que o lambiam, e partiu. Depois, lembrou-se de alguma coisa e voltou para a cabina. — Levarei os despachos — disse ele com sua vozinha fraca. — Ele vai querer ver os despachos.

***

Quando a chalupa se afastou do Thunder Cloud, Struan estava no outeiro onde iria ficar a Grande Casa. Logo que viu seu filho mais velho no meio da nau, seu coração disparou.

— Culummmmm! — ele gritou exultante, do alto do outeiro. Arrancou seu casaco e acenou com ele, freneticamente, como um náufrago há seis anos isolado numa ilha e que vê o primeiro navio. — Culummmmmm!

Ele correu num ímpeto, através das ásperas sarças, sem se importar com os espinhos, e esquecido do caminho que levava da praia à vila de pescadores e aos refúgios de piratas na extremidade sul da ilha, passando por sobre a serrania. Esqueceu tudo, exceto que ali estava seu querido filho, no primeiro dia. Mais depressa. Agora ele estava correndo pela praia, cheio de êxtase.

Culum viu-o primeiro.

— Ali. Parem ali. — Apontou o local mais próximo de desembarque.

Mestre McKay girou a cana do leme.

— Força, queridos — disse, exortando os homens a remarem mais rápido para a praia.

Todos sabiam agora, e a notícia voava por toda a frota — e, com ela, a ansiedade. Entre Sutherland e Glasgow viviam muitos parentes de todos e, na cidade de Londres, a maioria do resto. Culum levantou-se e escorregou pela amurada, entrando na água rasa.

— Deixem-nos sós. — Ele, começou a caminhar em direção à praia.

Struan correu para as ondas que varriam a praia, dirigindo-se diretamente para seu filho, e viu as lágrimas, e gritou:

— Culum, meu garoto.

Culum parou por um momento, desamparado, afogando-se na abundância da alegria de seu pai. Depois, começou também a correr através das ondas e, finalmente, encontrou-se na segurança dos braços do pai. E todo, o horror daqueles meses explodiu como um abscesso e ele chorava, apertando-o, apertando-o, e então Struan acariciou o filho e carregou-o em seus braços para a praia, murmurando:

— Culum, meu garoto... Ah, meu menino... E Culum soluçava:

— Estamos mortos... estamos todos mortos... Mãezinha, Ian, Lechie, vovó, as tias, prima Clair... estamos todos mortos, papai. Só restaram eu e Winifred, e ela agora deve estar morta. — Ele repetia os nomes várias vezes, e eram facadas nas entranhas de Struan.

Mais tarde, Culum dormiu, exausto, afinal seguro, na força e no calor. Seu sono foi sem sonhos, pela primeira vez desde que a peste chegara. Dormiu aquele dia, e a noite, e parte do dia seguinte, e Struan o embalava, balançando-o suavemente.

Struan não notou a passagem do tempo. Algumas vezes falava com sua mulher e filhos — Ronalda, Ian, Lechie e Winifred — como se estivessem sentados na praia, a seu lado. Outras vezes, quando iam embora, ele os chamava, baixinho, para não acordar Culum e, mais tarde, eles voltavam. Em certos momentos, cantava as suaves canções de ninar que Ronalda usava para pôr seus filhos para dormir. Ou as gaélicas de sua mãe, ou de Catherine, sua segunda mãe. Acontecia também um nevoeiro cobrir-lhe a alma, e ele nada via.

Quando Culum acordou, sentia-se em paz.

— Olá, papai.

— Você está bem, rapaz?

— Agora, estou bem. — Ele se levantou.

Estava frio na praia, à sombra do rochedo, mas ao sol ficava mais quente. A frota estava tranqüilamente ancorada e os navios-tênderes navegavam velozmente, de um lado para outro. Havia menos navios do que antes.

— É ali que ficará a Grande Casa? — perguntou Culum, apontando para o outeiro.

— Sim. É ali que podemos morar no outono, até à primavera. O clima é ótimo, então.

— Como se chama o vale?

— Não tem nome. — Struan movimentou-se para o sol e tentou dominar a dor entranhada em seus ombros e nas costas.

— Deveria ter um nome.