— Não, obrigado, senhor. — Culum tentou não demonstrar o choque que sentira.
— Bom, tenho certeza de que haverá algum lugar onde poderemos utilizá-lo. Todos terão de pôr mãos à obra. Não posso tomar conta de tudo. Pense a respeito do que gostaria de fazer, e me diga. Precisamos de pessoas em quem possamos confiar.
— Por que não colocá-lo em seu staff como suplente? — disse Struan. — Nós o emprestaremos a você por seis meses.
— Excelente. — Longstaff sorriu para Culum. — Bom. Você é agora vicesecretário colonial. Vejamos. Faça os acertos para a venda de terras. Esta é a sua primeira tarefa.
— Mas eu nada sei a respeito de venda de terras, senhor. Não sei nada a respeito...
— Sabe tanto quanto qualquer outra pessoa, e seu pai poderá orientá-lo. Você seria, ah, vice-secretário colonial. Excelente. Agora eu posso esquecer aquele problema. Descubra o que pode ser feito e como, e me informe o necessário para oficializar tudo. Faça um leilão. Esta é a maneira justa, eu imagino. — Longstaff tornou a encher seu copo. — Ah, a propósito, Dirk, eu determinei a evacuação da Ilha de Chushan. Struan sentiu o estômago revirar.
— Por que você fez isso, Will?
— Recebi uma carta especial de Sua Excelência, Ti-sen, há dois dias, pedindo que isto fosse feito, como um ato de boa fé.
— Você poderia ter esperado.
— Ele queria uma resposta imediata e não havia, bom... nenhuma maneira imediata de alcançar você.
— Imediata, no estilo chinês, significa até um século. — Ah, Willie, seu pobre louco, pensou ele, quantas vezes eu terei de explicar? Longstaff sentiu o olhar de Struan a apunhalá-lo.
— Ele ia mandar uma cópia do tratado ao imperador, e queria incluir o fato de que havíamos ordenado a evacuação. Nós devolveríamos a ilha, de qualquer jeito, não? Era este o plano. Diabo, que diferença faz, agora, ou mais tarde?
— A escolha do momento é muito importante para os chineses. A ordem já seguiu?
— Sim, seguiu ontem. Ti-sen teve a gentileza de nos oferecer o correio montado imperial. Enviei a ordem por ele. Maldito seja, pensou Struan. Seu louco impossível.
— É muito ruim usar o serviço deles para enviar nossas ordens. Perdemos prestígio e eles ganharam um ponto. Não adianta mandar um navio agora. — Sua voz estava fria e áspera. — Quando chegasse a Chushan, a evacuação estaria realizada. Bom, está feito, não adianta mais. Mas não foi sensato. Os chineses só vão interpretar isto como uma fraqueza.
— Achei o ato de boa fé uma esplêndida idéia, esplêndida — Longstaff prosseguiu, tentando vencer seu nervosismo. — Afinal, temos tudo que desejamos. A indenização deles é leve... apenas seis milhões de dólares, e isto mais do que cobre o custo do ópio que destruíram. Cantão está novamente aberta ao comércio. E temos Hong Kong. Afinal. — Seus olhos brilhavam, agora. — Tudo de acordo com o plano. A Ilha de Chushan não é importante. Você disse para tomá-la apenas como um recurso. Mas Hong Kong é nossa. E Ti-sen disse que nomearia um mandarim para Hong Kong, dentro de um mês, e eles vão...
— Ele o quê? — Struan estava horrorizado.
— Ele nomeará um mandarim para Hong Kong. O que há? Contenha seu gênio, Struan advertiu a si próprio, com um grande esforço. Você tem sido paciente todo esse tempo. Este incompetente de mente fraca é o instrumento mais necessário de que você dispõe.
— Will, se você permitir que faça isso, irá dar-lhe poder sobre Hong Kong.
— Absolutamente, meu caro, por quê? Hong Kong é britânica. Os pagãos ficarão sob nossa bandeira e sob nosso governo. Alguém precisa encarregar-se dos demônios, não? É preciso haver alguém a quem pagar as taxas alfandegárias. Onde melhor do que em Hong Kong? Eles terão sua própria alfândega, seus prédios e...
— Eles o quê? — A palavra estrondeou para além dos tabiques de carvalho. — Pelo sangue de Deus, você não concordou com isso, eu espero?
— Bom, não vejo nada errado nisso, Dirk, hein? Puxa vida, não muda nada, não é? E nos livra de uma porção de problemas. Não precisamos ir para Cantão. Podemos fazer tudo daqui.
Para evitar esmagar Longstaff como se fosse um piolho, Struan caminhou até à escrivaninha e se serviu de conhaque. Contenha-se. Não o destrua agora. A ocasião não é oportuna. Você precisa usá-lo.
— Você concordou com Ti-sen que ele pode nomear um mandarim para Hong Kong?
— Bom, meu caro camarada, não concordei exatamente. Não faz parte do tratado. Eu simplesmente disse que concordava que parecia uma boa idéia.
— Você fez isto por escrito?
— Sim. Ontem. — Longstaff estava perplexo com a violência de Struan. — Mas não é o que vínhamos tentando fazer há tanto tempo? Tratar diretamente com os mandarins, e não por intermédio dos donos de armazéns chineses?
— Sim. Mas não em nossa ilha, pelo amor de Deus! — Struan mantinha a voz baixa, mas estava pensando: “Seu maldito arremedo de líder, seu estúpido aristocrata indeciso, montão de esterco que só toma decisões erradas.” — Se permitirmos isso, afundaremos Hong Kong. Perderemos tudo.
Longstaff puxava o lobo da orelha, encolhendo-se sob o olhar de Struan.
— Por que, papai? — perguntou Culum.
Para alívio de Longstaff, os olhos viraram-se para Culum e ele pensou: sim, por quê? Por que perderemos tudo, hein? Achei que era um acerto simplesmente maravilhoso.
— Porque eles são chineses.
— Não compreendo.
— Eu sei, rapaz. — Para afastar a dor da perda de sua família, que repentinamente cresceu dentro dele, e para tirar da cabeça sua frenética preocupação com a perda de sua riqueza, ele decidiu explicar, tanto a Longstaff como a Culum. — A primeira coisa que é preciso compreender: durante cinqüenta séculos, os chineses vêm chamando a China de Império do Meio, a terra que os deuses colocaram entre o céu, acima, e a terra, abaixo. Por definição, um chinês é um ser de superioridade sem igual. Todos eles acreditam que qualquer outra pessoa, qualquer, é um bárbaro e não deve ser levado em consideração. E que eles sozinhos, como habitantes da única nação realmente civilizada, têm o direito divino de dominar a terra. No entender deles, a Rainha Vitória é uma vassala bárbara e deve pagar tributos. A China não tem armada, nem exército, e podemos fazer o que quisermos com ela... mas eles acreditam que vivem na mais civilizada, a mais poderosa e a mais rica, quanto a isto, acho que estão potencialmente certos, nação da terra. Conhece os Oito Regulamentos?
Culum abanou a cabeça.
— Bom, eram os termos através dos quais o imperador da China concordou em negociar com os “bárbaros”, há cento e cinqüenta anos. Os regulamentos confinavam todo comércio “bárbaro” a um único porto, o de Cantão. Todo o chá e a seda deveriam ser pagos com prata, não havia permissão para nenhum crédito e o contrabando era proibido. Os “bárbaros” foram autorizados a construir armazéns e fábricas num pedaço de terra de meia milha por duzentas jardas, em Cantão; e deviam permanecer totalmente confinados a essa área amuralhada, a Colônia de Cantão, mas só durante a temporada de inverno da navegação, de setembro a março, e depois precisavam sair e ir para Macau. Nenhuma família “bárbara” tinha permissão para ir à Colônia, em nenhuma circunstância, e o ingresso de todas as mulheres era proibido. Absolutamente não se podia levar armas para lá. Aprender chinês, andar de barco como divertimento, ou em liteiras, e misturar-se com os chineses, tudo era proibido; navios de guerra “bárbaros” eram proibidos de entrar no estuário do Rio Pérola. Todos os navios mercantes “bárbaros” deveriam ancorar em Whampoa, a treze milhas, rio abaixo, onde as cargas tinham de ser baldeadas e as tarefas de exportação pagas em prata. Todo comércio dos “bárbaros” deveria realizar-se exclusivamente através de um monopólio, uma guilda de dez mercadores chineses que chamamos a Co-hong. A Co-hong era também a única fornecedora de alimentos, a única autoridade a conceder licença para um número estabelecido de criados, barqueiros e compradores. E, finalmente, o regulamento que nos crucificava, e o tratado cancela, especificava que a Co-hong era a única recebedora de todas as petições dos “bárbaros”, seus pedidos e queixas, que seriam encaminhados aos mandarins exclusivamente através do órgão.” A intenção básica dos Regulamentos era nos manter ao alcance, a fim de nos incomodar, e tirar de nós cada centavo. Lembrem-se de outra coisa a respeito dos chineses: eles adoram dinheiro. Mas a sangria só beneficiou a classe dirigente dos manchus, não a todos os chineses. Os manchus acham que nossas idéias, Cristandade, Parlamento, votos e, acima de tudo, igualdade perante a lei e um sistema de júri, são revolucionárias, perigosas e más. Mas eles querem nossas barras de prata.