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O medo antigo começou a fazê-lo sentir-se doente, e ele procurou algo em que pensar, qualquer coisa capaz de lhe tirar a lembrança de seu terror.

— Quanto à venda de terras, senhor. Em primeiro lugar, a terra precisa ser demarcada. Como vai fazer isso, senhor?

— Conseguirei alguém, não se preocupe.

— Talvez Glessing — disse Struan. — Ele tem experiência de mapeamento.

— Boa idéia. Falarei com o almirante. Ótimo.

— Você poderia considerar a possibilidade de designar a praia onde a bandeira foi içada como “Cabo Glessing”. Longstaff ficou pasmo.

— Jamais eu o compreenderei. Por que se dar ao trabalho de perpetuar o nome de um homem que o odeia?

Por que bons inimigos são valiosos, pensou Struan. E tenho um serviço para Glessing. Ele morrerá para proteger o Cabo Glessing, e isto significa Hong Kong.

— Agradaria à Marinha — disse Struan. — É apenas uma idéia.

— É uma boa idéia. Estou satisfeito de que a sugestão tenha sido sua.

— Bom, obrigado, acho que vamos voltar para nosso navio — disse Struan. Ele estava cansado. E havia muitas coisas para fazer.

***

Isaac Perry estava no tombadilho do Thunder Cloud observando os fuzileiros fazerem uma revista sob longas alcatroadas, nas chalupas e no paiol. Ele detestava fuzileiros e oficiais da Marinha; mas fora pressionado a entrar nela.— Não há desertores a bordo — disse, outra vez.

— Claro — disse o jovem oficial.

— Por favor, mande seus homens não desarrumarem tudo, desse jeito. Vai ser preciso um turno inteiro de trabalho para limpar isso, depois que forem embora. — Seu navio será uma bela presa, Capitão Perry. O navio e a carga — zombou o oficial.

Perry olhou para McKay, que estava junto à prancha de desembarque, sob guarda armada. Você é um homem morto, McKay, pensou Perry, se ajudou Ramsey a vir para bordo.

— Chalupa no passadiço da popa — gritou o terceiro-imediato. — O proprietário está Vindo para bordo. Perry saiu correndo para receber Struan.

— Acham que temos um desertor a bordo, senhor.

— Eu sei — disse Struan, ao chegar ao convés. — Por que está o meu mestre sob guarda? — ele perguntou ao arrogante jovem oficial, com uma perigosa irritação na voz.

— Apenas uma precaução. Ele é parente de Ramsey e...

— Malditas sejam as precauções! Ele é inocente, até se provar que é culpado, por Deus — estrondeou Struan. — Vocês estão aqui para fazer uma busca, e não para incomodar e prender meus homens.

— Não sei de nada, senhorrr — explodiu McKay. — Ramsey não a bordo por ação minha. Ele não tá. Não tá.

— Que Deus lhe ajude, se ele estiver — disse Struan. — Você está confinado ao navio, até que eu mande o contrário. Vá para baixo!

— Sim, senhorrr — disse McKay, e fugiu.

— Pelo sangue de Deus, Isaac! — berrou Struan. — Você é ou não é capitão deste navio? Que lei autoriza a Marinha a prender um homem sem mandado, só como precaução?

— Nenhuma, senhor — Perry ficou intimidado, e preferiu não discutir.

— Saia do meu navio e vá para o inferno. Você está demitido!

Perry empalideceu.

— Mas, senhor...

— Saia do meu navio até o entardecer. — Struan caminhou para o passadiço que levava ao interior do navio. — Vamos, Culum. Culum alcançou Struan no corredor que conduzia à cabina principal.

— Não é justo — ele disse. — Não é justo. O Capitão Perry é o melhor capitão que você tem. Você disse isso.— Ele era, rapaz — disse Struan. — Mas não defendeu os interesses de seu subordinado. E ele tem medo. Do que, eu não sei. Mas homens assustados são perigosos, e não temos lugar para eles.

— McKay não sofreu nada.

— A primeira norma a ser obedecida por um capitão meu é proteger seu navio. A segunda, seus homens. Assim, eles o protegerão. Pode-se comandar sozinho um navio, mas não se pode operá-lo sozinho.

— Perry não fez nada errado.

— Ele permitiu que a Marinha colocasse McKay sob guarda, contra a lei, por Deus

— disse Struan, com dureza. — Um capitão precisa saber mais do que simplesmente fazer a embarcação navegar, por Deus! Isaac deveria ter enfrentado aquele jovem peralvilho. Mas ele teve medo e abandonou seus homens, numa ocasião importante. Da próxima vez, poderá abandonar o navio. Não vou me arriscar a isso.

— Mas ele está com você há anos. Isso não conta?

— Sim. Isto quer dizer que tivemos sorte por anos. Agora não confio mais nele. Então, agora ele vai embora e não se discute mais o assunto! — Struan abriu a porta da cabina.

Robb estava sentado à escrivaninha, espiando para fora através das escotilhas da proa. Caixas, arcas, roupas e brinquedos de crianças encontravam-se espalhados pelo chão. Sarah, a mulher de Robb, estava meio encolhida numa das cadeiras, cochilando. Era uma mulher pequena, estava grávida e, no sono, seu rosto apresentava-se marcado e cansado. Quando Robb notou Struan, e Culum, tentou sem sucesso forçar um sorriso.

— Olá, Dirk. Culum.

— Olá, Robb. — Struan pensou: “Ele envelheceu dez anos em dois dias.” Sarah acordou, num sobressalto.

— Olá, Dirk. — Levantou-se pesadamente, e se aproximou da porta.

— Olá, Culum.

— Como vai, tia Sarah?

— Cansada, querido. Muito cansada. E detesto estar num navio. Gostaria de tomar um pouco de chá?

— Não, obrigado.

Robb observou Struan, com ansiedade.

— O que posso dizer?

— Nada, Robbie. Eles estão mortos e nós estamos vivos, não podemos fazer mais nada.

— Será, Dirk? — os olhos azuis de Sarah endureceram-se. Ela alisou o cabelo castanho-avermelhado e endireitou o longo vestido verde, com pufes. — Será?

— Sim. Dá licença, Sarah? Preciso falar com Robb.

— Sim, claro. — Ela olhou para o marido e desprezou sua fraqueza. — Estamos de partida, Dirk. Vamos deixar para sempre o Oriente. Já decidi. Dei a Struan e Companhia cinco anos de minha vida e um bebê. Agora, é tempo de ir embora.

— Acho uma boa decisão, Sarah. O Oriente não é lugar para uma família, atualmente. Dentro de um ano, quando Hong Kong estiver construída... bom, então será ótimo.

— Para algumas famílias, talvez, mas não para nós. Não para o meu Roddy, para Karen, Naomi ou Jamie. E nem para mim. Jamais moraremos em Hong Kong. — Ela saiu.

— Você comprou ópio, Robb?

— Comprei um pouco. Gastei todo nosso dinheiro à vista e tomei emprestado cerca de cem mil... não sei a soma exata. Os preços não baixaram muito. Então, bom, eu perdi o interesse.

Então afundamos mais no buraco, pensou Struan.

— Por que a nossa família? É terrível, terrível — disse Robb, com a voz atormentada. — Por que toda nossa família?

Pagode.

Maldito pagode. — Robb olhou para a porta da cabina. — Brock quer ver você, logo que possível.

— Por quê?

— Ele não disse.

Struan sentou-se, afrouxou a bota por um momento e pensou a respeito de Brock. Depois disse:

— Tornei Culum sócio.

— Ótimo — disse Robb. Mas sua voz estava arrasada. Ele ainda olhava para a porta.

— Papai — Culum interveio — quero falar com você a respeito disso.

— Mais tarde, garoto. Robb, existe mais alguma coisa. Estamos diante de problemas graves.

— Há uma coisa que eu preciso dizer imediatamente. — Robb afastou os olhos da porta. — Dirk, vou partir do Oriente com Sarah e as crianças. No próximo navio.

— O quê?

— Jamais serei um tai-pan, e nem quero ser.

— Você vai partir porque Culum é sócio?

— Você me conhece o bastante para saber que não é isso. Você devia ter discutido o assunto comigo, sim, mas não tem importância. Ouero ir embora.