— E esta guerra acabou, bem ou mal — acrescentou.
— Ouça bem o que eu digo, Sr. Tillman — disse Brock. — Esse maldito tratado não é bom nem para nós, nem para eles. Devíamos conservar Chushan e portos abertos no continente chinês. Estaremos em guerra outra vez, dentro de algumas semanas. Em junho, quando o vento estiver bem forte, a frota terá de navegar para o norte, novamente até Pei Ho. E, se estivermos de novo em guerra, como conseguiremos os chás e as sedas da temporada? Ano passado, quase não houve comércio, por causa da guerra. No ano anterior, comércio nenhum, e eles nos roubaram todo ópio. Só minhas, oito mil caixas. Isto me custou dois milhões de taéis de prata. Em dinheiro vivo.
— Aquele dinheiro não está perdido — disse Tillman. — Longstaff nos mandou entregá-lo. Para resgatar nossas vidas. Ele nos deu papel, em nome do Governo britânico. E há um acordo no tratado. Seis milhões de taéis de prata para pagar aquilo.
Brock riu, rudemente.
— Acha que o Parlamento vai respeitar o papel de Longstaff? Ora, qualquer governo seria derrubado na hora em que pedisse dinheiro para pagar ópio. Quanto aos seis milhões... servirão para custear as despesas da guerra. Conheço o Parlamento melhor do que o senhor. Despeça-se para sempre de seu meio milhão de taéis, é o conselho que eu dou aos dois. E, se estivermos em guerra outra vez, este ano, novamente não haverá comércio. Se não houver comércio este ano, entraremos todos em bancarrota. O senhor, eu e todos os que comerciam na China. Até a maldita Casa Nobre.
Puxou com impaciência o relógio. A cerimônia deveria ter começado há uma hora. O tempo expirava, pensou. Sim, mas não para Brock e Filhos, pelo amor de Deus. Dirk tivera um período de dezessete anos de bom pagode e agora era hora de mudar.
Brock se encantava ao pensar em seu segundo filho, Morgan, que controlava — com implacável competência — todos os seus interesses na Inglaterra. Ficou imaginando se Morgan tinha conseguido minar a influência de Struan no Parlamento e nos círculos bancários. Nós vamos fazer você naufragar, Dirk, pensou ele, e Hong Kong junto com você.
— Por que diabo será essa demora? — perguntou, aproximando-se apressadamente do oficial da Marinha que caminhava de um lado para outro, perto dos fuzileiros. — Que há com você, Jeff? Sabe que ele está certo a respeito de Hong Kong — disse Tillman. — Devia entender que não deve arreliá-lo. Cooper deu o seu magro sorriso.
— Brock tem uma maldita auto-suficiência. Não consegui conter-me.
— Se ele estiver certo com relação ao meio milhão de taéis, ficaremos arruinados.
— Sim. Mas Struan vai perder dez vezes isso, se não houver pagamento. Ele vai receber o dele, não tenha medo. Então, nós receberemos o nosso. — Cooper acompanhou Brock com o olhar. — Acha que ele sabe do nosso acordo com Struan?
Tillman encolheu os ombros.
— Não sei. Mas Brock tem razão quanto ao tratado. É estúpido. Vai nos custar um bocado de dinheiro.
Durante os últimos três meses, Cooper-Tillman tinham atuado como agentes secretos para a Casa Nobre. Belonaves britânicas bloqueavam Cantão e o Rio Pérola, e os comerciantes ingleses ficaram proibidos de negociar. Longstaff — a pedido de Struan — colocara em vigor o embargo, como outra medida para forçar o tratado de paz, sabendo que os armazéns de Cantão estavam repletos de chá e de sedas. Mas, como a América não declarara guerra à China, os navios americanos podiam atravessar livremente o bloqueio, passando pelos navios de guerra. Então, Cooper-Tillman haviam comprado quatro milhões de libras de chá a Chen-tsé Jin Arn — ou Jin-qua, como era apelidado — o mais rico dos mercadores chineses, e embarcaram-nas para Manilha, supostamente destinadas a comerciantes espanhóis. A autoridade espanhola local, em troca de um considerável suborno, emitira as necessárias licenças para importação e exportação e o chá fora transferido — livre de impostos — para os clíperes de Struan, que o levaram apressadamente para a Inglaterra. O pagamento a Jin-qua foi toda uma carga de ópio, entregue secretamente por Struan, em algum ponto da costa.
Um plano perfeito, pensou Cooper. Todos estão mais ricos e conseguem as mercadorias que querem. Mas teríamos feito uma fortuna, se nossos navios pudessem ter entregue o chá diretamente à Inglaterra. E ele amaldiçoou os Decretos de Navegação Britânica, que proibiam qualquer navio, com exceção dos britânicos, de levar mercadorias até portos ingleses. Malditos sejam, são os donos do mundo.
— Jeff!
Cooper acompanhou o olhar de seu sócio. Por um momento, não conseguiu entender o que Tillman queria que ele visse, no porto apinhado. Depois, viu a chalupa afastar-se da nau capitania, conduzindo o alto e ruivo escocês, tão poderoso a ponto de dobrar o Parlamento aos seus objetivos e fazer entrar em guerra a maior nação do mundo.
— Seria esperar muito ver Struan afogar-se — disse Tillman. Cooper riu.
— Você está enganado a respeito dele, Wilf. De qualquer maneira, o mar nunca ousaria fazer uma coisa dessas.
— Talvez sim, Jeff. Já é tempo. Por tudo que é sagrado.
***
Dirk Struan estava em pé à proa da chalupa, cavalgando a crista das ondas. E, embora já estivesse atrasado para a cerimônia, não apressou os remadores. Sabia que nada começaria até ele chegar.
A chalupa estava a trezentos metros da praia e as ordens de comando do mestre misturavam-se agradavelmente com a forte monção que vinha do nordeste. Lá longe, nas alturas, o vento ganhava força e impelia os cúmulus do continente para a ilha e, de lá, em direção ao oceano.
O porto estava cheio de navios, todos ingleses, com exceção de umas poucas embarcações americanas e portuguesas, barcos mercantes de todos os tamanhos. Antes da guerra, esses barcos mercantes teriam fundeado em Macau, a pequena colônia portuguesa, numa ponta do continente, quarenta milhas sudoeste, por sobre a grande embocadura do Rio Pérola. Ou ao largo da Ilha de Whampoa, treze milhas ao sul de Cantão. Esta era a maior aproximação de Cantão permitida a qualquer navio europeu, segundo a lei chinesa. De acordo com um decreto imperial, todo comércio europeu restringia-se a esta cidade. Dizia a lenda que mais de um milhão de chineses viviam dentro de suas muralhas. Mas europeu algum tinha certeza disto, porque nenhum deles caminhara jamais por aquelas ruas.
Desde a Antigüidade, os chineses tinham leis rígidas excluindo os europeus de seu país. A inflexibilidade dessas leis, a falta de liberdade, para os europeus, de irem onde queriam, e de comerciar como queriam, provocara a guerra.
Enquanto a chalupa passava perto de um navio mercante, algumas crianças acenaram para Struan, e ele respondeu ao aceno. Será bom para as crianças terem, afinal, os seus lares, em terra própria, pensou ele. Quando a guerra começara, todos os cidadãos britânicos haviam sido evacuados para os navios, a fim de ficarem em segurança. Havia aproximadamente cento e cinqüenta homens, sessenta esposas, oitenta crianças. Algumas das famílias ficaram a bordo de navios por quase um ano.
Em torno dos navios mercantes, estavam as belonaves da Força Expedicionária Britânica: navios de linha de 74 canhões, 44, 22, brigues, fragatas, uma pequena parte da mais poderosa armada que já existira no mundo.
E, entre esses navios, estavam os bonitos clíperes de ópio, com seus mastros enviesados, as mais velozes embarcações já construídas.
Struan sentiu um calor de excitação ao examinar a ilha, com sua montanha principal que se elevava a cento e oitenta pés, quase a prumo do mar.
Ele jamais pisara na ilha, embora soubesse mais a seu respeito do que qualquer outro homem. Jurara não desembarcar ali até o local pertencer aos britânicos. Agradavalhe ser assim arrogante. Mas isto não o impedira de mandar seus capitães e o irmão mais moço, Robb, à terra, a fim de explorar a ilha. Conhecia os recifes, os rochedos, os vales e as colinas, e sabia onde ia construir seus armazéns e a Grande Casa, bem como o local em que passaria a estrada.