Ele a convidou para entrar no quarto.
— Senhola pode dulmi. Você espelá dentlo quarto, intende?
— Intende, sinhô...
Ele desceu as escadas, apressadamente.
Cooper e Wolfgang Mauss estavam a esperá-lo na sala de jantar. Mauss examinava soturnamente suas pistolas.
— Desculpe incomodá-lo, Tai-Pan. Há problemas — disse Cooper.
— O quê?
— Está circulando um boato de que dois mil soldados manchus com bandeiras de guerra entraram em Cantão, a noite passada.
— Tem certeza?
— Não — disse Cooper. — Mas, se for verdade, haverá problemas.
— How-qua mandou me chamar esta manhã — disse Mauss, pesadamente.
— Ele disse se Jin-qua já voltou?
— Não, Tai-Pan. Ele ainda diz que seu pai está viajando. Quanto a mim, não acredito nisso, hein? How-qua estava com muito medo. Contou que fora acordado muito cedo, aquela manhã. Um edito imperial, assinado pelo próprio imperador, havia sido entregue a ele, e dizia que todo comércio conosco deveria cessar, de imediato. Eu o li. Os selos estavam corretos. Toda a Co-hong está num rebuliço.
Houve um estardalhaço lá embaixo. Eles correram à janela. Uma companhia de soldados montados manchus trotou para a extremidade leste da praça e desmontou. Eram homens altos, fortemente armados — mosquetes, longos arcos, espadas e lanças embandeiradas. Alguns eram barbados. Eram chamados bandeireiros por serem soldados imperiais e conduzirem as bandeiras imperiais. Os chineses não tinham permissão para ingressar em seus regimentos; eram a elite do exército do imperador.
— Bom, há com certeza quarenta ou cinqüenta em Cantão — disse Struan.
— E se houver dois mil? — perguntou Cooper.
— É melhor nos prepararmos para partir da Colônia.
— Bandeireiros são um mau sinal — disse Mauss. Ele não queria sair da Colônia; queria ficar com seus convertidos chineses e continuar a pregar para os pagãos, o que ocupava todo seu tempo, quando não estava servindo de intérprete para Struan. — Schrechlich mau.
Struan considerou as possibilidades e depois tocou a campanhia, para chamar um criado.
— Traz bastante comida, diplessa, diplessa. Caie, chá, ovos, carne... diplessa, diplessa.
— Há bandeireiros na praça e você só pensa em tomar o desjejum? — perguntou Cooper.
— Não adianta se preocupar com o estômago vazio — disse Struan. — Estou com muita fome, hoje de manhã.
Mauss riu. Ele ouvira o rumor, sussurrado entre os criados, de que a legendária amante do Tai-Pan chegara em segredo. Por sugestão de Struan, há dois anos ele secretamente ensinara o cristianismo a May-may e a convertera. Sim, pensou, com orgulho, o Tai-Pan confia em mim. Por causa dele, ó Senhor, pelo menos uma foi salva. Por causa dele, outros estão sendo salvos por Vossa divina mercê.
— O café é uma boa idéia.
Sentado junto à janela, Cooper via os negociantes esgueirando-se pelo jardim e entrando em suas feitorias. Os bandeireiros estavam reunidos numa massa desarrumada, acocorados e conversando.
— Talvez seja como da última vez. Os mandarins vão nos prender, em troca de resgate — disse Cooper.
— Não desta vez, rapazinho. Se começarem alguma coisa, vai ser nos liquidando.
— Por quê?
— Qual o motivo de mandarem soldados imperiais a Cantão? São combatentes... e não como o exército chinês local.
Os criados entraram e começaram a pôr a grande mesa. Mais tarde, a comida foi trazida. Havia frangos frios e ovos cozidos, pão, carne quente, bolinhos e tortas de carne quente, além de manteiga, marmelada e geléia.
Struan comeu com gosto e Mauss também. Mas Cooper estava sem vontade de provar sua comida.
— Sinhô? — disse um criado.
— Sim?
— Sinhô de um olho só está aqui. Pode?
— Pode.
Brock caminhou para dentro da sala. Seu filho Gorth estava com ele.
— Bom-dia, senhores. Bom-dia, meu caro Dirk.
— Quer café?
— Ah, muito obrigado.
— Fez boa viagem, Gorth?
— Sim, obrigado, Sr. Struan. — Gorth era da mesma altura do pai, um homem rijo, marcado por cicatrizes e com o nariz quebrado, cabelo grisalho e barba. — Da próxima vez, eu vencerei o Thunder Cloud.
— Da próxima vez, rapaz — disse Brock, com uma risada. — você será o capitão desse navio. Ele se sentou e começou a se fartar.
— Quer passar a carne, Sr. Cooper? — Estendeu o polegar esticado em direção à janela. — Aqueles filhos da mãe não significam nada de bom.
— Sim. O que acha, Brock? — perguntou Struan.
— O pessoal da Co-hong está arrancando os rabichos. O comércio está interrompido, no momento. É a primeira vez que vejo esses malditos bandeireiros.
— Vão evacuar a Colônia?
— Eu não serei expulso por chineses ou por bandeireiros.
— Brock se serviu de mais carne. — Claro que posso me afastar um pouco. Quando eu quiser. A maioria de nós vai sair amanhã para a venda de terras. Mas faremos bem convocando um conselho imediatamente. Têm armas aqui?
— Não suficientes.
— Temos o bastante para um cerco. Gorth as trouxe. Este lugar é o melhor para a defesa. Já é quase nosso, de qualquer jeito — acrescentou.
— Quantos guarda-costas você tem?
— Vinte. São rapazes do Gorth. São capazes, cada um, de derrubar cem chineses.
— Eu tenho trinta, contando os portugueses.
— Esqueça os portugueses. É melhor nós sozinhos. — Brock limpou a boca e partiu em dois um pequeno pão, passando nele, em seguida, manteiga e marmelada.
— Você não pode defender a Colônia, Brock — disse Cooper.
— Podemos defender esta feitoria, rapaz. Não se preocupe conosco. Você e o resto dos americanos vão se entocar na sua. Eles não vão tocar em vocês... é atrás de nós que estão.
— Sim — disse Struan. — E vamos precisar de vocês para vigiar nosso comércio, se tivermos de partir.
— Essa é outra razão que me fez vir aqui, Dirk. Queria falar francamente sobre o comércio e sobre Cooper-Tillman. Fiz uma proposta que foi aceita.
— A proposta foi aceita a depender o fato de Struan e Companhia não poderem cumprir acertos anteriores -— disse Cooper. — Vamos dar a você trinta dias, Dirk. Depois dos trinta dias...
— Obrigado, Jeff. É generoso de sua parte.
— Isso é estúpido, rapaz. Mas eu não me incomodo quanto à ocasião. Sou generoso também com seu tempo. Mais cinco dias, Dirk, hein? Struan virou-se para Mauss.
— Volte para a Co-hong e descubra o que puder. Tenha cuidado e leve um dos meus homens.
— Não preciso de um homem comigo. — Mauss arrancou o corpanzil da cadeira e partiu.
— Nós vamos realizar o conselho no andar de baixo — disse Struan.
— Ótimo. Talvez todos devam vir para cá. Haverá espaço suficiente.
— Isso nos denunciaria. É melhor nos prepararmos e esperarmos. Talvez seja apenas um truque.
— Você tem razão, rapaz. Estamos em segurança até os criados desaparecerem. Vamos, Gorth. Conferência dentro de uma hora? No andar de baixo?
— Sim.
Brock e Gorth partiram. Cooper rompeu o silêncio.
— O que significa tudo isso?
— Acho que é um plano de Ti-sen para nos deixar nervosos. A fim de nos preparar para algumas concessões que ele deseja. — Struan pôs a mão no ombro de Cooper. — Obrigado pelos trinta dias. Eu não vou esquecer.
— Moisés teve quarenta dias. Achei que trinta seriam adequados para você.
***
A conferência foi barulhenta e todos estavam irados, mas Brock e Struan dominaram as conversações.