Todos os negociantes — com exceção dos americanos — estavam no grande salão nobre que Struan usava como seu escritório particular. Barriletes de conhaque, uísque, rum e cerveja enfileiravam-se numa das paredes. Havia prateleiras com livros e volumes de escrituração na outra. Pinturas de Quance enchiam as paredes — paisagens de Macau, retratos e navios. Arcas com tampo de vidro, contendo canecas de estanho e canecões de prata. E armeiros com espadas e mosquetes, pólvora e balas.
— Não é nada, garanto a vocês — Masterson disse, bufando. Era um homem com
o rosto vermelho e papada, no início da casa dos trinta, diretor da firma de Masterson, Roach e Roach. Ele estava vestido como os outros homens — casaco de marinheiro de tecido de lã inglês, colete resplandecente e cartola de feltro.
— Os chineses jamais molestaram a Colônia, desde sua criação, por Deus.
— Sim. Mas isso foi antes de entrarmos em guerra com eles e ganharmos. — Struan queria que todos chegassem a um acordo e fossem embora. Segurava um lenço perfumado contra o nariz, para se proteger do fedor rançoso de seus corpos.
— Eu digo, vamos arrancar da praça os malditos bandeireiros agora mesmo — disse Gorth, tornando a encher seu canecão de cerveja.
— Vamos fazer isso, se for necessário — Brock cuspiu na escarradeira de estanho.
— Estou cansado de toda essa conversa. Agora, vamos concordar com o plano de Dirk, ou não? Ele olhou fixamente em torno do salão. A maioria dos negociantes devolveu o olhar. Havia quarenta ali reunidos — ingleses e escoceses, com exceção de Eliksen, o Dinamarquês, que era agente comercial de uma firma londrina, e um corpulento parse, com um traje flutuante. Rumajee, da Índia. MacDonald, Kerney, Maltby, de Glasgow, e Messer, Vivien, Tobe, Smith, de Londres, eram os principais negociantes, todos homens rijos, com uma dureza de carvalho, na casa dos trinta.
— Estou farejando problemas, senhor — disse Rumajee, e puxou seu grande bigode. — Aconselho uma retirada imediata.
— Pelo amor de Deus, o ponto central de todo o plano, Rumajee, é não nos retirarmos — disse Roach, causticamente. — Só nos retiraremos se necessário. Eu voto a favor do plano. E concordo com o Sr. Brock. Chega dessa maldita conversa, estou cansado. Retirar-se diante de pagãos? Nunca, por Deus.
O plano de Struan era simples. Eles esperariam em suas próprias feitorias; se começassem perturbações, a um sinal de Struan convergiriam para sua feitoria, sob fogo de cobertura de seus homens, se necessário.
— Posso sugerir algo, Sr. Struan? — perguntou Eliksen. Struan fez um aceno afirmativo de cabeça para o homem alto, de cabelos claros e taciturno.
— Claro.
— Talvez um de nós deva apresentar-se como voluntário para levar a notícia a Whampoa. De lá uma lorcha veloz pode ir procurar a armada, em Hong Kong. Só para o caso de eles nos cercarem e nos isolarem, como antes.
— Boa idéia — disse Vivien. Ele era alto, pálido e estava muito embriagado. — Vamos todos nos apresentar como voluntários. Posso tomar um uísque? Esse é um bom sujeito.
Então, de imediato, todos começaram a falar outra vez e a discutir sobre quem deveria apresentar-se como voluntário, e afinal Struan os pacificou.
— Foi sugestão do Sr. Eliksen. Se ele pensou nisso, por que não o deixar ter essa honra?
Eles se reuniram no jardim e espiaram quando Struan e Brock escoltaram Eliksen através da praça, até à lorcha que Struan colocara à sua disposição. Os bandeireiros não lhes prestaram a menor atenção, limitando-se a apontar e fazer troça.
A lorcha seguiu pelo rio.
— Talvez nós não tornemos a vê-lo — disse Brock.
— Não acredito que vão tocar nele, senão não o deixaria nunca partir. Brock resmungou.
— Para um estrangeiro, ele não é um mau sujeito. — Voltou com Gorth para sua própria feitoria. Os outros negociantes seguiram para as suas. Quando Struan ficou satisfeito com a disposição da guarda armada no jardim, e diante da porta dos fundos, que dava para a Rua Hog, voltou para sua suíte. May-may fora embora. E Ah Gip.
— Onde está a senhora?
— Num sei, sinhô. Num vi mais vaca cria. Ele procurou por todo o prédio, mas elas haviam desaparecido. Era quase como se jamais tivessem estado ali.
CAPÍTULO CINCO
Struan estava no jardim. Era pouco antes da meia-noite. Havia uma estranha quietude no ar. Ele sabia que a maioria dos negociantes devia estar dormindo vestida, e com as armas ao lado. Espiou, através do portão, os bandeireiros. Alguns dormiam, outros tagarelavam por sobre uma fogueira que haviam feito na praça. A noite estava fria. Havia pouco movimento no rio.
Struan saiu do portão e perambulou, pensativo, pelo jardim. Onde diabo estaria May-may? Sabia que ela não deixaria a Colônia sem motivo. Talvez tivesse sido atraída para isso. Talvez — ah, sangue de Cristo, isso não era maneira de pensar. Mas ele sabia que o mais rico senhor da China não hesitaria em tomá-la — pela força, se necessário — assim que a visse.
Uma sombra pulou por sobre o muro lateral e a faca de Struan, instantaneamente, estava em sua mão.
Era um chinês que, tremulamente, estendeu um pedaço de papel. Era um homem de baixa estatura, esbelto, com os dentes quebrados, o rosto esticado e amarelado pelo ópio. Impresso no papel, estava o carimbo de Jin-qua, um selo particular usado apenas em contratos e documentos especiais.
— Sinhô — disse o chinês baixinho. — Ninguém segue sinhô. Sozinho.
Struan hesitou. Era perigoso deixar a proteção da Colônia e de seus homens. Temeridade.
— Não poder. Jin-qua pode aqui vir.
— Não poder. Sem ninguém seguir. — O chinês apontou o selo. — Jin-qua quer ver, diplessa, diplessa.
— Amanhã — disse Struan. O chinês abanou a cabeça.
— Agola. Diplessa, diplessa, sabe.
Struan pensou que, possivelmente, o selo de Jin-qua caíra em outras mãos e isto poderia muito bem ser uma armadilha. Mas ele não ousava levar Mauss ou qualquer de seus homens, porque o encontro poderia ser muito secreto. E quanto antes melhor. Estudou o papel sob a lanterna e se certificou inteiramente de que o carimbo estava correto.
Fez um sinal afirmativo com a cabeça.
— Pode.
O chinês seguiu na frente até o muro lateral e escalou-o. Struan seguiu-o, pronto para uma traição. O chinês andou apressadamente ao longo da parede lateral da feitoria, e dobrou na Rua Hog. Inacreditavelmente, a rua estava deserta. Mas Struan sentia olhos observando-o.
No final da Rua Hog, o chinês virou em direção leste. Havia duas liteiras, com cortinas, à espera. Os cules das liteiras estavam aterrorizados. O seu terror se intensificou quando viram Struan.
Struan entrou numa das liteiras, o chinês na outra. Imediatamente, os cules ergueram as cadeiras e seguiram a galope pela Rua da Décima Terceira Feitoria. Viraram em direção sul, por estreitas e desertas passagens entre edifícios, desconhecidos para Struan. Logo ele havia perdido todo o sentido de direção. Recostou-se e amaldiçoou sua estupidez, ao mesmo tempo exultando com a expectativa do perigo. Finalmente, os cules pararam numa suja viela de altos muros, cheia de lixo apodrecido. Um cão sarnento banqueteava-se.
O chinês deu aos cules algum dinheiro e, quando eles já se haviam evaporado na escuridão, bateu numa porta. Ela se abriu e ele se afastou lateralmente, para que Struan entrasse, Struan fez-lhe sinal para ir primeiro e depois, cautelosamente, seguiu-o até um rançoso estábulo, onde outro chinês estava à espera, com uma lanterna. Este homem virou-se e caminhou silenciosamente através do estábulo, passando por outra porta, sem olhar para trás. Agora, seguiam através de um grande armazém e, em seguida, subiram vacilantes escadas e desceram outras, indo dar em novo armazém. Ratos corriam pela escuridão.