Struan sabia que estavam em alguma parte próxima ao rio, porque ouvia um ruído de água batendo e cordas rangendo. Estava pronto para uma briga a qualquer momento, e tinha o cabo da faca dentro da mão fechada, enquanto a lâmina estava escondida em sua manga.
O homem com a lanterna mergulhou sob uma ponte de caixotes de embalagem e foi seguindo até outra porta, meio escondida. Bateu, e então abriram.
— Olá, Tai-Pan — disse Jin-qua. — Fazia tempo que nós num si via. Struan entrou na sala. Era outro armazém cheio de sujeira, fracamente iluminado por velas e cheio de caixotes de embalagem e redes de pescar emboloradas.
— Olá, Jin-qua — disse ele, aliviado. — Num si via faz tempo.
Jin-qua era velho, frágil, pequeno. Sua pele era como pergaminho. Mechas finas de barba grisalha caíam-lhe sobre o peito. Sua roupa era de um rico brocado e o chapéu tinha jóias. Usava sapatos bordados, de grossas solas, e seu rabicho era longo e brilhante. As unhas de seus pequenos dedos estavam protegidas por lâminas cravejadas de pedras preciosas.
Jin-qua fez um sinal afirmativo com a cabeça, todo satisfeito, e se encaminhou para um canto do armazém, sentando-se a uma mesa posta, com comida e chá.
Struan sentou-se diante dele, de costas para a parede. Jin-qua sorriu. Tinha apenas três dentes. Eram cobertos de ouro. Jin-qua disse alguma coisa em chinês ao homem que trouxera Struan, e ele saiu por outra porta.
— Chá? — perguntou Jin-qua.
— Sim.
Jin-qua fez um sinal com a cabeça ao criado que carregara a lanterna e ele despejou o chá e serviu Jin-qua e Struan de alguma comida. Depois, foi para um lado e ficou observando Jin-qua. Struan notou que o homem era musculoso e estava armado, com uma faca ao cinto.
— Favo — disse Jin-qua, fazendo sinal a Struan para que se servisse.
— Obrigado.
Struan beliscou a comida e bebeu um pouco de chá, ficando à espera. Era preciso deixar Jin-qua fazer a primeira abertura. Depois de comerem em silêncio, Jin-qua disse:
— Quelia mi vê?
— Jin-qua fez bom negócio em Cantão?
— Negócio bom e ruim ao mesmo tempo, não se incomode.
— Comércio parou agora?
— Palou agola. Hoppo mandalim muito ruim. Soldados muitos, muitos. Meu lucro tem glandes impostos pala soldados. Ayeeee yah!
— Ruim.
Struan bebia seu chá! É agora ou nunca, ele disse a si próprio. E, agora que o momento certo, afinal, chegara, sabia que jamais poderia entregar Hong Kong. Maldito mandarim! Enquanto eu estiver vivo, não haverá nem um maldito mandarim em Hong Kong. Terá de ser Brock. Mas o assassinato não é maneira de resolver a bancarrota. Então, Brock está salvo porque todos esperam que eu solucione o problema dessa maneira. Mas estará mesmo salvo? Onde diabo se encontrará May-may?
— Ouvi dizer que Brock, o Demônio de Um Olho Só, botou o Tai-Pan com a corda no pescoço.
— Ouvi dizer que o Demônio Hoppo botou a Co-hong com a corda no pescoço — disse Struan. Agora que decidira não fazer um acordo, sentia-se muito melhor. — Ayeeee yah!
— Tudo mesma coisa. Mandalim Ti-sen tem raiva.
— Por quê?
— Sinhô “Pênis odioso” escleveu calta muito ruim.
— O chá está excelente.
— Sinhô “Pênis odioso” faz o que Tai-Pan diz, não é?
— Às vezes.
— É ruim quando Ti-sen tem raiva.
— É ruim quando Sinhô Longstaff tem raiva.
— Ayeeee yah. — Jin-qua, fastidiosamente, pegou alguma comida e a comeu, com os olhos estreitando-se ainda mais. — Sabe Kung Hay Fat Choy?
— O Ano-Novo chinês? Sim.
— Ano-Novo começa logo. Co-hong tem dívidas glandes de anos antigos. Bom pagode começa Ano-Novo quando não tem dívidas. Tai-Pan tem muito papel da Co-hong.
— Não se incomode. Pode espelá. — Jin-qua e os outros mercadores da Co-hong deviam a Struan seiscentos mil.
— Demônio de Um Olho Só pode espelá?
— Papel de Jin-qua pode espelá. Terminado. Comida muito boa.
— Muito ruim. — Jin-qua bebia seu chá. — Ouvi dizer que Suprema Senhora e filhos de Tai-Pan mortos. Mau pagode, sinto.
— Mau pagode, muito.
— Não se incomode. — Muito jovem, tem muitas outras jovens. Sua jovem May-may. Por que Tai-Pan tem só um filho homem? Tai-Pan deve tomar remédio, talvez. Precisa.
— Quando quiser, eu peço. — Struan disse, afavelmente. — Ouvi dizer que Jin-qua tem novo filho homem. Que número é esse filho?
— Dez e sete — disse Jin-qua, radiante.
Deus do céu, Struan pensou, dezessete filhos — e provavelmente o mesmo número de filhas, que Jin-qua não conta. Ele curvou a cabeça e assobiou, apreciativamente. Jin-qua riu.
— Quanto chá quer esta temporada?
— Comércio parou. Como pode negociar? — Jin-qua piscou.
— Pode.
— Não sei. Venda a Brock. Quando eu querer chá eu pedir, está bem?
— Preciso saber em dois dias.
— Não pode.
Jin-qua disse alguma coisa, rudemente, a seu criado, que foi até um dos caixotes de embalagem embolorados e tirou a tampa. Estava cheio de barras de prata. Jin-qua apontou para os outros caixotes de embalagem.
— Aqui tem quarenta dólares laque (Cem mil rúpias – N. Do T.).
Um laque representava aproximadamente vinte cinco mil libras esterlinas. Quarenta laques eram um milhão de esterlinas. Os olhos de Jin-qua estreitaram-se ainda mais.
— Eu tomei emprestado. Muito difícil. Muito caro. Quer? Jin-qua empresta, talvez.
Struan tentou esconder seu choque. Sabia que haveria algum acordo difícil, vinculado a qualquer empréstimo. Sabia que Jin-qua devia ter arriscado sua vida, sua alma, sua casa, seu futuro e o de seus amigos e filhos, para reunir tanto dinheiro secretamente. O dinheiro tinha de ser secreto, senão o Hoppo o roubaria e Jin-qua, simplesmente, teria desaparecido. Se chegasse aos ouvidos dos piratas e bandidos, cujos refúgios abundavam dentro de Cantão ou nas imediações, a notícia de que havia até uma centésima parte de um tesouro assim nas proximidades, Jin-qua teria sido eliminado.
— São muitos laques de dólar — disse Struan. — Homem que recebe favor deve retribuir favor.
— Compre este ano duplo do chá ano passado, mesmo preço ano passado, pode?
— Pode.
— Venda duplo do ópio este ano mesmo preço ano passado Pode?
— Pode.
Struan pagaria pelo chá acima do preço do mercado e teria de vender o ópio a menos do que o preço atual, mas ainda teria um grande lucro. Se as outras condições forem possíveis, ele lembrou a si próprio. Talvez não estivesse liquidado, afinal de contas. Se Jin-qua não quisesse o mandarim. Struan rezou silenciosamente para que um mandarim não fizesse parte do acordo. Mas ele sabia que, se não houvesse mandarim em Hong Kong, não poderia haver Co-hong. E, se não houvesse Co-hong e nem monopólio, Jin-qua e os demais estariam fora do comércio. Eles também precisavam do sistema.
— Só compre a Jin-qua ou ao filho de Jin-qua, dez anos. Pode?
Meu Deus, pensou Struan, se eu lhe der um monopólio sobre nossa casa, ele poderá nos apertar à vontade.
— Pode... se o preço do chá e o preço da seda forem os mesmos do resto da Co-hong.
— Vinte por ano. Preço do mercado mais dez por cento.
— Mais cinco por cento... acrescente cinco por cento. Pode.
— Oito.
— Cinco.