Virou-se para olhar o seu clíper, o China Cloud, de 22 canhões. Todos os clíperes de Struan e da companhia tinham Cloud como segundo nome, em honra de sua mãe, cujo sobrenome era McCloud, morta há anos. Marinheiros pintavam e limpavam a embarcação, que já reluzia. Os canhões eram examinados e o cordame testado. O pavilhão do Reino Unido tremulava orgulhosamente à popa, e a bandeira da companhia no alto da vela.
A bandeira da Casa Nobre era o real leão vermelho da Escócia, entrelaçado com o dragão verde imperial da China. Drapejava em vinte clíperes armados, espalhados pelos oceanos do mundo numa centena de velozes lorchas armadas que contrabandeavam ópio pela costa acima. E também em três grandes navios-depósitos para o abastecimento de ópio — antigos navios mercantes, atualmente ancorados no porto de Hong Kong. Drapejava ainda no Resting Cloud, embarcação na qual estava seu quartel-general, com quartos-fortes repletos de barras de ouro, escritórios, suítes luxuosas e salões de refeições.
É uma bela bandeira, pensou Struan, orgulhosamente.
O primeiro navio a içar a bandeira fora uma lorcha pirata carregada de ópio, que ele tomara à força. Piratas e corsários infestavam a costa, e as autoridades chinesas e portuguesas ofereciam uma recompensa em prata para quem os capturasse. Quando o vento impedia o contrabando de ópio, ou quando ele não tinha ópio algum para vender, esquadrinhava os mares da China. As barras de ouro ganhas com os piratas, investiu no ópio.
Maldito ópio, pensou. Mas sabia que sua vida estava inexoravelmente ligada ao ópio — e que, sem ele, nem a Casa Nobre e nem o Império Britânico poderiam existir.
A razão para tanto remontava a 1699, quando o primeiro navio britânico negociara pacificamente com a China e levara de volta sedas e, pela primeira vez, a inigualável planta chamada chá — que só a China, no mundo, produzia de maneira barata e em abundância. Em troca, o imperador só recebia barras de prata. E esta diretriz persistira, desde então.
Dentro de pouco mais de cinqüenta anos, o chá se tornara a bebida mais popular do mundo ocidental — particularmente na Grã-Bretanha, a maior nação comerciante da terra. Em setenta anos, o chá era a única fonte importante de renda interna de impostos para o Governo britânico. Num século, o fluxo de riqueza derramado na China esvaziara de maneira crítica o tesouro inglês, e a troca desequilibrada de chá por prata tornou-se uma catástrofe nacional.
No curso do século, a Companhia das índias Orientais Britânica — a gigantesca firma semiprivada, semipública que detinha, através de um decreto parlamentar, o monopólio do comércio indiano e asiático — oferecera de tudo, com crescente desespero — algodão, teares, até canhões e navios — em substituição à prata em barras. Mas os imperadores, autoritariamente, recusaram. Consideravam a China auto-suficiente, sentiam desprezo pelos “bárbaros”, como chamavam os não chineses, e encaravam todas as nações do mundo apenas como Estados vassalos da China.
E então, há trinta anos, um navio mercante britânico, o Vagrant Star, subira o Rio Pérola e ancorara ao largo da Ilha de Whampoa. Sua carga secreta era ópio, que a Bengala britânica produzia barato e abundante. Embora o ópio fosse usado na China há séculos — mas só os muito ricos o consumiam, e os moradores da Província de Yunnan, os locais onde a papoula também florescia — era considerado contrabando. A Companhia das índias Orientais autorizara clandestinamente o capitão do Vagrant Star a oferecer ópio. Mas só em troca de barras de prata. A Guilda de Mercadores Chineses que, por decreto imperial, monopolizava o comércio ocidental, comprou a carga e a vendeu em segredo, com grande lucro. O capitão do Vagrant Star, em particular, entregou as barras de prata a oficiais da Companhia, em Cantão, e tirou seu lucro em papel moeda, em Londres, voltando em seguida, às pressas, a Calcutá, a fim de conseguir mais ópio.
Struan lembrava-se bem do Vagrant Star. Ele fora camaroteiro a bordo. Nesta embarcação se tornara homem — e vira a Ásia. E jurara destruir Tyler Brock, na época terceiro-imediato do Vagrant Star. Struan tinha doze anos, Brock dezoito, e era muito forte. Brock o odiara à primeira vista e se deliciava em encontrar erros seus, cortar-lhe a ração de alimentos, mandá-lo fazer turnos extras, vigia de mastreação em ocasiões de mau tempo, em atormentá-lo, aguilhoá-lo. Ao menor engano, mandava amarrar Struan no cordame e açoitá-lo com os azorragues.
Struan ficara no Vagrant Star por dois anos. Então, certa noite, o navio bateu num recife, no Estreito de Málaca, e afundou. Struan nadou para a costa e conseguiu chegar a Cingapura. Mais tarde, soube que Brock sobrevivera também, e isto o fez sentir-se muito feliz. Queria vingança, à sua maneira, na ocasião oportuna.
Struan embarcou em outro navio. Agora, a Companhia das índias Orientais dava autorizações, secretamente, a muitos capitães negociantes independentes, cuidadosamente selecionados, e continuava a lhes vender com exclusividade o ópio de Bengala, a preços vantajosos. A Companhia começou a ter grandes lucros e adquiriu grande quantidade de barras de prata. A Guilda Chinesa de Mercadores e os mandarins fecharam os olhos para
o comércio ilícito, porque também tinham grandes lucros. E estes lucros, sendo secretos, não estavam sujeitos aos impostos imperiais.
O ópio se tornou a mercadoria de comércio de torna-viagem. A Companhia, rapidamente, monopolizou o fornecimento mundial de ópio, fora da província de Yunnan e do Império Otomano. Em vinte anos, as barras de prata trocadas pelo ópio contrabandeado igualavam as barras devidas pelos chás e pelas sedas.
Afinal, o comércio se equilibrava. Depois, houve uma ultrapassagem, porque havia vinte vezes mais clientes chineses do que clientes ocidentais, e aí começou um pasmoso fluxo de barras que mesmo a China não poderia agüentar. A Companhia ofereceu outras mercadorias para represar a maré. Mas o imperador permaneceu inflexíveclass="underline" barras de prata em troca do chá.
Quando Struan chegou aos vinte anos, era capitão de seu próprio navio, no comércio do ópio. Brock era seu principal rival. Competiam implacavelmente. Dentro de seis anos, Struan e Brock dominavam o mercado.
Os contrabandistas de ópio ficaram conhecidos como negociantes da China. Eram um grupo intrépido, rijo e enérgico, de capitães-proprietários, individualistas — ingleses, escoceses e alguns americanos — que, sem pensar duas vezes, dirigiam seus pequenos navios para águas desconhecidas e perigos ignorados, fazendo disto um estilo de vida. Navegavam para comerciar pacificamente: a fim de tirar lucros e não conquistar. Mas, se enfrentavam um mar hostil, ou um decreto hostil, seus barcos se tornavam navios de guerra. E, se não combatiam bem, desapareciam e eram logo esquecidos.
Os comerciantes da China logo perceberam que, enquanto eles assumiam todos os riscos, a Companhia ficava com a maior parte dos lucros. Além disso, eram completamente excluídos do comércio legítimo — e altamente lucrativo — de chá e seda. Então, embora continuassem a competir ferozmente, persuadidos por Struan começaram a se agitar, coletivamente, contra a Companhia, a fim de romper seu monopólio. Sem o monopólio, os comerciantes poderiam converter ópio em barras de prata, barras de prata em chá e, depois, levar o chá para seu país e vendê-lo diretamente aos mercados mundiais. Os negociantes da China controlariam eles próprios o comércio mundial de chá e seus lucros se tornariam gigantescos.