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Seu plano é sábio, Jin-qua disse a si próprio. Abriu os olhos, estendeu a mão e delicadamente tocou a de Struan.

— Amigo.

Jin-qua fez sinal ao criado para servir chá.— Meus homens levam barras para sua feitoria. Dois dias. Noite. Muito segredo. — Jin-qua disse. — Muito perigo, entende? Muito, muito.

— Entendo. Dou papel e carimbo meu pelas barras. Mande amanhã.

— Nenhum carimbo, nenhum papel. Palavra melhor, hein? Struan fez um aceno afirmativo com a cabeça. Como seria possível explicar — digamos, para Culum — que Jin-qua lhe dera um milhão em prata e um acordo justo, sabendo que poderia pedir quaisquer condições, que lhe dará todo o necessário, com um aperto de mão?

— Três vezes dez dólares laque paga Jin-qua, dívidas da Co-hong. Agora ano novo, nenhuma dívida. Bom pagode — disse Jin-qua orgulhosamente.

— Sim — disse Struan. — Bom pagode para mim.

— Muito peligo, Tai-Pan. Não pode ajudá.

— Sim.

— Muito, muito peligo. Deve esperar duas noites.

Ayeeee yah perigo! — disse Struan. Ele pegou as quatro metades das moedas.

— Obrigado, Chen-tsé Jin Arn. Muito obrigado.

— Não agladece, Dirk Struan. Amigo.

De repente, o homem que guiara Struan até Jin-qua apareceu correndo. Ele falou com urgência a Jin-qua, que se virou para Struan, assustado.

Cliados folam embola! Folam embola da Colônia. Todos folam!

CAPÍTULO SEIS

Struan sentou-se na liteira e ficou a se balançar, descontraidamente, ao sabor de suas oscilações, enquanto os cules que a carregavam iam trotando pelas vielas silenciosas. O interior do compartimento, fechado com cortinas, estava encardido e com manchas de suor. De vez em quando, ele espiava as vielas através das janelas laterais, que eram simples aberturas vedadas pelas cortinas. Não conseguia ver o céu, mas sabia que o amanhecer estava próximo. O vento carregava o fedor de frutas podres, de fezes, lixo, de cozinha e de temperos e, misturado com ele, o cheiro do suor dos cules.

Ele elaborara com Jin-qua um plano seguro para fazer as barras de ouro chegarem a Hong Kong. Combinara que Jin-qua as colocaria, em seus engradados, numa lorcha armada. Em duas noites, a lorcha deveria ser levada secretamente às docas da Colônia. Exatamente à meia-noite. Se isto não fosse possível, a lorcha deveria ser deixada perto da extremidade sul do cais, com uma lanterna no mastro dianteiro e outra na proa. Para garantir que não haveria erro, Jin-qua dissera que, como sinal, pintaria o olho do lado esquerdo da lorcha de vermelho. Toda lorcha tinha dois olhos entalhados na teca de suas proas. Os olhos eram para dar pagode e também para ajudar a alma do barco a ver em frente. Os chineses achavam que era essencial um barco ter olhos, para enxergar com eles.

Mas, por que Jin-qua me deixou ter Hong Kong segura? — perguntou a si mesmo. Certamente, Jin-qua deve perceber a importância de um mandarim. E por que desejará um filho educado em Londres? Será que Jin-qua, entre todos os chineses que conhecia, era o único com uma visão tão ampla a ponto de entender que, a longo prazo, haveria uma ligação permanente entre os destinos da China e os destinos da Grã-Bretanha?

Ele ouviu cachorros latindo e, através das cortinas, viu-os atacarem as pernas do cule da frente. Mas o cule, que carregava a lanterna adiante da liteira, correu para trás e, com uma habilidade advinda da prática, furou os cães com sua vara de ponta de ferro. Os cachorros fugiram correndo, a ganir, para dentro da escuridão.

Então Struan notou um grupo de bandeireiros desmontados — talvez cem deles — sentados num cruzamento distante. Estavam armados e tinham lanternas. Permaneciam agourentamente quietos. Vários dos homens levantaram-se e começaram a caminhar em direção à liteira. Os cules desviaram-se por uma viela, fazendo Struan sentir um grande alívio. Agora, tudo que você tem de fazer, rapazinho, ele disse a si próprio, é garantir a chegada das barras de prata a Hong Kong em segurança. Ou a Whampoa, de onde você pode transferi-las para o China Cloud. Mas até estarem em segurança a bordo, você não está seguro, rapazinho.

A liteira deu uma guinada, quando um cule quase tropeçou num dos buracos que pontilhavam o leito da estrada. Struan balançou-se dentro do espaço confinado, tentando segurar-se. Mais tarde viu mastros de navios, meio escondidos por choupanas. Em frente, não havia ainda nada reconhecível. A cadeira virou numa esquina, encaminhando-se em direção ao rio, depois cruzou uma estreita viela e entrou em outra. Afinal, mais adiante, por sobre as coberturas das choupanas, ele descortinou parte das edificações da Colônia, banhadas pelo luar.

Abruptamente, a liteira parou e foi posta no chão, atirando Struan para um lado. Ele abriu bruscamente as cortinas e saltou, com a faca na mão, justamente quando três lanças atravessavam os frágeis lados da cadeira.

Os três lanceiros tentavam desesperadamente libertar suas armas, quando Struan se atirou sobre o mais próximo, enfiou sua faca entre as costelas do homem e rodopiou, enquanto outro o atacava com um machado militar de lâmina dupla. A lâmina do machado cortou-lhe o ombro e ele fez uma careta de dor, mas desviou-se para um lado e lutou com o homem pela posse do machado. Arrancou-o da mão do homem e ele gritou, quando uma lança dirigida contra Struan espetou-o. Struan encostou-se à parede. O lanceiro restante cercou-o, arquejando e a praguejar. Struan negaceou e investiu contra ele com o machado, mas não acertou o alvo e o homem arremeteu. Sua lança furou o casaco de Struan, mas Struan rasgou-o, libertando-se, e enterrou sua faca até o cabo no estômago do homem e a torceu, estripando-o.

Struan pulou por sobre os corpos, mantendo as costas protegidas contra a parede, e ficou esperando. O homem que ele esfaqueara estava gemendo. Outro permanecia inerte. O que ele estripara, estava segurando o estômago e rastejava para mais longe.

Struan esperou um instante, recobrando as forças, e então uma flecha bateu no muro acima de sua cabeça. Ele pegou uma das lanças e desceu correndo a viela, em direção à Colônia. Ouviu ruídos de passos atrás dele, e correu mais depressa. Ao virar na esquina, viu que a Rua da Décima Terceira Feitoria estava logo adiante. Jogou fora a lança e ziguezagueou pela rua, entrando na Rua Hog, que percorreu até à praça, mais cheia de bandeireiros do que antes.

Antes que os bandeireiros pudessem interceptá-lo, cruzou o portão do jardim. Um mosquete deu-lhe uma pancada no estômago.

— Ah, é você, Dirk — disse Brock. — Onde diabo você estava?

— Fora. — Struan arquejava, procurando recuperar o fôlego. — Pelo sangue de Cristo, fui atacado por malditos salteadores de estrada.

— Esse sangue é seu, ou deles?

À luz de lanterna, Struan rasgou o casaco e a camisa, descobrindo o ombro ferido. O corte era nítido e raso, através do músculo do ombro.— Uma mordida de inseto — zombou Brock. Ele pegou uma garrafa de rum e derramou um pouco na ferida, sorrindo quando Struan piscou. Quantos eram?

— Três.

— E você deixou cortarem seu ombro? Está ficando velho! — Brock encheu dois copos de rum. Struan bebeu e se sentiu melhor.

— Pensei que você estava dormindo. Sua porta estava trancada. Para onde foi?

— O que está acontecendo aqui?

— Os criados sumiram há cerca de uma hora. É isso. Achei melhor não trazer todo mundo para cá antes do amanhecer. Quase meia centena de armas de fogo estavam cobrindo você, enquanto corria.