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Bom, acrescentou para si próprio, mesmo assim você tem sorte de estar aqui. Esta é a única guerra que temos, no momento. Pelo menos, a única guerra marítima. As outras são simples escaramuças; a mera tomada dos Estados indianos pagãos — caramba, eles adoram as vacas, queimam as viúvas e se curvam diante de ídolos — e as guerras afegãs. E ele sentiu uma irrupção de orgulho por integrar a maior armada da terra. Graças a Deus nascera inglês!

Abruptamente, notou que Brock se aproximava e ficou aliviado ao vê-lo interceptado por um homem baixo e gordo, sem pescoço, na casa dos trinta, com uma grande barriga que lhe sobrava por cima das calças. Era Morley Skinner, proprietário do Oriental Times, o mais importante entre os jornais ingleses do Oriente. Glessing lia todos os exemplares. Era bem escrito. É importante ter um bom jornal, pensou. Importante ter as campanhas bem registradas, para a glória da Inglaterra. Mas Skinner é um homem revoltante. E todo o resto deles. Bom, nem todos. O velho Aristotle Quance é uma exceção.

Deu uma olhada no homenzinho feio, sentado sozinho numa encosta de onde se descortinava a praia, num banco diante de um cavalete, obviamente pintando, sem parar. Glessing deu uma risadinha de si para consigo, lembrando os bons tempos que passara em Macau, com o pintor.

Além de Quance, Glessing não gostava de mais ninguém ali na praia, com exceção de Horatio Sinclair. Horatio era de sua idade, e Glessing tinha chegado a conhecê-lo muito bem, nos dois anos em que estivera no Oriente. Horatio era também auxiliar de Longstaff, seu intérprete e secretário — o único inglês no Oriente que falava e escrevia fluentemente o chinês — e eles tinham precisado trabalhar juntos.

Glessing perscrutou a praia e viu, com desagrado, que Horatio estava junto à rebentação, conversando com um austríaco, Wolfgang Mauss, um homem a quem ele desprezava. O reverendo Mauss era o único outro europeu no Oriente que escrevia e falava chinês. Era um homem grande, de barba negra — um padre renegado, intérprete e contrabandista de ópio de Struan. Havia pistolas em seu cinto e as abas de seu casaco de marinheiro estavam emboloradas. Seu nariz era vermelho e bulboso e o cabelo comprido, negro-acizentado, emaranhado e revolto como a barba. Os poucos dentes que lhe restavam estavam quebrados e escurecidos, e os olhos dominavam a obesidade do rosto.

Um contraste tão grande com Horatio, pensou Glessing. Horatio era louco, frágil e limpo como Nelson, a quem devia o nome — por causa de Trafalgar e porque ele perdera ali um tio.

Incluído na conversa dos dois, estava um eurasiano alto e esbelto, um rapaz que Glessing só conhecia de vista, Gordon Chen, bastardo de Struan.

Caramba, pensou Glessing, como podem os ingleses exibir tão abertamente bastardos mestiços? E este se vestia como todos os malditos pagãos, uma roupa comprida, com um rabicho horroroso caindo-lhe pelas costas. Se não fossem os olhos azuis e a pele clara, ninguém diria que ele tinha sequer uma gota de sangue inglês. Por que diabo não corta o cabelo como um homem? Nojento.

Glessing virou as costas para eles. Suponho que o mestiço nada tem de errado, não é culpa dele. Mas aquele maldito Mauss é má companhia. Má para Horatio e má para sua irmã, a querida Mary. Ah, uma moça que vale a pena conhecer! Será uma boa esposa, caramba.

Ele hesitou, em sua caminhada. Era a primeira vez que considerava realmente Mary como uma possível companheira.

Por que não? Perguntou a si próprio. Você a conhece há dois anos. Ela é a flor de Macau. Dirige a casa Sinclair impecavelmente e trata Horatio como um príncipe. A comida é a melhor da cidade e ela dirige os criados maravilhosamente. Toca harpa como um sonho e canta feito um anjo, Deus é testemunha. Obviamente, ela gosta de você — por que outra razão você teria um convite permanente para jantar, sempre que você e Horatio estão em Macau? Então, por que não casar, hein? Mas ela nunca esteve lá em nosso país. Passou a vida inteira entre pagãos. Não tem nenhuma renda. Os pais estão mortos. Mas que importância tem isso, hein? O reverendo Sinclair era respeitado em toda Ásia, quando vivo, e Mary é linda e tem apenas vinte anos. Minhas perspectivas são excelentes. Tenho quinhentas libras por ano e herdarei, um dia, a casa senhorial e as terras. Caramba, talvez ela seja a mulher indicada para mim. Poderíamos casar-nos em Macau, na igreja inglesa, e alugar uma casa até terminar esta incumbência, e então iremos para nossa terra. Quando chegar a hora, eu direi a Horatio — “Horatio, meu velho, há uma coisa a respeito da qual quero falar com você...”.

— Por que essa demora toda, Capitão Glessing? — A voz rouca de Brock encerrou seu sonho. — Oito toques do sino marcaram a hora de hastear a bandeira, e já se passou uma hora.

Glessing deu uma volta. Não estava acostumado com um tom de voz agressivo de pessoa alguma com escalão inferior a vice-almirante.

— A bandeira será içada, Sr. Brock, quando acontecerem uma ou duas coisas. Basta Sua Excelência desembarcar, ou um tiro de canhão dar o sinal, da nau capitania.

— E quando vai ser isso?

— Observo que não estão ainda com a representação completa.

— Refere-se a Struan?

— Claro. Ele não é o Tai-Pan da Casa Nobre? — Glessing disse isto deliberadamente, sabendo que irritaria Brock. Depois, acrescentou — sugiro que tenha paciência. Ninguém mandou nenhum de vocês, comerciantes, desembarcarem.

Brock enrubesceu.

— Seria melhor que aprendesse a diferença entre comerciantes e mercadores. — Movimentou seu naco de tabaco para mascar na bochecha, e cuspiu nas pedras, junto aos pés de Glessing. Alguns pingos de saliva mancharam o brilho dos sapatos de fivelas prateadas. — Perdão — disse Brock, com fingida humildade, e se afastou.

O rosto de Glessing gelou. Se não fosse o “perdão” ele o teria desafiado para um duelo. Miserável ralé, ele pensou, cheio de desprezo.

— Com licença, senhor — disse o mestre-d’armas, fazendo continência — o sinal da nau capitania.

Glessing semicerrou os olhos, ao vento forte. Diziam as bandeiras de sinalização: “Todos os capitães se apresentem a bordo, quando soarem quatro badaladas do sino.” Glessing estivera presente, a noite passada, numa reunião particular com o almirante e Longstaff. O almirante dissera que o contrabando de ópio era a causa de todos os problemas da Ásia. “Deus do céu, senhor, eles não têm nenhum senso de decência”, explodira ele. “Só pensam em dinheiro. Eliminem o ópio, e não teremos mais nenhum maldito problema com os malditos pagãos, ou os malditos negociantes. A Marinha Real cumprirá sua ordem, por Deus!” E Longstaff concordara, justificadamente. Suponho que a ordem será anunciada hoje, pensou Glessing, esforçando-se para conter sua satisfação. Bom. E estava na hora. Fico imaginando se Longstaff acabou de dizer a Struan que está dando a ordem.

Deu uma olhada para trás, em direção à chalupa que se aproximava, lentamente. Struan o fascinava. Ele o admirava e detestava — o marinheiro mestre que pilotara navios em todos os oceanos do mundo, que destruíra homens, companhias e navios para a glória da Casa Nobre. Tão diferente de Robb, pensou Glessing; eu gosto de Robb.

Estremeceu, sem querer. Talvez houvesse alguma verdade nas histórias sussurradas pelos marinheiros em todos os mares da China, histórias de que Struan cultuava em segredo o Demônio e, em troca, o Demônio lhe dera poder sobre a terra. De que outra maneira poderia um homem de sua idade ter um aspecto tão jovem e ser tão forte, com dentes brancos e todo o cabelo, e os reflexos de um rapaz, quando, na maioria, os homens estariam enfermos e gastos, e perto da morte? Por certo, os chineses sentiam terror de Struan. “O velho rato com os olhos verdes do Diabo”, eles o apelidaram, e puseram-lhe a cabeça a prêmio. Pois ninguém o apanharia vivo.