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— Como ela morreu? — repetiu Mikael.

— Não sei — respondeu Henrik Vanger com um olhar atormentado. — Só conseguimos retirar Aronsson do carro por volta das cinco da tarde (aliás, mesmo gravemente ferido, ele sobreviveu) e as seis a ameaça de incêndio já não existia. A ilha continuava isolada, mas as coisas começavam a se acalmar. Só nos demos conta da ausência de Harriet no momento em que nos sentamos à mesa para um jantar tardio, às oito da noite. Enviei uma de suas primas para chamá-la no quarto, mas ela voltou dizendo que não a encontrara. Isso não me deixou muito inquieto; achei que ela resolvera dar uma volta ou que não fora informada de que o jantar estava servido. E durante a noite estive ocupado com diversas disputas familiares. Só na manhã seguinte, porque Isabella a procurava, é que percebemos que ninguém sabia onde ela estava e que ninguém a vira desde a véspera.

Ele abriu amplamente os braços.

— Desde esse dia, Harriet Vanger continua desaparecida, sem que haja o menor sinal dela.

— Desaparecida? — ecoou Mikael.

— Em todos esses anos não conseguimos descobrir nada, nem um fragmento microscópico dela.

— Mas, se ela desapareceu, então não se pode afirmar que tenha sido assassinada.

— Entendo sua alegação. Meus pensamentos seguiram o mesmo caminho. Quando alguém desaparece sem deixar sinal, quatro coisas podem ter acontecido. A pessoa resolveu desaparecer por livre e espontânea vontade e está escondida. Pode ter sofrido um acidente fatal. Pode ter se suicidado. E, por fim, pode ter sido vítima de um crime. Pesei todas as possibilidades.

— E por que acha que alguém a matou?

— Porque é a única conclusão plausível. Henrik Vanger levantou um dedo e continuou:

— No início achei que ela tivesse fugido. Mas os dias se passaram e todos nós percebemos que não era esse o caso. Quero dizer: uma jovem de dezesseis anos que vivia num ambiente relativamente protegido, mesmo sendo esperta, como poderia se virar, se esconder e permanecer escondida sem ser descoberta? Onde conseguiria dinheiro? E, mesmo se arranjasse trabalho em algum lugar, precisaria de um documento de identidade e de um endereço.

Levantou dois dedos.

— Meu segundo raciocínio, evidentemente, é que ela tenha sofrido um acidente. Faça-me um favor, abra a gaveta de cima da escrivaninha. Vai encontrar um mapa ali.

Mikael fez o que ele pedia, depois abriu o mapa sobre a mesa baixa. Hedebyön, a ilha, era uma massa de terra irregular de cerca de três quilômetros de comprimento e um e meio em sua parte mais larga. Um bom trecho da ilha era constituído de floresta. As moradias se concentravam ao redor da ponte e do porto de recreio; na outra extremidade da ilha havia uma fazenda, Östergarden, de onde o infeliz Aronsson iniciara seu trajeto de carro.

— Lembre que ela não deixou a ilha — sublinhou Henrik Vanger. — Aqui em Hedebyön pode-se morrer num acidente como em qualquer lugar do mundo. A pessoa pode ser atingida por um raio, embora naquele dia não tivesse desabado nenhuma tempestade. Pode ser pisoteada por um cavalo, cair num poço ou numa furna. Certamente há inúmeras maneiras de se sofrer um acidente aqui. Refleti sobre tudo isso.

Ele ergueu um terceiro dedo.

— Resta um problema, e equivale também à terceira possibilidade: que, contra todas as expectativas, ela tenha se suicidado. Mas então o corpo teria sido encontrado em alguma parte desta área tão limitada.

Henrik Vanger espalmou a mão no meio do mapa.

— Nos dias seguintes ao desaparecimento, organizamos uma batida, primeiro num sentido, depois no outro. Os homens vasculharam o menor fosso, a menor porção de mato, tudo que se assemelhasse a uma furna ou a um monte de terra. Examinamos cada construção, cada chaminé, cada poço, cada granja, cada celeiro.

O velho moveu a cabeça e olhou para fora. Começava a escurecer. Sua voz ficou mais baixa e mais intimista.

— No outono continuei procurando-a, depois que as buscas tinham se encerrado e todos já haviam desistido. Quando eu não estava ocupado com meu trabalho, percorria a ilha em todas as direções. O inverno chegou sem que tivéssemos encontrado o menor sinal dela. Na primavera eu prossegui, mesmo sabendo que meus esforços eram irracionais. O verão chegou, contratei três peritos em floresta, que reiniciaram as buscas com cães. Eles rastrearam sistematicamente cada metro quadrado da ilha. Eu começava a considerar que alguém podia ter feito mal a ela. Assim, eles buscavam uma espécie de cova onde a tivessem enterrado. Procuraram por três meses. Não encontramos o menor sinal de Harriet. É como se ela tivesse evaporado.

— Há outras possibilidades — lembrou Mikael.

— Diga.

— Ela pode ter se afogado, acidental ou voluntariamente. Estamos numa ilha e a água pode ocultar muitas coisas.

— E verdade. Mas não é muito provável. Veja: se Harriet sofreu um acidente e se afogou, isso logicamente deve ter acontecido muito perto do povoado. Lembre que a confusão na ponte era o maior drama que Hedebyön vivia desde muitas décadas, e seria estranho uma jovem de dezesseis anos escolher bem esse momento para ir passear do outro lado da ilha. Mais importante ainda — prosseguiu — é que não há muitas correntes por aqui, e nessa época do ano os ventos costumam soprar do norte e do nordeste. Qualquer coisa que caísse na água teria sido lançada à praia do lado da terra firme, onde há construções praticamente ao longo de toda a costa. Claro que pensamos nisso e investigamos todos os locais onde ela poderia ter caído na água. Também contratei jovens de um clube de mergulho de Hedestad. Passaram o verão esquadrinhando o fundo do canal e das praias próximas... Nenhum sinal. Estou convencido de que ela não está no mar, senão a teríamos encontrado.

— E se ela sofreu um acidente em outra parte? A ponte estava fechada, é verdade, mas a distância entre a ilha e o continente não é grande. Ela pode ter atravessado a nado ou de barco.

— Era final de setembro, a água estava muito fria. Se Harriet decidisse tomar banho no meio da confusão geral, teria sido vista e chamaria a atenção. Havia gente na ponte e, do lado da terra firme, duzentas ou trezentas pessoas observavam a cena.

— E um barco?

— Naquele dia havia exatamente treze barcos em Hedebyön. A maioria já havia deixado o mar. No porto de recreio, apenas dois estavam na água. Havia sete barcos, cinco dos quais já trazidos para a praia. Abaixo do presbitério, havia um bote recolhido em terra e um na água. Todos esses barcos foram verificados e se achavam exatamente em seus respectivos lugares. Se ela tivesse feito a travessia a remo, teria sido obrigada a deixar a embarcação do outro lado.

Henrik Vanger levantou um quarto dedo.

— Só resta uma possibilidade verossímil, a de que Harriet desapareceu contra a sua vontade. Alguém lhe fez mal e deu sumiço no corpo.

Lisbeth Salander passou a manhã de Natal lendo o controvertido livro de Mikael Blomkvist sobre jornalismo econômico. O livro tinha duzentas e dez páginas e chamava-se Os templários, com o subtítulo O jornalismo econômico em questão. A capa, de design muito moderno, assinada por Christer Malm, representava a Bolsa de Estocolmo. Christer trabalhara no Photoshop e o observador levava algum tempo para perceber que o prédio flutuava livremente no ar. Não havia fundo. Difícil imaginar uma capa mais explícita e eficaz para dar o tom do que viria a seguir.

Salander constatou que Blomkvist tinha um estilo excelente. O livro era escrito de maneira direta e envolvente, e mesmo pessoas que não conheciam os meandros do jornalismo econômico podiam ler e tirar proveito. O tom era mordaz e sarcástico, mas sobretudo convincente.

O primeiro capítulo era uma espécie de declaração de guerra em que Blomkvist falava sem papas na língua. Os analistas econômicos suecos haviam se tornado, nos últimos anos, um grupo de lacaios incompetentes, que se julgavam importantes e não possuíam o menor pensamento crítico. Mikael chegava a essa conclusão depois de mostrar que os jornalistas econômicos se contentavam o tempo todo, e sem a menor objeção, em reproduzir as afirmações transmitidas por dirigentes de empresas e especuladores da Bolsa — mesmo quando essas afirmações eram claramente falaciosas e errôneas. Esses jornalistas, portanto, ou eram ingênuos e crédulos que deviam ser demitidos de seus cargos, ou, pior, gente que traía deliberadamente sua missão jornalística por não proceder a exames críticos e por não fornecer ao público uma informação correta. Blomkvist escrevia que muitas vezes se envergonhava de ser qualificado como jornalista econômico, pois se arriscava a ser confundido com pessoas que ele não considerava nem mesmo jornalistas.