Eram pouco mais de quatro da tarde quando Mikael terminou a arrumação. Pôs as meias grossas de lã, as botas e vestiu um pulôver suplementar. Quando ia sair, deteve-se diante da porta: não lhe haviam dado as chaves da casa, e seu instinto de habitante de Estocolmo revoltava-se contra a idéia de deixar a porta de entrada aberta. Voltou à cozinha e vasculhou as gavetas. Acabou por encontrar a chave pendurada num prego no guarda-comida.
O termômetro descera a menos dezessete. Mikael atravessou a ponte com passos rápidos e subiu a encosta diante da igreja. O supermercado Konsum ficava a apenas trezentos metros. Encheu duas sacolas de papel com produtos básicos, que transportou para casa. Antes de cruzar a ponte uma segunda vez, passou pelo Café Susanne. Perguntou a uma mulher de cinquenta anos, atrás do balcão, se ela era a Susanne do letreiro e apresentou-se dizendo que provavelmente viria com regularidade durante algum tempo. Era o único freguês e Susanne ofereceu-lhe café para acompanhar o sanduíche que ele pediu. Mikael comprou também pão e croissants. Pegou o Hedestads-Kuriren do mostruário de jornais e instalou-se numa mesa, de onde avistava a ponte e a igreja, cuja fachada estava iluminada e parecia, na obscuridade, um cartão de Natal. Quatro ou cinco minutos foram suficientes para ler o jornal. A única informação interessante era um artigo curto que dizia que um representante da comunidade, Birger Vanger (liberal), queria investir no IT TechCent — um centro de desenvolvimento tecnológico em Hedestad. Ficou ali por meia hora, até que o café fechasse, às seis.
Às sete e meia, Mikael ligou para Erika, mas só obteve como resposta uma voz dizendo que o telefone procurado não estava disponível. Sentou-se no banco da cozinha e tentou ler um romance, que, pelo que dizia a quarta capa, era a estréia sensacional de uma adolescente feminista. O romance narrava as tentativas da autora de pôr ordem em sua vida sexual durante uma viagem a Paris, e Mikael se perguntou se o chamariam de feminista se ele próprio escrevesse um romance com um vocabulário de colegial sobre sua vida sexual. Provavelmente não. Uma das razões que levaram Mikael a comprar o livro era que o editor descrevia a estreante como "uma nova Carina Rydberg". Logo constatou que não era nada disso, nem no estilo nem no conteúdo. Fechou o livro e começou a ler uma novela sobre Hopalong Cassidy numa Rekordmagasinet dos anos 1950.
Cada meia hora era pontuada por um breve toque do sino da igreja. Havia luz nas janelas da casa de Gunnar Nilsson, o faz-tudo do outro lado da estrada, mas Mikael não distinguia ninguém no interior. A casa de Harald Vanger estava mergulhada na escuridão. Por volta das nove da noite, um carro atravessou a ponte e desapareceu em direção ao promontório. Cerca de meia-noite, a iluminação da fachada da igreja se apagou. Aparentemente, resumiam-se a isso as distrações que Hedeby oferecia numa noite de sexta-feira naquele começo de janeiro. O silêncio era impressionante.
Tentou falar com Erika mais uma vez, e ouviu uma voz pedindo que deixasse uma mensagem. Fez isso, depois apagou a luz e foi se deitar. Seu último pensamento antes de dormir foi que corria o sério risco de enlouquecer com o isolamento em Hedeby.
Despertar num silêncio total foi completamente inusitado para ele. Mikael passou do sono profundo a um estado de vigília absoluta numa fração de segundos e em seguida permaneceu tranquilo, escutando. O frio reinava no cômodo. Virou a cabeça e olhou o relógio que pusera num banquinho ao lado da cama: 7h08. Nunca acordava cedo e precisava de duas chamadas do despertador para levantar. Mas ali, despertado sem alarme, sentia-se repousado.
Esquentou água para o café antes de tomar um banho, onde foi subitamente invadido pela sensação prazerosa da autocontemplação. Super-Blomkvist, o explorador das causas perdidas.
Ao mais leve toque, o misturador passava de uma água escaldante para uma água gelada. Não havia jornal para ler no café-da-manhã. A manteiga congelara e não havia fatiador de queijo na gaveta dos talheres. Lá fora, ainda estava tudo escuro. O termômetro indicava vinte e um graus negativos. Era um sábado.
O ponto de ônibus na aldeia Hedeby ficava diante do supermercado Konsum, e Mikael iniciou seu exílio indo às compras. Em Hedestad, desceu em frente à estação e foi até o centro da cidade para comprar calçados de inverno, duas ceroulas, algumas camisas de flanela, uma jaqueta espessa, gorro de lã e luvas forradas. Na Teknikbutiken, encontrou um pequeno aparelho de televisão com antena telescópica. O vendedor garantiu que na aldeia ele conseguiria captar pelo menos a rede nacional, e Mikael o fez prometer um reembolso caso não fosse verdade.
Inscreveu-se na biblioteca e emprestou dois romances policiais de Elizabeth George. Numa papelaria, adquiriu canetas e blocos de notas. Comprou também uma mochila para carregar suas novas aquisições.
Para terminar, comprou um maço de cigarros. Parara de fumar dez anos antes, mas tinha recaídas episódicas e estava sentindo uma necessidade súbita de nicotina. Pôs o maço no bolso da jaqueta sem abri-lo. A última visita foi a uma ótica, onde procurou um produto de limpeza e encomendou novas lentes de contato.
Aproximadamente às duas da tarde, já de volta à ilha, estava retirando as etiquetas das roupas, quando ouviu a porta de entrada ser aberta. Uma mulher loura de uns cinquenta anos bateu na porta da cozinha ao entrar. Trazia um pão-de-ló num prato.
— Bom dia, venho desejar as boas-vindas. Meu nome é Helen Nilsson, moro do outro lado da estrada. Somos vizinhos agora.
Mikael apertou-lhe a mão e se apresentou.
— Sim, já vi você na tevê. É agradável ver luz acesa à noite na casa dos convidados.
Mikael preparou café — ela primeiro o recusou, mas acabou sentando-se à mesa da cozinha. Olhou pela janela.
— Aí vem vindo Henrik com meu marido. Estão trazendo caixas para o senhor, acredito.
Henrik Vanger e Gunnar Nilsson detiveram-se diante da casa com um carrinho de mão e Mikael saiu depressa para cumprimentar os dois homens e ajudar a carregar quatro pesadas caixas. Depuseram-nas no chão, ao lado do aquecedor a lenha. Mikael serviu mais xícaras de café e cortou em fatias o pão-de-ló de Helen.
Gunnar e Helen Nilsson eram pessoas simpáticas. Não pareciam muito curiosos de saber por que Mikael se achava em Hedestad — trabalhar para Henrik Vanger parecia-lhes uma explicação suficiente. Mikael constatou que os Nilsson e Henrik Vanger tratavam-se de maneira muito natural, sem distinção entre patrão e empregados. Falavam da aldeia e de quem construíra a casa onde Mikael habitava. O casal corrigia Vanger quando sua memória falhava; este, por sua vez, contou com humor a vez em que Gunnar Nilsson, ao voltar para casa tarde da noite, avistou o retardado mental da aldeia tentando entrar pela janela da casa dos convidados, e então perguntou ao pobre-coitado por que não entrava pela porta, que não estava trancada. Gunnar Nilsson observou com ceticismo o pequeno aparelho de televisão e convidou Mikael a ir à casa deles à noite, quando quisesse ver algum programa. Tinham uma parabólica.
Henrik Vanger ficou mais um momento depois que os Nilsson foram embora. O velho explicou que preferia deixar o próprio Mikael fazer uma seleção dos arquivos e que viria vê-lo se surgisse um problema. Mikael agradeceu, certo de que seria melhor assim.
Quando voltou a ficar a sós, Mikael levou as caixas para a saleta de trabalho e começou a examinar seu conteúdo.
As investigações pessoais de Henrik Vanger sobre o desaparecimento de sua jovem sobrinha haviam sido feitas ao longo de trinta e seis anos. Mikael tinha dificuldade de determinar se o interesse devia-se a uma obsessão doentia ou se, com o passar do tempo, transformara-se num jogo intelectual. O certo é que o velho patriarca pusera mãos à obra com a aplicação de um arqueólogo amador. As pastas, enfileiradas, chegavam a quase sete metros.