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Henrik(1920-)

esp. Edith (1921-1958)

sem filhos

Seja como for, ele abriu sua caixa de mensagens e passou os olhos pelos trezentos e cinquenta e-mails que lhe haviam sido enviados na última semana. Conservou uma dúzia deles, o resto eram spams ou mailings dos quais era assinante. O primeiro e-mail que abriu era de demokrat88@yahoo.com e dizia: "Espero que nesse buraco te façam chupar muitos paus, seu comunista sujo". Mikael arquivou o e-mail numa pasta intitulada Crítica Inteligente.

Escreveu uma breve mensagem a erika.berger@millenium.se.

 [Oi, Ricky. Suponho que está com muita raiva de mim, pois não atende os meus chamados. Quero apenas te dizer que agora estou na internet e podemos conversar por e-mail, se você quiser me perdoar. Fora isso, Hedeby é um lugarzinho rústico que vale uma visita. M.]

Na hora do almoço, pôs o notebook na bolsa e foi até o Café Susanne, onde se acomodou na habitual mesa de canto. Quando Susanne lhe serviu um café com sanduíche, ela lançou um olhar de curiosidade ao computador e perguntou no que ele estava trabalhando. Mikael utilizou pela primeira vez seu pretexto e explicou que Henrik Vanger o contratara para escrever uma biografia. Trocaram algumas palavras polidas. Susanne convidou Mikael a procurá-la quando estivesse preparado para as verdadeiras revelações.

— Atendo os Vanger há trinta e cinco anos e conheço a maior parte dos mexericos da família — ela falou, antes de voltar à cozinha com um passo meio gingado.

O quadro que Mikael desenhou indicava que a família Vanger não cessava de produzir novos rebentos. Somando os filhos, netos e bisnetos — que ele nem se deu o trabalho de mencionar —, os irmãos Fredrik e Johan Vanger tinham cerca de cinquenta descendentes. Mikael constatou também que havia na família uma tendência à longevidade. Fredrik Vanger morrera com setenta e oito anos, seu irmão Johan com setenta e dois. Ulrika Vanger falecera com oitenta e quatro. Dos dois irmãos ainda vivos, Harald tinha noventa e dois anos e Henrik Vanger oitenta e dois.

A única exceção fora Gustav, o irmão de Henrik, morto de uma doença pulmonar aos trinta e sete anos. Henrik explicou que Gustav sempre tivera a saúde frágil e seguira seu próprio caminho, um pouco à margem do resto da família. Não se casou nem teve filhos.

Quanto aos demais, os que morreram jovens não sucumbiram a doenças, mas por outros motivos. Richard Vanger foi morto como voluntário durante a guerra de Inverno da Finlândia, com trinta e quatro anos. Gottfried Vanger, o pai de Harriet, havia se afogado um ano antes do desaparecimento da filha. E a própria Harriet tinha então somente dezesseis anos. Mikael notou a estranha coincidência nesse ramo da família em que avô, pai e filha foram vítimas de acidentes. De Richard restava apenas Martin Vanger, que aos cinquenta e cinco anos continuava solteiro e sem filhos. Henrik Vanger informou, porém, que Martin tinha uma companheira, uma mulher que morava em Hedestad.

Martin tinha dezoito anos quando a irmã desapareceu. Fazia parte dos raros parentes próximos que, com toda a certeza, não podiam ter ligação alguma com o desaparecimento. Naquele outono, ele morava em Uppsala, onde concluía o colegial. Devia participar da reunião de família, mas só chegou no fim da tarde e ficou retido do outro lado da ponte durante a hora crítica em que a irmã evaporou.

Mikael notou duas outras particularidades na árvore genealógica. A primeira é que os casamentos pareciam ser vitalícios; nenhum membro da família Vanger se divorciara nem voltara a se casar, mesmo quando o parceiro havia morrido jovem. Perguntou-se qual a frequência disso em termos estatísticos. Cecilia Vanger estava separada do marido havia vários anos, mas, se Mikael tinha entendido bem, ainda eram casados.

A outra particularidade é que a família parecia geograficamente dividida entre "homens" e "mulheres". Os descendentes de Henrik Vanger, aos quais Henrik pertencia, tradicionalmente haviam desempenhado papel de destaque na empresa e morado principalmente em Hedestad ou arredores. Os membros do ramo Johan Vanger — apenas mulheres na primeira geração — espalharam-se por outros cantos do país; moravam em Estocolmo, Malmö e Göteborg ou no exterior, e só vinham a Hedestad para as férias de verão e as reuniões importantes do grupo. A única exceção era Ingrid Vanger, cujo filho Gunnar Karlman morava em Hedestad. Era o redator-chefe do jornal local, o Hedestads-Kuriren.

Na conclusão de seu inquérito pessoal, Henrik observava que o "motivo por trás do assassinato de Harriet" devia ser buscado, talvez, na estrutura da empresa e no fato de ele ter assinalado muito cedo as qualidades excepcionais de Harriet. A intenção talvez fosse prejudicar o próprio Henrik, ou então Harriet descobrira uma espécie de informação delicada relativa ao grupo e se convertera numa ameaça para alguém. Tudo isso não passava de especulação, mas, partindo dessa hipótese, ele identificou um círculo de treze pessoas que apresentava como "particularmente interessantes".

A conversa da véspera com Henrik Vanger também esclarecera Mikael sobre outro ponto. Desde a primeira conversa, o velho falara da família em termos tão desdenhosos e degradantes que chegava a ser estranho. Mikael se perguntara se as suspeitas do patriarca sobre a família, quanto ao desaparecimento de Harriet, haviam afetado seu juízo, mas agora começava a entender que a avaliação de Henrik era, na verdade, de uma clarividência estupenda.

A imagem que começava a se esboçar revelava uma família bem-sucedida social e economicamente, mas claramente cheia de disfunções no cotidiano.

O pai de Henrik Vanger, homem frio e insensível, trouxera os filhos ao mundo e depois delegara à esposa o cuidado com sua educação e seu bem-estar. Eles raramente viam o pai antes de completarem dezesseis anos, exceto nas festas de família às quais deviam comparecer e ficar invisíveis. Henrik Vanger não se lembrava do pai manifestando, de alguma maneira, algum tipo de amor; ao contrário, várias vezes Henrik fora chamado de incompetente e recebera críticas arrasadoras. Castigos corporais eram raros por serem desnecessários. Só veio a ganhar o respeito do pai mais tarde, quando passou a trabalhar para o grupo Vanger.

O irmão mais velho, Richard, se revoltara. Após uma disputa cujo motivo nunca foi discutido em família, Richard partiu para Uppsala com a intenção de lá estudar. Foi quando iniciou sua carreira nazista, já mencionada por Henrik a Mikael, e que mais tarde o levaria às trincheiras da guerra de Inverno da Finlândia.

O que o velho ainda não havia contado é que dois outros irmãos tomaram caminhos idênticos.

Harald Vanger e seu irmão Greger seguiram os passos do irmão mais velho em Uppsala, em 1930. Harald e Greger eram muito próximos, mas Henrik Vanger não sabia dizer se conviveram muito com Richard. O certo é que os irmãos aderiram ao movimento fascista de Per Engdahl, a Nova Suécia. Harald Vanger manteve-se leal a Per Engdahl ao longo dos anos, primeiro na União Nacional da Suécia, depois na Oposição sueca e, por fim, no Movimento neo-sueco, desde sua fundação, no final da guerra. Continuou como membro até a morte de Per Engdahl nos anos 1990 e em alguns períodos foi um dos mais importantes financiadores do fascismo sueco remanescente.

Harald Vanger formou-se médico em Uppsala e em seguida envolveu-se com grupos entusiastas por higiene e biologia racial. Em certa época, trabalhou no instituto sueco de biologia das raças e, como médico, foi um agente de primeira ordem na campanha de esterilização dos elementos indesejáveis da população.

Declaração de Henrik Vanger, cassete 2, 02950:

Harald foi mais longe ainda. Em 1937, foi co-autorsob pseudônimo, graças a Deus!de um livro intitulado A Nova Europa dos povos. Fiquei sabendo disso só nos anos 1970. Tenho uma cópia que você pode ler. E provavelmente um dos livros mais ignóbeis já publicados na Suécia. Harald não argumenta apenas a favor da esterilização, mas também da eutanásiauma ajuda ativa para morrer direcionada às pessoas que perturbavam seu gosto estético e não se adaptavam à sua imagem do sueco perfeito. Ou seja, um arrazoado a favor do massacre, redigido numa prosa acadêmica impecável e contendo todos os argumentos médicos necessários. Livremo-nos dos retardados. Não deixemos a população dos lapões aumentar; eles possuem genes mongóis. Os doentes mentais aceitarão a morte como uma libertação, não é mesmo? Mulheres de maus costumes, vagabundos, ciganos e judeuspode-se ter uma idéia do quadro. Nos fantasmas do meu irmão, Auschwitz podia ser aqui mesmo, na Dalecarlia.