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Depois da guerra, Greger Vanger se tornou professor e mais tarde diretor do colégio de Hedestad. Henrik achava que ele havia abandonado o nazismo após a guerra e se tornado apolítico. Morreu em 1974, e só quando Henrik examinou seus papéis é que ficou sabendo, pelas cartas conservadas, que nos anos 1950 seu irmão aderira ao Partido Nórdico Nacional, o NRP, uma seita sem importância política mas totalmente desmiolada, da qual foi membro até falecer.

Declaração de Henrik Vanger, cassete 2, 04167: "Três dos meus irmãos eram, portanto, politicamente dementes. Até onde iria a doença deles em outras circunstâncias?"'.

O único irmão benquisto, em certa medida, por Henrik Vanger, era Gustav, de saúde frágil e vítima de uma doença pulmonar em 1955. Gustav não se interessava por política e era visto sobretudo como um espírito artístico distante do mundo, sem o menor interesse pelos negócios nem por uma atividade no grupo Vanger. Mikael perguntou a Henrik:

— Restam apenas você e Harald hoje. Por que ele voltou a morar em Hedeby?

— Ele voltou em 1979, pouco antes de seus setenta anos. A casa lhe pertence.

— Deve ser estranho viver tão perto de um irmão odiado. Henrik Vanger olhou Mikael, surpreso.

— Você me entendeu mal. Não odeio meu irmão. Na verdade, tenho pena dele; é um perfeito imbecil. E ele quem me odeia.

— Ele odeia você?

— Muito. Acho que foi por isso que voltou a viver aqui. Para poder passar seus últimos anos me odiando de perto.

— Por que ele te odeia?

— Porque me casei.

— Acho que terá que me explicar isso.

Henrik Vanger perdera o contato com os irmãos mais velhos bastante cedo. Era o único dos cinco que revelava talento para os negócios — a última esperança do pai. Não se interessava por política e evitou Uppsala, tendo preferido estudar economia em Estocolmo. Desde os dezoito anos, passou todas as suas férias estagiando num dos muitos escritórios do grupo Vanger ou colaborando nos conselhos de administração. Ficou conhecendo todos os labirintos da sociedade familiar.

Em 10 de junho de 1941 — no auge da Segunda Guerra —, Henrik foi enviado à Alemanha para uma visita de seis semanas aos escritórios comerciais do grupo Vanger em Hamburgo. Tinha vinte e um anos, e o representante alemão das empresas Vanger, um veterano idoso chamado Herman Lobach, serviu-lhe de protetor e mentor.

— Não vou fatigá-lo com todos os detalhes, mas naquele momento Hitler e Stalin ainda eram bons amigos e não havia até então combates no fronte oriental. Todos achavam Hitler invencível. Havia um sentimento de... otimismo e desespero, acho que são as palavras adequadas. Mais de meio século depois, continua sendo difícil encontrar palavras apropriadas. Não me entenda maclass="underline" nunca fui nazista e Hitler me parecia um personagem ridículo de opereta. Mas era difícil não se contaminar pela fé no futuro que reinava entre as pessoas comuns de Hamburgo. A guerra se aproximava lentamente e vários bombardeios ocorreram em minha temporada na cidade; apesar disso, todos pareciam pensar que era um momento de irritação passageiro: a paz logo chegaria e Hitler ia instaurar sua Neuropa, a nova Europa. As pessoas queriam acreditar que Hitler era Deus: é o que a propaganda dava a entender. Henrik Vanger abriu um de seus numerosos álbuns fotográficos.

— Este é Hermann Lobach. Ele desapareceu em 1944, provavelmente morto e sepultado durante um bombardeio. Nunca soubemos que destino ele teve. Na minha temporada em Hamburgo, fiquei muito amigo dele. Eu tinha um quarto na sua suntuosa residência, num bairro onde só moravam famílias ricas. Nós nos víamos diariamente. Era tão pouco nazista quanto eu, mas filiara-se ao partido por comodidade. A carteira de membro abria portas e facilitava suas chances de negócio em favor do grupo Vanger, e negócios era exatamente o que fazíamos. Construíamos vagões para trens, e ainda hoje me pergunto se esses vagões partiam com destino à Polônia. Vendíamos tecidos para os uniformes e tubos catódicos para aparelhos de rádio, mas oficialmente não fazíamos idéia de para que servia a mercadoria. E Hermann Lobach sabia como agir para obter um bom contrato, tinha uma boa lábia e era jovial. Um perfeito nazista. Aos poucos, entendi que era também um homem que tentava desesperadamente esconder um segredo. Na noite de 22 de junho de 1941, Hermann Lobach bateu na porta do meu quarto e me acordou. Meu quarto ficava ao lado do quarto de sua mulher e com um sinal ele me pediu que eu não fizesse barulho, me vestisse e o acompanhasse. Descemos ao térreo e nos instalamos numa pequena sala de fumar. Lobach certamente estivera acordado a noite toda. Ligou o rádio e compreendi que algo dramático acontecera. Tivera início a operação "Barbarossa", a Alemanha atacara a União Soviética no fim de semana em que o verão se iniciava.

Henrik Vanger fez um gesto resignado com a mão.

— Hermann Lobach pegou dois copos e despejou uma dose generosa de aquavita em cada um. Pareceu-me meio embriagado. Quando lhe perguntei quais poderiam ser as consequências, respondeu-me com lucidez que aquilo significava o fim para a Alemanha e para o nazismo. Só acreditei em parte — Hitler parecia invencível —, mas Lobach brindou comigo a derrota da Alemanha. Em seguida pôs-se a falar de assuntos práticos.

Mikael balançou a cabeça para indicar que acompanhava a história.

— Em primeiro lugar, ele descartou a possibilidade de entrar em contato com meu pai para pedir instruções e por conta própria decidiu interromper minha temporada na Alemanha, mandando-me de volta para casa o mais cedo possível. Em segundo lugar, queria que eu lhe prestasse um serviço.

Henrik mostrou um retrato amarelecido e com os cantos rasgados, em tamanho três por quatro, de uma mulher morena.

— Herman Lobach era casado havia quarenta anos, mas em 1919 conhecera uma mulher que tinha a metade da sua idade, uma pobre e modesta costureira, de uma beleza avassaladora. Apaixonou-se por ela. Cortejou-a e, como tantos outros homens ricos, tinha os meios de instalá-la num apartamento a pouca distância de seu escritório. Ela passou a ser sua amante. Em 1921, deu à luz uma menina, que foi chamada Edith.

— Um homem rico já de alguma idade, uma mulher pobre e uma filha desse amor: isso não deveria causar um grande escândalo, mesmo nos anos 1940 — comentou Mikael.

— É verdade. Se não houvesse um problema. A mulher era judia e Lobach, portanto, pai de uma menina judia em plena Alemanha nazista. Concretamente, ele era um traidor de sua raça.

— Ah! isso muda tudo. O que aconteceu?

— A mãe de Edith foi detida em 1939. Desapareceu e pode-se imaginar o que lhe aconteceu. Todos sabiam que tinha uma filha que ainda não fora inscrita nas listas de transporte, e essa moça judia era procurada pela unidade da Gestapo encarregada de capturar judeus fugitivos. No verão de 1941, na mesma semana em que cheguei a Hamburgo, fez-se a ligação entre a mãe de Edith e Hermann Lobach, e convocaram-no para um interrogatório. Ele admitiu a ligação e a paternidade, mas declarou que não fazia a menor idéia do lugar onde se encontrava a filha e que havia dez anos não tinha contato com ela.

— E onde ela estava?