— Não, ele não falou de assuntos internos, mas seria preciso ser surdo e cego para não perceber que tanto a revista de vocês como as empresas Vanger estão em dificuldades.
— Acredito que podemos dar um jeito na situação — respondeu Erika com prudência.
— Duvido — replicou Henrik.
— É? Por quê?
— Vejamos: quantos funcionários vocês têm, seis? Uma tiragem de vinte e um mil exemplares com circulação mensal, custos de impressão e de distribuição, aluguel... Precisam de algo em torno de dez milhões, digamos. Metade dessa quantia é assegurada pelos anunciantes.
— E...?
— Hans-Erik Wennerström é um safado, vingativo, mesquinho que não vai esquecer de vocês tão cedo. Quantos anunciantes vocês perderam nos últimos meses?
Erika aguardou o que viria a seguir, observando Henrik Vanger. Mikael surpreendeu-se de respiração contida. Quando ele e o velho falavam da Millennium, era apenas para fazer comentários insignificantes ou para falar do quanto a situação da revista podia depender da capacidade de Mikael fazer um bom trabalho em Hedestad. Mikael e Erika eram co-fundadores e co-proprietários da Millennium, mas era evidente que naquele momento Vanger dirigia-se exclusivamente a Erika, de patrão para patrão. Uma conversa que seguia um código que Mikael não conseguia entender nem interpretar e que talvez se devesse ao fato de, no fundo, ele ser apenas um filho de operário pobre do Norrland e ela uma filha da aristocracia, dotada de uma bela árvore genealógica internacional.
— Posso tomar mais um café? — perguntou Erika. Henrik a serviu imediatamente.
— Bem, vamos admitir que o senhor seja perspicaz. A água está começando a subir nos porões da Millennium. Mas estamos sobrevivendo.
— Por quanto tempo?
— Temos seis meses pela frente para dar meia-volta. Oito, nove meses no máximo. Mas não temos liquidez suficiente para nos manter à tona por mais tempo que isso.
O rosto do velho estava insondável quando olhou pela janela. A igreja continuava em seu lugar.
— Sabem que já fui proprietário de um jornal?
Mikael e Erika balançaram negativamente a cabeça ao mesmo tempo. Henrik deu uma risada.
— Possuíamos seis jornais do Norrland. Foi nos anos 1950 e 1960. Idéia do meu pai; ele achava que podia haver vantagens políticas em participar da mídia. Ainda somos proprietários do Hedestads-Kuriren, Birger Vanger é presidente do conselho administrativo do jornal. É o filho de Harald — acrescentou, dirigindo-se a Mikael.
— Ele também é vereador — observou Mikael.
— Martin também faz parte do conselho. Procura manter Birger sob controle.
— Por que não participa mais dos jornais? — perguntou Mikael.
— Reestruturação nos anos 1960. A atividade jornalística era mais um hobby do que um interesse. Quando precisamos reduzir o orçamento, foi um dos primeiros bens que pusemos à venda nos anos 1970. Mas sei o que significa estar à frente de um periódico... Posso fazer uma pergunta pessoal?
A pergunta era dirigida a Erika, que levantou uma sobrancelha e com um gesto convidou Vanger a prosseguir.
— Não perguntei a Mikael sobre isso e, se não quiserem responder, não se sintam obrigados. Gostaria de saber por que se meteram nesse lodaçal. Havia ou não uma história?
Mikael e Erika trocaram olhares. Desta vez, Mikael é que parecia ter um ar insondável. Erika hesitou um segundo antes de falar.
— Tínhamos uma história. Mas na verdade estávamos abordando outra. Henrik Vanger balançou a cabeça, como se entendesse perfeitamente.
Mas o próprio Mikael não entendia.
— Não quero falar sobre isso — interveio Mikael. — Fiz minhas investigações e escrevi o texto. Tinha todas as fontes necessárias. E aí a coisa desandou.
— Mas tinha uma fonte para tudo o que escreveu?
Mikael assentiu com a cabeça. A voz de Henrik tornou-se incisiva de repente.
— Não vou fingir que entendo como conseguiu meter o pé em cima dessa mina. Não conheço nenhuma história similar, exceto talvez o caso Lundhall no Expressen, nos anos 1960, se é que já ouviram falar dele, pois são muito jovens. Seu informante também era um perfeito mitômano? — Ele balançou a cabeça e voltou-se para Erika, baixando a voz. — Já fui editor de periódicos e posso voltar a ser. O que acha de ter mais um sócio?
A pergunta foi como um relâmpago num céu azul, mas Erika não pareceu nem um pouco surpresa.
— O que está querendo dizer?
Henrik Vanger evitou a pergunta fazendo outra.
— Quanto tempo ficará em Hedestad?
— Até amanhã.
— O que é que você acha — você e Mikael, claro — de fazer um velho feliz e vir jantar comigo esta noite? Às sete?
— Por mim tudo bem. Viremos com prazer. Mas o senhor se esquivou da pergunta que eu fiz. Por que deseja se associar à Millennium?
— Não me esquivei da pergunta. Achei que poderíamos falar sobre isso no jantar. Preciso discutir com meu advogado, Dirch Frode, antes de propor algo mais concreto. Mas, para resumir, digamos que tenho dinheiro para investir. Se a revista sobreviver e começar a ser rentável, terei lucro. Caso contrário... bem, já sofri perdas bem maiores que essa na vida.
Mikael ia abrir a boca quando Erika pôs a mão em seu joelho.
— Mikael e eu sempre lutamos para ser inteiramente independentes.
— Bobagem. Ninguém é inteiramente independente. Mas não estou querendo me apossar da revista e não estou interessado no conteúdo. Aquele cretino do Stenbeck encheu os bolsos publicando Moderna Tider; por que não posso ajudar a Millennium, que, além do mais, é uma boa revista?
— Há alguma relação com Wennerström? — perguntou Mikael subitamente. Henrik Vanger sorriu.
— Mikael, tenho mais de oitenta anos. Há coisas que lamento não ter feito e pessoas que lamento não ter importunado um pouco mais. Mas, voltando ao assunto — e virou-se novamente para Erika —, esse investimento inclui pelo menos uma condição.
— Qual? — disse Erika.
— Mikael deve reassumir seu posto de editor responsável.
— Não — disse Mikael de pronto.
— Sim — disse Henrik Vanger num tom igualmente firme. — Wennerström terá um ataque se divulgarmos um comunicado à imprensa anunciando que as empresas Vanger apóiam a Millennium e que, ao mesmo tempo, você reassume como editor responsável. Será o sinal mais claro que podemos enviar. Todo mundo vai entender que não se trata de tomada de poder e que a política editorial permanecerá a mesma. E isso dará aos anunciantes que pensam em se retirar uma razão para refletir um pouco mais. Wennerström não é todo-poderoso. Ele também tem inimigos, e algumas empresas vão achar que é o momento de buscar espaço na revista.
— Afinal, que história maluca é essa? — disparou Mikael no momento em que Erika fechou a porta de entrada.
— É o que chamam de sondagem preliminar tendo em vista um acordo comercial — ela respondeu. — Você não me contou que Henrik era tão irresistível.
Mikael plantou-se bem na frente dela.
— Ricky, você já sabia exatamente qual seria o tema dessa conversa.
— Acalme-se, meu bem! São apenas três da tarde e quero que se ocupem muito bem de mim antes do jantar.
Mikael Blomkvist fervia de cólera. Mas ele nunca conseguiu ficar furioso com Erika por muito tempo.
Erika usava um vestido preto, um casaquinho e escarpins, que, por precaução, pusera na sacola de viagem. Insistiu para que Mikael vestisse paletó e gravata. Ao chegarem na hora marcada à casa de Henrik Vanger, viram que Dirch Frode e Martin Vanger também tinham sido convidados, ambos de terno e gravata, enquanto Henrik vestia gravata-borboleta e uma malha de lã marrom.
— A vantagem de ter mais de oitenta anos é que ninguém ousa criticar a sua maneira de vestir — ele observou.