O verdadeiro mistério, porém, estava na lista de endereços e telefones. Minuciosamente caligrafados em ordem alfabética, apareciam os nomes de alguns de seus familiares, colegas de classe, professores, membros da Igreja pentecostal e outras pessoas de seu meio facilmente identificáveis. Na última página da lista, depois de um espaço em branco e fora de ordem alfabética, havia cinco nomes associados a números telefônicos. Três nomes de mulheres e duas iniciais.
Os números de cinco algarismos que começavam por 32 correspondiam a telefones de Hedestad nos anos 1960. A exceção iniciada por 30 era de Norrbyn, perto de Hedestad. O único problema, depois que o inspetor Morell contatou sistematicamente todo o círculo de conhecidos de Harriet, era que ninguém tinha a menor idéia de a quem pertenciam esses números de telefone.
O primeiro, "Magda", parecia promissor. Levou a uma loja de retrós na rua do Parque, número 12. O telefone estava em nome de uma Margot Lundmark, cuja mãe chamava-se Magda e que de vez em quando trabalhava na loja. No entanto Magda tinha sessenta e nove anos e não fazia idéia de quem era Harriet Vanger. Nada indicava também que Harriet tivesse ido lá fazer compras. A costura não fazia parte de suas atividades.
O segundo número, "Sara", levou a uma família com filhos pequenos, os Toresson, que moravam em Väststan, do outro lado da ferrovia. A família era formada por Anders, Monica e seus filhos Jonas e Peter, que na época ainda não tinham idade de ir à escola. Não havia nenhuma Sara na família e eles tampouco sabiam quem era Harriet Vanger, a não ser pelo que tinham lido nos jornais sobre seu desaparecimento. A única ligação muito vaga entre Harriet e a família Toresson era que Anders, pedreiro, trabalhara durante algumas semanas, um ano antes, na reforma do telhado da escola em que Harriet cursava o último ano do colegial. Teoricamente, portanto, havia uma possibilidade de que tivessem se encontrado, ainda que isso fosse bastante improvável.
Os três outros números telefônicos conduziam a becos sem saída idênticos. O número 32027 pertencera de fato a uma Sosemaroe Larsson, mas ela falecera havia muitos anos.
Durante o inverno de 1966-1967, o inspetor Morell dedicou grande parte de suas investigações a tentar explicar por que Harriet anotara esses nomes e números.
Uma primeira suposição era que os números telefônicos seguiam uma espécie de código pessoal — e Morell se esforçou para raciocinar como uma adolescente. Como a série iniciada por 32 se aplicava claramente a Hedestad, ele tentou inverter os outros três algarismos. Mas nem tentando 32601, nem 32160, conseguiu chegar a alguma Magda. Obstinado em resolver o mistério dos números, descobriu que, se modificasse bastante os algarismos, cedo ou tarde acabaria encontrando alguma ligação com Harriet. Por exemplo, se somasse 1 a cada um dos três últimos algarismos de 32016, obteria o número 32127, que era o do escritório do advogado Frode em Hedestad. O problema era que tal ligação não significava absolutamente nada. Além do mais, ele nunca descobriu um código que pudesse explicar os cinco números ao mesmo tempo.
Morell ampliou seu raciocínio. Será que os algarismos podiam significar outra coisa? Os números das placas dos veículos nos anos 1960 tinham uma letra associada a uma região, e cinco algarismos — novo impasse.
Depois o inspetor abandonou os algarismos para se concentrar nos nomes. Chegou a fazer uma lista de todas as pessoas de Hedestad chamadas Mari, Magda e Sara e outras com nomes iniciados pelas letras RL e RJ. Obteve um repertório de trezentas e sete pessoas. Entre elas, vinte e nove tinham alguma conexão com Harriet; por exemplo, um colega de classe do colégio chamava-se Roland Jacobsson, RJ. Mas eles não eram particularmente próximos e haviam deixado de ter contato desde que Harriet fora para o colegial. Além disso, não existia nenhuma ligação com o número de telefone.
O mistério da agenda telefônica continuou sem solução.
O quarto encontro com o dr. Bjurman não fora marcado com antecedência. Ela é que foi obrigada a entrar em contato com ele.
Na segunda semana de fevereiro, o computador portátil de Lisbeth Salander sofreu um acidente tão estúpido que ela esteve a ponto de assassinar o planeta Terra inteiro. Ao chegar de bicicleta para uma reunião na Milton Security, estacionou atrás de um pilar e pôs a mochila no chão para pegar o cadeado. Um Saab vermelho-escuro escolheu bem esse momento para dar marcha a ré. Ela estava virada de costas e ouviu o estalo. O motorista não se deu conta de nada e tranquilamente subiu a rampa para desaparecer pela saída da garagem.
A mochila continha seu iBook Apple 600, branco, com um disco rígido de 25 gigas e memória RAM de 420 megas, fabricado em janeiro de 2002 e com tela de 14 polegadas. Quando o adquiriu, era o que havia de melhor na Apple. Os computadores de Lisbeth Salander dispunham das configurações mais recentes e às vezes bastante caras — seu equipamento de informática era o único item extravagante de suas despesas.
Ela abriu a mochila e constatou que a tampa do computador estava quebrada. Tentou fazê-lo funcionar, mas ele não emitiu sequer um último suspiro. Levou os restos à MacJesus Shop de Timmy, na Brännkyrkagatan, na esperança de que pelo menos uma parte do disco rígido pudesse ser recuperada. Após um breve exame do aparelho, Timmy balançou a cabeça.
— Sinto muito, não há o que fazer — anunciou. — Pode encomendar o enterro.
A perda do computador era um golpe moral, mas não uma catástrofe. Lisbeth Salander se entendera perfeitamente bem com ele ao longo de um ano de convivência. Fizera cópias de todos os documentos e ainda possuía um velho computador de mesa Mac G3 e outro Toshiba portátil que poderia usar. Mas ela precisava de uma máquina rápida e moderna.
Optou, como era de se esperar, pela melhor escolha possíveclass="underline" o novo Apple Powerbook G4 de 1 Ghz, com tampa de alumínio e dotado de um processador PowerPC 7451, AltiVec Velocity Engine, memória RAM de 960 megas e disco rígido de 60 gigas. Tinha Bluetooth e um gravador de CD e DVD integrado.
Mais que isso, era o primeiro notebook do mundo com tela de 17 polegadas, uma placa Nvidia e resolução de 1440 por 900 pixels que deixavam embasbacados adeptos dos PC e faziam esquecer tudo o que havia de novo no mercado.
Era o Rolls-Royce dos computadores portáteis, mas o que mais aguçou a vontade de Lisbeth Salander de possuí-lo foi um teclado esperto provido de retro-iluminação, que permitia enxergar as letras das teclas mesmo na escuridão total. Simples, não? Por que ninguém pensara nisso antes?
Foi um caso de amor à primeira vista.
Custava trinta e oito mil coroas, mais as taxas.
Aí havia um problema sério.
Mesmo assim fez a encomenda na MacJesus, onde sempre comprava seus equipamentos de informática e que lhe concedia um desconto razoável. Alguns dias depois, Lisbeth Salander fez as contas. O seguro do computador acidentado cobriria boa parte da compra, mas, considerando a franquia e o preço elevado da nova aquisição, faltava-lhe ainda um pouco mais de dezoito mil coroas. Em casa, ela guardava dez mil coroas num pote de café para ter sempre dinheiro líquido à mão, mas isso não cobria toda a soma. Mesmo amaldiçoando-o, decidiu telefonar para o dr. Bjurman e explicar que precisava de dinheiro para uma despesa imprevista. Bjurman respondeu que não tinha tempo de recebê-la naquele dia. Salander explicou que ele não demoraria mais de vinte segundos para passar um cheque de dez mil coroas. Ele retrucou que não podia fazer um cheque com tão poucos elementos, mas depois acabou cedendo e, após um instante de reflexão, marcou um encontro com ela após o expediente, às sete e meia.