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— Refletiu sobre o que falei outro dia?

— O quê?

— Lisbeth, não se faça de mais boba ainda. Quero que você e eu sejamos bons amigos e que nos ajudemos.

Ela não respondeu. O dr. Bjurman resistiu ao impulso de dar-lhe uma bofetada para despertá-la.

— Gostou da brincadeira de gente adulta que fizemos da outra vez?

— Não.

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Lisbeth, não seja idiota.

— Preciso de dinheiro para comprar comida.

— É exatamente do que falamos na última vez. Basta ser gentil comigo que serei gentil com você. Mas se insistir em me contrariar... — Apertou-lhe com mais força o queixo e ela se soltou.

— Quero meu dinheiro. O que está querendo que eu faça?

— Sabe muito bem o que eu quero. — Pegou-a pelo ombro e jogou-a sobre a cama.

— Espere — disse rápido Lisbeth.

Dirigiu a ele um olhar resignado, depois balançou secamente a cabeça. Tirou a jaqueta de couro e olhou ao redor. Jogou a jaqueta em cima da poltrona de vime, pôs a mochila em cima da mesinha e deu alguns passos hesitantes em direção à cama. Então se deteve, tomada de uma apreensão súbita. Bjurman se aproximou.

— Espere — disse ela outra vez, como se tentasse fazê-lo ser razoável. — Não quero ser obrigada a te chupar toda vez que preciso de dinheiro.

O rosto de Bjurman mudou de expressão. De repente, esbofeteou-a com a palma da mão. Salander arregalou os olhos, mas, antes que tivesse tempo de reagir, ele a pegou pelo ombro e a pôs de bruços na cama. Ela ficou sem ação diante dessa violência repentina. Como tentasse se virar, ele a comprimiu contra a cama e sentou-se sobre ela com os joelhos abertos.

Assim como da outra vez, ela foi uma presa fácil para ele do ponto de vista puramente físico. Sua única possibilidade de resistir seria enfiar-lhe as unhas nos olhos ou usar uma arma. Mas o plano que previra fracassara. Merda, pensou Lisbeth Salander quando ele lhe arrancou a camiseta. Com uma lucidez aterradora, se deu conta de como havia sido ingênua.

Ouviu-o abrir uma gaveta da cômoda ao lado da cama, depois um ruído de metal. De início não entendeu o que estava acontecendo, até ver a argola fechar-se em volta de seu punho. Ele ergueu o braço dela, passou as algemas em volta de um dos pilares da cabeceira da cama e prendeu sua outra mão. Num abrir e fechar de olhos, arrancou-lhe as botas e o jeans. Por fim retirou-lhe a calcinha, que brandiu no ar.

— Vai aprender a confiar em mim, Lisbeth — disse. — Vou ensinar a você as regras desse jogo de adultos. Se não cooperar comigo, será punida. Se for gentil, seremos amigos.

E sentou-se novamente de joelhos abertos em cima dela.

— Então não gosta de sexo anal... — falou.

Lisbeth Salander abriu a boca para gritar. Ele a pegou pelos cabelos e enfiou-lhe a calcinha na boca. Ela sentiu que ele punha alguma coisa em volta de seus tornozelos, que abria suas pernas e as atava de modo a deixá-la totalmente vulnerável. Ela o ouvia andar pelo cômodo, mas não podia vê-lo. Os minutos passaram. Ela mal conseguia respirar. Por fim sentiu uma dor horrível quando ele brutalmente lhe enfiou alguma coisa no ânus.

A regra de Cecilia Vanger era que Mikael não devia ficar para dormir. Pouco depois das duas da manhã, ele tornou a se vestir, enquanto ela permanecia nua na cama sorrindo-lhe carinhosamente.

— Você me agrada, Mikael. Gosto da sua companhia.

— Você também me agrada.

Ela o puxou de volta para a cama e tirou-lhe a camisa que ele acabara de vestir. Mikael ficou mais uma hora.

Quando por fim Mikael passou diante da casa de Harald Vanger, teve a nítida impressão de ver a cortina se mexer no andar de cima. Mas estava muito escuro para ter absoluta certeza.

Lisbeth Salander só conseguiu voltar a vestir suas roupas às quatro da manhã do sábado. Pegou a jaqueta de couro, a mochila e dirigiu-se, manquejando, até o vestíbulo, onde ele a esperava depois de já ter tomado um banho e se vestido com cuidado. Ele entregou-lhe um cheque de duas mil e quinhentas coroas.

— Eu levo você para casa — ele falou, abrindo a porta.

Ela saiu do apartamento e se virou para ele. Seu corpo parecia alquebrado, o rosto estava inchado com olhos avermelhados de lágrimas, e ele quase fez um movimento de recuo ao cruzar seu olhar. Nunca na vida havia se deparado com um ódio tão seco e inflamado. Lisbeth Salander tinha realmente o aspecto da doente mental que sua ficha indicava.

— Não — ela disse em voz tão baixa que ele mal conseguiu distinguir as palavras. — Posso voltar para casa sozinha.

Ele pôs a mão em seu ombro.

— Tem certeza?

Ela fez que sim com a cabeça. A mão em seu ombro a apertou com mais força.

— Lembre-se do nosso acordo. Volte no sábado que vem. Ela balançou de novo a cabeça, submissa. Ele a soltou.

14.  SÁBADO 8 DE MARÇO — SEGUNDA-FEIRA 17 DE MARÇO

Lisbeth Salander passou a semana na cama com dores no abdome, hemorragias no ânus e outras feridas, menos visíveis, que levariam mais tempo para curar. O que ela vivera ultrapassara de longe o primeiro abuso no escritório; não se tratava mais de um ato de coerção e de humilhação, mas de uma brutalidade sistemática.

Percebia tarde demais que havia subestimado Bjurman, e muito.

Tomara-o como um homem de poder que gostava de dominar, e não como um sádico total. Ele a mantivera algemada a noite toda. Várias vezes ela pensou que fosse ser morta, e houve um momento em que ele pressionou o travesseiro sobre seu rosto até ela quase desmaiar.

Não chorou.

Afora as lágrimas causadas pelas dores físicas, não derramou uma lágrima sequer. Após deixar o apartamento de Bjurman, claudicou até o ponto de táxi da Odenplan, voltou para casa e subiu com dificuldade a escada até chegar a seu apartamento. Tomou um banho e lavou o sangue dos genitais. Depois bebeu meio litro de água, ingeriu dois soníferos e desabou na cama com o cobertor puxado até a cabeça.

Despertou por volta do meio-dia de domingo com a cabeça dolorida e vazia, com dores nos músculos e no baixo-ventre. Levantou-se, bebeu dois copos de leite e comeu uma maçã. Tomou mais dois soníferos e voltou a se deitar.

Só teve forças para sair da cama na terça-feira. Foi comprar uma pizza Billy Pan, aqueceu-a no microondas e encheu uma garrafa térmica com café. Depois passou a noite lendo na internet artigos e teses sobre a psicopatologia do sadismo.

O que mais chamou sua atenção foi um artigo publicado por um grupo de mulheres americanas. A autora afirmava que o sádico escolhia suas ligações com uma precisão quase intuitiva: sua melhor vítima era a que se prestava voluntariamente a todos os seus desejos por acreditar que não tinha outra escolha. O sádico escolhia indivíduos que dependiam de outra pessoa, e tinha uma capacidade inquietante de identificar as presas que lhe convinham.

O dr. Bjurman a escolhera como vítima.

Isso a fez refletir.

Isso também indicava que idéia as pessoas faziam dela.

Na sexta-feira, uma semana após o segundo estupro, Lisbeth Salander saiu de casa para ir a um tatuador em Hornstull. Havia telefonado para marcar hora e ele não tinha outros clientes na loja. Ele a saudou com um movimento de cabeça quando a reconheceu.

Ela escolheu uma pequena tatuagem, simples, na forma de uma estreita faixa, e pediu que ele a pusesse no tornozelo. Mostrou o lugar.

— A pele é muito fina. Vai doer um bocado — disse o tatuador.

— Não faz mal — Lisbeth respondeu, levantando a calça e apresentando a perna.

— Está certo, uma faixa. Você já tem muitas tatuagens. Tem certeza de que quer mais uma?

— É um lembrete — ela disse.

Mikael Blomkvist deixou o Café Susanne na hora em que ele ia fechar, às duas da tarde do sábado. Estivera passando a limpo suas anotações no notebook, e foi até o Komsun comprar comida e cigarros antes de voltar para casa. Havia descoberto a especialidade locaclass="underline" a pölsa cozida com batatas e beterrabas vermelhas — um prato que jamais apreciara, mas que por uma estranha razão combinava perfeitamente bem com uma pequena casa no campo.