Выбрать главу

Por volta das sete, pôs-se a refletir enquanto olhava pela janela da cozinha. Cecilia Vanger não havia telefonado. Ele a vira brevemente no café, no começo da tarde, quando ela fora comprar pão, porém estava mergulhada em seus próprios pensamentos. Tudo indicava que não ia telefonar naquele sábado à noite. Olhou para o pequeno aparelho de tevê que quase nunca ligava, mas preferiu instalar-se no banco da cozinha e abrir um romance policial de Sue Grafton.

Lisbeth Salander retornou ao apartamento de Bjurman na Odenplan na hora combinada, sábado à noite. Ele a fez entrar com um sorriso polido e acolhedor.

— E hoje, como vai, minha cara Lisbeth? Ela não respondeu.

— Acho que exagerei um pouco na última vez — ele disse. — Você me pareceu meio nocauteada.

Ela apenas sorriu com o canto dos lábios e ele sentiu uma súbita inquietação. Essa menina é maluca. Não posso me esquecer disso. E perguntou-se se ela poderia se adaptar.

— Vamos para o quarto? — perguntou Lisbeth Salander.

Por outro lado, parece que ela só sabe pedir isso... Pôs-lhe o braço sobre o ombro como fizera no encontro anterior, para levá-la até o quarto. Hoje vou mais devagar com ela. Para criar confiança. Ele já havia deixado as algemas em cima da cômoda. Foi só quando se aproximaram da cama que o dr. Bjurman percebeu que alguma coisa não ia bem.

Era ela que o conduzia à cama, não o contrário. Ele se deteve e, com perplexidade, viu-a tirar algo do bolso que a princípio acreditou ser um telefone celular. Depois viu os olhos dela.

— Diga boa-noite — ela disse.

Pôs o bastão elétrico debaixo da axila esquerda dele e disparou setenta mil volts. Quando as pernas dele começaram a ceder, ela aproximou seu ombro e mobilizou todas as forças para fazê-lo cair sobre a cama.

Cecilia Vanger sentia-se ligeiramente bêbada. Decidira não telefonar para Mikael Blomkvist. A ligação deles adquirira a aparência de uma ridícula farsa de alcova que obrigava Mikael a rodeios e desvios para poder encontrá-la sem ser notado. Ela se comportava como uma adolescente apaixonada incapaz de controlar seu desejo. Sua conduta nas últimas semanas fora absurda.

O problema é que comecei a gostar muito dele, pensou. Vou sofrer com isso. E passou um bom tempo desejando que Mikael Blomkvist nunca tivesse vindo a Hedeby.

Ela havia aberto uma garrafa de vinho e bebido dois copos sozinha. Ligou a tevê para ver o noticiário e tentar entender o que acontecia no mundo, mas imediatamente se cansou dos comentários racionais que explicavam por que o presidente Bush devia esmagar o Iraque com bombas. Instalou-se então no sofá da sala com o livro de Gellert Tama sobre o louco que matara onze pessoas em Estocolmo por motivos racistas. Só conseguiu ler algumas páginas antes de ser obrigada a pôr o livro de lado. O assunto a fez pensar imediatamente em seu pai, em quais seriam os fantasmas dele.

A última vez em que tinham se visto fora em 1984, quando o acompanhou, com Birger, numa caça à lebre ao norte de Hedestad, para que Birger testasse um novo cão de caça — um hamilton stövare adquirido recentemente. Harald Vanger tinha setenta e três anos e ela fizera o possível para aceitar sua loucura, essa loucura que transformara sua infância num pesadelo e afetara toda a sua vida adulta.

Cecilia nunca fora tão frágil como naquela época. Seu casamento se desfizera três meses antes. Mulher que apanha do marido — expressão banal. Para ela, isso significava maus-tratos leves porém contínuos. Ameaças, bofetadas, empurrões, ser derrubada no chão da cozinha. As explosões do marido eram sempre inexplicáveis, mas os golpes nunca eram fortes o suficiente para feri-la a sério. Ele evitava bater nela com o punho, e ela se acostumou.

Até o dia em que Cecilia revidou e ele se descontrolou. No final, enlouquecido, ele a atacara com golpes de tesoura nas costas.

Arrependido e em pânico, conduziu-a ao hospital, onde inventou a história delirante de um acidente, que a equipe de emergência logo decifrou à medida que ele ia pronunciando as palavras. Ela sentiu-se envergonhada. Deram-lhe doze pontos de sutura e ficou dois dias no hospital. Então Henrik Vanger foi buscá-la e levou-a para a casa dele. Nunca mais falou com o marido.

Naquele dia ensolarado, três meses depois do fim do casamento, Harald Vanger estava bem-humorado, quase amável. Mas de uma hora para a outra, em pleno bosque, passou a insultar grosseiramente a filha, fazendo comentários vulgares sobre sua vida e seus hábitos sexuais, terminando por dizer que era natural que uma puta como ela não soubesse conservar um homem.

O irmão nem sequer reparou que as palavras do pai a atingiam como uma chicotada. Birger Vanger limitou-se a rir e a passar o braço em volta de seus ombros, tentando desanuviar a situação a seu modo, com um comentário do gênero Sabemos bem como são as mulheres. Deu uma piscadela para Cecilia e aconselhou Harald Vanger a ficar atento a uma pequena elevação do terreno.

Houve um segundo, um instante gélido, em que Cecilia olhou para o pai e o irmão com a consciência súbita de que trazia na mão uma espingarda de caça carregada. Fechou os olhos. Se não tivesse feito isso, teria levantado a arma e disparado os dois cartuchos. Sua vontade era matar o pai e o irmão. Mas abaixou a espingarda, girou os calcanhares e voltou ao lugar onde haviam estacionado o carro. Deixou-os ali e voltou sozinha para casa. Desse dia em diante, passou a falar com o pai só em raríssimas ocasiões, quando obrigada pelas circunstâncias. Negara-lhe acesso à sua casa e nunca ia vê-lo na casa dele.

Você arruinou a minha vida, pensou Cecilia Vanger. Arruinou a minha vida desde a infância.

Às oito e meia da noite, Cecilia Vanger pegou o telefone e pediu que Mikael Blomkvist fosse vê-la.

O dr. Nils Bjurman sofria um martírio. Seus músculos não respondiam, o corpo parecia paralisado. Não tinha certeza de haver perdido a consciência, mas estava desorientado e sem a menor lembrança do que havia acontecido. Quando recuperou lentamente o controle do corpo, viu que estava nu, deitado de costas na cama, com os punhos atados por algemas e as pernas dolorosamente afastadas. Tinha queimaduras no local onde os eletrodos haviam tocado seu corpo.

Lisbeth Salander trouxera a poltrona de vime para perto da cama e, com as botas em cima do colchão, esperava pacientemente, fumando um cigarro. Quando Bjurman tentou falar, ele percebeu que sua boca estava coberta por uma fita adesiva larga. Virou a cabeça. Ela havia aberto e esvaziado uma das gavetas da cômoda.

— Descobri seus brinquedinhos — disse Salander.

Brandiu um chicote e remexeu na coleção de objetos eróticos, mordaças e máscaras de borracha espalhadas no chão.

— Para que serve este treco? — E mostrou um enorme pênis anal. — Não, não tente falar, não estou entendendo o que você diz. Foi o que utilizou em mim na semana passada? Basta balançar a cabeça. — Ela se inclinou para ele, divertindo-se antecipadamente com a resposta.

Nils Bjurman sentiu um súbito calafrio de terror no peito e se descontrolou. Forçou as algemas. Ela assumiu o controle. Impossível. Estava impossibilitado de fazer o que quer que fosse quando Salander se inclinou e pôs o tampão anal entre suas nádegas.

— Não é assim que um sádico faz? — ela perguntou. — Gosta de enfiar coisas nas pessoas, não é verdade? — Fitou-o. O rosto dele era uma máscara inexpressiva. — Sem lubrificante, não é mesmo?