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A Millennium é uma boa publicação que venho acompanhando com interesse há vários anos. Hoje ela está sofrendo alguns ataques. Tem inimigos poderosos que organizam um boicote de anunciantes com o objetivo de torpedeá-la.

O repórter, com certeza, não estava preparado para uma resposta como essa, mas percebeu de imediato que a história, já bastante interessante em si mesma, ganhava dimensões inesperadas.

— O que há por trás desse boicote?

— E uma das coisas que a Millennium vai verificar minuciosamente. Mas aproveito para declarar que a revista não pretende se deixar afundar ao primeiro tiro.

— E por essa razão que entrou como sócio?

— A liberdade de expressão sofreria um duro golpe se interesses particulares tivessem o poder de reduzir ao silêncio vozes que os incomodam na mídia.

Henrik Vanger agia como se tivesse passado a vida toda defendendo radicalmente a liberdade de expressão. Mikael Blomkvist começou a rir de repente na sala de televisão do centro de detenção de Rullaker, que ele inaugurava naquela noite. Seus colegas de prisão lançaram-lhe olhares inquietos.

Mais tarde, deitado em sua cela que lembrava um quarto de motel, com uma pequena mesa, uma cadeira e uma prateleira fixa à parede, ele foi obrigado a admitir que Henrik e Erika estavam certos sobre a maneira de lançar essa informação no mercado. Sem ter falado com ninguém, ele sabia que alguma coisa havia mudado na atitude com relação à Millennium.

A aparição de Henrik Vanger era nada mais nada menos que uma declaração de guerra a Hans-Erik Wennerström. A mensagem, muito clara — daqui em diante você não vai mais lutar contra uma revista com seis funcionários e um orçamento anual equivalente a um jantar de negócios do grupo Wennerström. Vai enfrentar também as empresas Vanger, que certamente são apenas a sombra de sua grandeza de outrora, mas que ainda assim representam um desafio bem mais árduo. Agora Wennerström podia escolher: ou se retirava do conflito ou encarava a tarefa de reduzir também a migalhas as empresas Vanger.

Henrik Vanger acabava de anunciar na tevê que estava disposto a lutar. Talvez não tivesse nenhuma chance contra Wennerström, mas a guerra ia custar caro.

Erika escolhera cuidadosamente as palavras. Na verdade não dissera grande coisa, mas sua afirmação de que a revista ainda não "apresentara sua versão dos fatos" fazia supor que havia uma versão a dar. Embora Mikael tivesse sido julgado e no momento estivesse preso, ela não se constrangera em dizer — sem dizer — que na realidade ele era inocente e que existia uma outra verdade.

Mesmo sem usar a palavra "inocência", tornou a inocência dele ainda mais tangível. O anúncio de que ele reassumiria o cargo de responsável pela publicação sublinhava que a Millennium não tinha do que se censurar. Aos olhos do grande público, a verdade não era um problema — todo mundo adora a teoria do complô e, entre um homem de negócios cheio de ases na manga e uma bonita diretora de revista, não era difícil adivinhar para que lado tenderiam as simpatias. A mídia decerto não endossaria facilmente a história, mas Erika desarmara alguns críticos que agora não ousariam levantar a cabeça.

Nenhum dos acontecimentos do dia alterou fundamentalmente a situação, mas eles conseguiram ganhar tempo e modificar um pouco o equilíbrio de forças. Mikael imaginou que Wennerström passara uma noite desagradável. Wennerström não tinha como saber em que medida — em que pequeníssima medida — eles sabiam de alguma coisa, e, antes de mover seu próximo peão, seria obrigado a descobrir o que eles sabiam de fato.

Com expressão séria, Erika desligou a tevê e o videocassete depois de assistir primeiro a suas próprias declarações e depois à gravação da entrevista de Henrik Vanger. Olhou o relógio, quinze para as três da manhã, e conteve o impulso de ligar para Mikael. Ele estava preso e era pouco provável que estivesse com seu celular na cela. Ela chegara tão tarde em casa, em Saltsjöbaden, que seu marido já estava dormindo. Levantou e se serviu de uma dose de uísque Aberlour — ingeria álcool só uma ou duas vezes por ano —, sentou-se diante da janela e contemplou o mar e o farol na entrada do estreito de Skurusund.

Mikael e ela haviam trocado palavras ásperas quando se viram sozinhos depois do acordo que ela fizera com Henrik Vanger. Ao longo dos anos, eles discutiram muitas vezes sobre a orientação a dar a um texto, o visual da revista, a avaliação da credibilidade das fontes e várias outras coisas relacionadas à produção de um periódico. Mas a discussão na casa dos convidados de Henrik fora sobre princípios, e ela sabia estar pisando num terreno incerto.

— Não sei o que vou fazer agora — dissera Mikael. — Henrik Vanger me contratou para escrever sua biografia. Até agora fui livre para me levantar e ir embora no momento em que ele tentasse me forçar a escrever algo que não fosse a verdade ou procurasse me convencer a orientar a história para um lado ou outro. Agora ele é um dos proprietários da nossa revista, e mais: o único com recursos financeiros para salvá-la. Com isso me vejo de repente servindo a dois senhores, numa posição que a comissão de ética profissional não apreciaria nada.

— Tem uma idéia melhor a propor? — perguntou Erika. — Se tem, o momento de dizer é agora, antes de seguirmos adiante e assinarmos o acordo.

— Ricky, Vanger está nos usando numa espécie de vendeta particular contra Hans-Erik Wennerström.

— E daí? Também não estamos numa vendeta particular contra Wennerström?

Mikael evitou olhar para ela e acendeu um cigarro com um gesto irritado. A discussão prosseguiu por um bom tempo, até Erika entrar no quarto de Mikael, despir-se e se deitar na cama. Ela fingiu que dormia quando, duas horas depois, Mikael foi se encolher ao lado dela.

Naquela noite, um repórter do Dagens Nyheter lhe fizera a mesma pergunta:

— Até que ponto, agora, a Millennium poderá manter sua credibilidade e afirmar sua independência?

— Como assim?

O repórter ergueu as sobrancelhas. Ele achou sua pergunta suficientemente clara, mas ainda assim explicou-a.

— A missão da Millennium é, entre outras coisas, avaliar se as empresas estão se conduzindo bem. Como é que a revista vai poder, agora, garantir que está mesmo de olho na boa conduta das empresas Vanger?

Erika o encarou com ar estupefato, como se a pergunta fosse totalmente inesperada.

— Você está insinuando que a credibilidade da Millennium pode diminuir porque um empresário conhecido e de recursos entrou em cena?

— Sim, me parece bastante evidente que vocês perderão a credibilidade como observadores das empresas Vanger.

— E essa regra se aplica somente à Millennium?

— Desculpe, não entendi.

— O que eu quero dizer é que você trabalha para um jornal que está totalmente nas mãos dos grandes interesses econômicos. Por acaso isso significa que nenhum dos jornais pertencentes ao grupo Bonniers é digno de crédito? A Aftonbladet pertence a uma grande empresa norueguesa que, por sua vez, tem grande influência na área da informática e da comunicação. Por acaso isso significa que as análises da indústria eletrônica feitas pela Aftonbladet não têm credibilidade? O Metro pertence ao grupo Stenbeck. Está querendo dizer que nenhum jornal sueco sustentado por grandes interesses econômicos é digno de crédito?

— Não, claro que não.

— Nesse caso, por que está insinuando que a Millennium perderia credibilidade por contarmos também com o apoio de financistas?

O repórter desculpou-se.

— Está bem, retiro a pergunta.

— Não, não retire. Quero que você reproduza exatamente o que acabo de dizer. E pode acrescentar que, se o Dagens Nyheter decidir se concentrar mais particularmente nas empresas Vanger, nós também vamos nos concentrar um pouco mais no grupo Bonniers.