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— Em aproximadamente um mês, espero terminar um primeiro rascunho completo da crônica familiar, que Henrik já vai poder ler.

— Uma crônica no espírito da família Adams — disse Cecilia sorrindo.

— Ela inclui alguns aspectos históricos — admitiu Mikael. Cecilia lançou um olhar de soslaio para Henrik Vanger.

— Mikael, na verdade Henrik não está nem um pouco interessado nessa crônica familiar. Ele quer é que você resolva o enigma do desaparecimento de Harriet.

Mikael não disse nada. Desde que começara a se relacionar com Cecilia, falara mais ou menos abertamente com ela acerca de Harriet. Cecilia já entendera que era esse o verdadeiro trabalho dele, embora Mikael nunca tivesse admitido. Por outro lado, ele nunca dissera a Henrik que discutia isso com Cecilia. As grossas sobrancelhas de Henrik se contraíram ligeiramente. Erika se calou.

— Querido tio — disse Cecilia a Henrik —, eu não sou idiota. Não sei exatamente que tipo de acordo você e Mikael fizeram, mas a temporada dele aqui em Hedeby tem a ver com Harriet, não tem?

Henrik assentiu com a cabeça e olhou para Mikael.

— Bem que eu lhe disse que ela era esperta. — Depois virou-se para Erika. — Suponho que Mikael já lhe explicou o que ele faz aqui em Hedeby.

Ela fez que sim com a cabeça.

— E suponho que deve achar essa tarefa insensata. Não, não é obrigada a responder. É realmente uma tarefa absurda e insensata. Mas tenho necessidade de saber.

— Não tenho opinião a respeito — disse Erika, diplomática.

— É óbvio que tem. — Henrik voltou-se para Mikael. — Em breve metade do ano terá passado. Conte. Descobriu algo que ainda não averiguamos?

Mikael evitou o olhar de Henrik. Pensou imediatamente na sensação estranha que tivera na noite anterior, ao folhear o álbum de fotografias. A sensação não o abandonara durante o dia, porém ele não tivera tempo de abrir novamente o álbum. Não sabia se estava imaginando coisas, mas sabia que havia uma idéia no caminho. Estivera a ponto de pensar em algo de decisivo. Por fim levantou os olhos para Henrik e balançou a cabeça.

— Não descobri a menor pista.

O velho o examinou com expressão atenta. Absteve-se de comentar a resposta de Mikael e por fim balançou a cabeça.

— Não sei o que vocês, jovens, pensam disto, mas para mim chegou a hora de me retirar. Obrigado pelo jantar, Cecilia. Boa noite, Erika. Passe para me ver antes de ir embora amanhã.

Depois que Henrik fechou a porta da frente, o silêncio se instalou. Foi Cecilia que o rompeu.

— Mikael, o que isso quer dizer afinal?

— Quer dizer que Henrik Vanger é tão sensível às reações das pessoas como um sismógrafo. Ontem à noite, quando você foi à minha casa, eu estava olhando o álbum de fotos.

— E?

— Eu vi alguma coisa. Não sei o quê, e não consigo pôr o dedo em cima. Alguma coisa que se tornou quase um pensamento, só que me escapou.

— Mas você estava pensando em quê?

— Não sei. Logo depois você chegou e eu... humm... passei a ter coisas mais interessantes na cabeça.

Cecilia corou. Evitou os olhos de Erika e foi até a cozinha a pretexto de fazer um café.

Era um dia quente e ensolarado de maio. A vegetação estava brotando e Mikael surpreendeu-se a assobiar Blossom time is coming.

Erika passou a noite no quarto de hóspedes de Henrik. Depois do jantar, Mikael perguntara a Cecilia se queria companhia. Ela respondeu que devia preparar a reunião dos conselhos de classe, que estava cansada e preferia ir dormir. Na segunda-feira de manhã bem cedo, Erika depositou um beijo no rosto de Mikael e partiu.

Quando Mikael foi para a prisão, em meados de março, a neve ainda cobria a paisagem. Agora as videiras já exibiam folhas e a relva em volta da casa verdejava, abundante. Pela primeira vez, ele tinha a oportunidade de passear pela ilha. Por volta das oito, passou na casa de Henrik para pedir uma garrafa térmica a Anna. Conversou um pouco com Henrik e pediu-lhe emprestado um mapa da ilha. Queria ver de perto a cabana de Gottfried, mencionada de maneira indireta no inquérito policial, pois Harriet estivera ali várias vezes. Henrik explicou que a cabana pertencia a Martin Vanger, mas estava desocupada havia vários anos. De vez em quando um parente de passagem a ocupava.

Mikael encontrou Martin Vanger a tempo, antes de ele ir para Hedestad trabalhar, e perguntou se podia emprestar a chave da cabana. Martin olhou para ele com um sorriso brincalhão.

— Suponho que a crônica familiar chegou agora ao capítulo sobre Harriet.

— Eu só queria dar uma olhada...

Martin Vanger foi buscar a chave e voltou em seguida.

— Posso ir então? Sem problemas?

— Por mim, pode até se instalar lá, se quiser. A não ser pelo fato de ficar no outro extremo da ilha, é um lugar bem melhor que a casa onde você está hospedado.

Mikael preparou café e sanduíches. Encheu uma garrafa com água e pôs as provisões numa mochila que jogou sobre o ombro. Seguiu um caminho estreito e em parte invadido pelo mato, ao longo da baía na costa norte da ilha. A cabana de Gottfried ficava num promontório a cerca de dois quilômetros do povoado, e ele fez o trajeto em meia hora, sem pressa.

Martin Vanger tinha razão. Ao sair de uma curva do caminho, Mikael viu abrir-se um lugar verdejante em frente ao mar, com uma ampla vista de Hedestad que abarcava a embocadura do rio, a marina à esquerda e o porto comercial à direita.

Achou surpreendente que ninguém tivesse se apossado da cabana de Gottfried. Era uma construção rústica de toras de madeira horizontais, coberta de telhas, com os caixilhos das janelas pintados de verde e uma pequena varanda na entrada. A manutenção da casa e do jardim mostrava sinais de abandono; a pintura das portas e das janelas estava descascando, e o que devia ter sido uma relva transformara-se em arbustos de um metro de altura. Seria necessário um dia de trabalho com foice e cortador de grama para pôr tudo em ordem.

Mikael destrancou a porta, entrou e abriu as janelas. Parecia o interior de um celeiro de uns trinta e cinco metros quadrados. Era uma única e grande peça, forrada de lambris, com amplas janelas que davam para o mar de um lado e de outro para a porta da frente. No fundo da peça, uma escada conduzia a um quarto-mezanino que ocupava metade da superfície da casa. Debaixo da escada havia um pequeno nicho com um fogão a gás, um balcão e um lavabo. A mobília era simples; à esquerda da entrada, um banco fixado à parede, uma escrivaninha em mau estado e uma ampla estante de madeira. Mais adiante, do mesmo lado, um armário de três portas. A direita da entrada, uma mesa redonda com cinco cadeiras de madeira e, no centro, uma lareira.

Várias lamparinas indicavam que a eletricidade não chegara até ali. No parapeito de uma janela descansava um velho transistor Grundig com a antena quebrada. Mikael acionou o botão on, mas as pilhas estavam gastas.

Subiu a escada estreita e deu uma espiada no mezanino: uma cama de casal, um colchão sem colcha, uma mesa-de-cabeceira e uma cômoda.

Mikael ficou um momento vasculhando a casa. A cômoda estava vazia, com exceção de algumas toalhas de rosto e roupas de cama cheirando a mofo. No armário havia algumas roupas de trabalho, um avental, um par de botas de borracha, um tênis gasto e uma pequena lamparina a querosene. Nas gavetas da escrivaninha encontrou papel, lápis, um bloco de desenho não usado, um baralho e alguns marcadores de página. O armário da cozinha continha louças, xícaras de café, copos, velas e pacotes esquecidos de sal, saquinhos de chá e coisas do gênero. Numa gaveta da mesa havia talheres.