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Henrik Vanger utilizou o telefone de parede na cozinha. Chamou Martin Vanger, explicou o que procurava e perguntou quem era hoje o responsável pelo arquivo fotográfico do Kuriren. Dez minutos mais tarde, a pessoa foi localizada e a autorização obtida.

A responsável pelo arquivo fotográfico do Hedestads-Kuriren chamava-se Madeleine Blomberg, mais conhecida por Maja, e tinha sessenta anos. Era a primeira mulher nessa função que Mikael encontrava em sua carreira, numa profissão em que ainda se julgava a fotografia como um domínio artístico reservado aos homens.

Era um sábado e a redação estava vazia, mas Maja Blomberg morava a apenas cinco minutos a pé dali e recebeu Mikael na porta do jornal. Ela havia trabalhado no Hedestads-Kuriren a maior parte de sua vida. Começou como revisora em 1964, a seguir trabalhou na preparação das fotos e passou muitos anos no laboratório, sendo enviada também para algumas coberturas fotográficas quando os efetivos faltavam. Acabou sendo promovida a editora e, dez anos antes, quando o ex-responsável pelo setor de fotografia se aposentou, ela assumiu a chefia do departamento. Mas isso não significava que dirigisse um vasto império. O departamento de fotografia fora integrado ao de publicidade dez anos antes e contava com apenas seis pessoas, todas encarregadas do mesmo trabalho por turno.

Mikael perguntou como os arquivos estavam organizados.

— Na verdade, o arquivo está uma grande bagunça. Depois dos computadores e das fotos digitais, passamos a arquivar tudo em CDs. Um dos nossos estagiários escaneou as fotos antigas importantes, mas isso só representa um ou dois por cento das fotos catalogadas. As mais antigas estão organizadas em arquivos de negativos, por data. Estão ou aqui na redação, ou no depósito.

— O que me interessa são as fotos tiradas no desfile da Festa das Crianças de 1966, mas também, de modo geral, fotos tiradas naquela semana.

Maja Blomberg perscrutou Mikael com o olhar.

— Não é a semana em que Harriet Vanger desapareceu?

— A senhora conhece a história?

— Impossível ter trabalhado a vida inteira no Hedestads-Kuriren e não conhecê-la, e quando Martin Vanger me chamou hoje de manhã, no meu dia de folga, tirei minhas próprias conclusões. Revisei artigos que falavam do caso nos anos 1960. Por que está investigando? Haveria novas revelações?

Maja Blomberg também parecia ter faro. Mikael balançou a cabeça com um breve sorriso e lançou seu pretexto.

— Não, e duvido muito que algum dia tenhamos a resposta para o que aconteceu com ela. Peço que não espalhe, mas estou escrevendo a biografia de Henrik Vanger. O desaparecimento de Harriet é um assunto à parte, mas também um capítulo que não se pode ignorar. Procuro fotos que possam ilustrar aquele dia, de Harriet e de suas colegas.

Maja Blomberg pareceu cética, porém como a explicação era plausível ela não tinha por que duvidar do que ele dizia.

O fotógrafo de um jornal utiliza em média entre dois e dez filmes por dia. Em épocas de grandes acontecimentos, esse número pode facilmente dobrar. Cada filme contém trinta e seis negativos, portanto não é incomum um jornal acumular mais de trezentas fotos todos os dias, das quais poucas são publicadas. Uma redação bem organizada divide os filmes em seis e põe cada tira dessas em seis envelopes numa página. Com isso, um filme equivale a mais ou menos uma página num arquivo de negativos. Um arquivo contém pouco mais de cento e dez filmes. Em um ano, acumulam-se entre vinte e trinta arquivos. Ao longo dos anos, isso acaba se transformando numa quantidade espantosa de arquivos, geralmente sem o menor valor comercial, atulhando as prateleiras da redação. No entanto, todos os fotógrafos e editores de fotografia estão convencidos de que as imagens representam um documento histórico de valor inestimável e não jogam nada fora.

Fundado em 1922, o Hedestads-Kuriren dispunha de uma editoria de fotografia desde 1937. O depósito do Kuriren abrigava mais de mil e duzentos arquivos de fotos, classificados por data. As imagens de setembro de 1966 representavam quatro arquivos de encadernação barata.

— Como eu faço? — perguntou Mikael. — Vou precisar de um negatoscópio e também copiar as fotos que me interessarem.

— Não temos mais laboratório. Escaneamos tudo. Sabe usar um escâner de negativos?

— Sim, já fiz fotos, eu mesmo tenho um Agfa em casa. Trabalho com o Photoshop.

— Então está tão bem equipado como nós.

Maja Blomberg levou Mikael para dar uma volta rápida pela redação, indicou-lhe um lugar diante de um negatoscópio e ligou um computador e um escâner. Mostrou-lhe também onde preparar café na copa. Arrumou tudo para que Mikael pudesse trabalhar sozinho e livremente, mas ele devia chamar Maja Blomberg quando fosse embora da redação, para que ela viesse trancar tudo e ligar o alarme. Ela o deixou com um jovial "Divirta-se".

Mikael precisou de várias horas para percorrer os arquivos. Dois fotógrafos trabalhavam no Hedestads-Kuriren naquela época. O que trabalhou no dia em questão foi Kurt Nylund, que Mikael já conhecia. Na época, Nylund tinha vinte anos. Mais tarde foi morar em Estocolmo e tornou-se um fotógrafo profissional reconhecido, atuando como freelancer mas também com a Pressens Bild, em Marieberg. Seus caminhos se cruzaram várias vezes nos anos 1990, quando a Millennium comprou fotos da Pressens Bild. Mikael tinha a lembrança de um homem magro de cabelos finos. Kurt Nylund utilizara um filme pouco sensível usado por muitos repórteres-fotográficos.

Mikael tirou dos envelopes as fotos do jovem Nylund e as pôs no negatoscópio, examinando uma por uma com a lupa. Mas ler negativos é uma arte que requer algum hábito, coisa que Mikael não tinha. Para saber se as fotos continham alguma informação valiosa, ele percebeu que seria obrigado a escanear cada imagem para observá-la depois no computador. Isso levaria horas. Decidiu então fazer um levantamento dos negativos que poderiam interessá-lo.

Começou selecionando as fotografias do acidente com o caminhão-tanque. Mikael constatou que o arquivo de cento e oitenta fotos de Henrik Vanger não estava completo; a pessoa que copiara a coleção — talvez o próprio Nylund — eliminara cerca de trinta fotos, ou porque estavam desfocadas, ou porque sua qualidade era medíocre para publicação.

Mikael deixou o computador do Hedestads-Kurirem e ligou o escâner em seu próprio notebook. Passou duas horas escaneando o restante das fotos.

Uma delas chamou de imediato sua atenção. Num certo momento entre 15hl0 e 15hl5, exatamente nos minutos em que Harriet desapareceu, alguém abrira a janela do quarto dela; Henrik Vanger tentara em vão descobrir quem foi. De repente, Mikael tinha na tela uma foto que devia ter sido tirada no momento em que a janela estava aberta. Era possível ver uma silhueta e um rosto, mas imprecisos, desfocados. Concluiu que a análise dessa foto poderia esperar até que ele escaneasse o resto.

Nas horas seguintes, Mikael examinou as fotos da Festa das Crianças. Kurt Nylund usou seis filmes, isto é, tirou mais de duzentas fotos. Era uma série descontínua de crianças com balões, adultos, vendedores de cachorro-quente, o desfile propriamente dito, um artista local sobre um estrado e uma distribuição de prêmios.

Mikael decidiu, por fim, escanear o conjunto de fotos. Ao cabo de seis horas, tinha um dossiê com noventa fotografias. Ele seria obrigado a voltar ao Hedestads-Kuriren.

Às nove da noite, ligou para Maja Blomberg, agradeceu e voltou para sua casa na ilha.

Ele regressou às nove da manhã do domingo. Também não havia ninguém quando Maja Blomberg o fez entrar. Mikael não se dera conta de que era feriado de Pentecostes e que o jornal só sairia na terça-feira. Pôde utilizar a mesma mesa de trabalho da véspera e passou o dia escaneando. Por volta das seis, ainda restavam quarenta fotos da Festa das Crianças. Mikael examinou os negativos e concluiu que os belos primeiros planos com crianças ou as fotos de artistas em cena não tinham o menor interesse para ele. O que lhe interessava era a animação das ruas e da multidão.