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Mikael passou toda a segunda-feira de Pentecostes examinando o novo material fotográfico. Fez duas descobertas. A primeira o encheu de consternação. A segunda fez seu coração bater mais rápido.

A primeira descoberta era sobre o rosto na janela do quarto de Harriet Vanger. A foto estava desfocada por causa da movimentação e por isso fora eliminada da coleção. O fotógrafo se posicionara diante da igreja e visara a ponte. As casas se achavam no plano de fundo. Mikael enquadrou a imagem de modo a recortar apenas a janela em questão, e a seguir fez diversas tentativas, ajustando o contraste e aumentando a precisão, até obter o que julgou ser a melhor qualidade possível.

O resultado foi uma imagem granulada de tons cinza, que mostrava uma janela retangular, uma cortina, a ponta de um braço e um rosto difuso em forma de meia-lua um pouco recuado no cômodo.

Constatou que o rosto não pertencia a Harriet Vanger, que tinha cabelos pretos, mas a uma pessoa com cabelos bem mais claros.

Constatou ainda que se podia distinguir partes mais escuras onde ficavam os olhos, o nariz e a boca, mas que era impossível obter traços nítidos do rosto. Estava convencido, porém, de que via uma mulher; a parte mais clara ao lado do rosto continuava até os ombros e indicava uma cabeleira feminina. Constatou que a pessoa usava roupas claras.

Fez uma estimativa da altura dela tomando por base a janela; uma mulher de cerca de um metro e setenta.

Ao fazer desfilar outras fotos do acidente da ponte, constatou que uma pessoa correspondia exatamente aos sinais que distinguia — Cecilia Vanger, aos vinte anos.

Kurt Nylund tirara ao todo dezoito fotos postado à janela do primeiro andar da Sundström, Moda Masculina. Harriet Vanger aparecia em dezessete. Harriet e suas colegas haviam chegado à rua da Estação no mesmo instante em que Kurt Nylund começara a fotografar. Mikael calculou que as fotos deviam ter sido tiradas num lapso de tempo de cinco minutos. Na primeira, Harriet e suas colegas estavam descendo a rua e entraram no campo da imagem. Nas fotos de 2 a 7 estavam imóveis, observando o desfile. Depois se deslocaram cerca de seis metros adiante na rua. Na última foto, talvez tirada um pouco mais tarde, o grupo inteiro havia desaparecido.

Mikael reuniu uma série de imagens na qual enquadrou Harriet da cintura para cima, tentando obter o melhor contraste. Colocou as fotos numa nova pasta, abriu o programa Graphic Converter e executou a função Diaporama. O efeito foi um filme mudo e entrecortado em que cada imagem aparecia durante dois segundos.

Harriet chega, foto de perfil. Harriet se detém e olha a calçada. Harriet vira o rosto para a rua. Harriet abre a boca para dizer alguma coisa à sua colega. Harriet ri. Harriet toca a orelha da colega com a mão esquerda. Harriet sorri. Harriet parece de repente surpresa, o rosto num ângulo de aproximadamente vinte graus à esquerda da objetiva. Harriet arregala os olhos e pára de sorrir. A boca de Harriet se transforma num traço estreito. Harriet fixa o olhar em alguma coisa. Em seu rosto se pode ler... o quê? Aflição, choque, raiva? Harriet baixa os olhos. Harriet não está mais lá.

Mikael repassou a sequência várias vezes.

Ela confirmava nitidamente a hipótese que ele formulara. Alguma coisa ocorreu na rua da Estação em Hedestad. A lógica era evidente.

Ela vê alguma coisaalguémdo outro lado da rua. Está chocada. Mais tarde vai procurar Henrik Vanger para uma conversa particular que nunca aconteceu. Depois desaparece sem deixar vestígios.

Alguma coisa ocorreu naquele dia. Mas as fotos não explicavam o quê.

Às duas da manhã de terça-feira, Mikael fez café e preparou sanduíches que comeu sentado no banco da cozinha. Estava ao mesmo tempo desanimado e excitado. Contra todas as expectativas, ele havia descoberto novos indícios. O problema era que, se eles jogavam uma nova luz sobre os acontecimentos, não o faziam avançar um milímetro na solução do enigma.

Refletiu muito sobre o papel que Cecilia Vanger desempenhara no drama. Henrik Vanger descrevera em detalhe as atividades de todos os protagonistas naquele dia e Cecilia não fora exceção. Em 1966 ela morava em Uppsala, mas chegou a Hedeby dois dias antes daquele sábado funesto. Estava hospedada num quarto de hóspedes da casa de Isabella Vanger. Declarou ter visto Harriet de manhã, mas não chegou a falar com ela. No sábado foi a Hedestad fazer compras. Não viu Harriet e regressou à ilha por volta da uma da tarde, no momento em que Kurt Nylund tirava a série de fotos na rua da Estação. Trocou de roupa e às duas começou a ajudar a preparar a mesa para o almoço.

Como álibi, era fraco. As horas eram aproximadas, sobretudo no que dizia respeito a seu retorno à ilha, mas Henrik Vanger nunca duvidou um segundo de que ela pudesse ter mentido. Cecilia era uma das pessoas da família que Henrik queria bem. Além disso, fora amante de Mikael. Ele tinha dificuldade de ser objetivo e não podia de modo algum imaginá-la no papel de uma assassina.

E eis que agora uma foto na janela vinha insinuar que ela mentira ao dizer que não havia entrado no quarto de Harriet. Os pensamentos se engalfinhavam na cabeça de Mikael.

Se ela mentiu sobre isso, que outras mentiras teria contado?

Mikael fez um balanço do que sabia sobre Cecilia. Via-a como uma pessoa apesar de tudo reservada, aparentemente marcada pelo passado, e o resultado é que vivia sozinha, carente de vida sexual e com dificuldade de se aproximar das pessoas. Guardava distância dos outros e, quando por um momento se deixou levar e se lançou sobre um homem, escolheu Mikael, um estranho de passagem. Cecilia disse que estava rompendo a relação deles por não suportar a idéia de que ele ia desaparecer de sua vida de uma hora para a outra. Mas foi exatamente pela mesma razão, talvez, que ousou dar um passo e iniciar um caso com ele. Como se tratava de um caso passageiro, ela não precisava temer uma transformação radical de sua vida. Mikael suspirou e deixou essas especulações psicológicas de lado.

Ele fez a segunda descoberta nessa mesma noite. A chave do enigma — ele estava convencido — era o que Harriet tinha visto na rua da Estação em Hedestad. Mikael nunca saberia o que era, a não ser que inventasse uma máquina do tempo e se colocasse atrás de Harriet para olhar por cima de seu ombro.

No momento mesmo em que esse pensamento lhe aflorou ao espírito, ele bateu na testa com a palma da mão e precipitou-se ao notebook. Clicou para fazer surgir a série de imagens não recortadas da rua da Estação e... ali estava!

Atrás de Harriet Vanger, cerca de um metro à direita dela, havia um jovem casal, ele de suéter listado e ela com uma blusa clara. Ela segurava uma máquina fotográfica na mão. Mikael ampliou a foto e teve a impressão de ver uma Kodak Instamatic com flash embutido — um aparelho barato para pessoas que não entendem de fotografia.

A mulher mantinha o aparelho na altura do queixo. Depois o levantava e fotografava os palhaços, no momento em que o rosto de Harriet mudava de expressão.

Mikael comparou a posição da máquina com a direção do olhar de Harriet. A mulher havia fotografado quase exatamente o que Harriet Vanger estivera olhando.

De repente, Mikael tomou consciência de que seu coração batia com força. Jogou o corpo para trás e tirou o maço de cigarros do bolso da camisa. Alguém havia tirado uma foto. Mas como identificar essa mulher? Como obter sua foto? Teria o filme sido aproveitado e, nesse caso, a foto existiria em algum lugar?