— La illah illa Allah...
Ele tentou retomar as orações mas, nesse momento, o movimento das hélices atirou neve em seu rosto. Atrás dele, o cavalo relinchou e saltou tomado de súbito pânico, escorregando e deslizando por estar com as patas travadas. Puxado bruscamente pelo cabresto, o camelo de carga, também em pânico, levantou-se cambaleando, berrando, e saiu tropeçando de um lado para o outro, apoiado em três patas, sacudindo a carga e enrolando-se nas cordas.
Sua raiva explodiu.
— Infiel! — Gritou para o helicóptero que agora estava quase sobre a borda da montanha, ficou em pé de um salto e agarrou a arma, soltou a trava de segurança e deu uma rajada, depois corrigiu e esvaziou o pente.
— Satã! — Berrou no súbito silêncio.
Quando as primeiras balas atingiram o aparelho, o jovem piloto, Scot Gavallan, ficou por um momento paralisado, olhando estupefato para os buracos na capota de plástico à sua frente.
— Jesus Cristo... — gaguejou, nunca tendo sido alvejado antes, mas suas palavras foram abafadas pelo homem que estava ao lado dele no assento da frente, cujas reações foram precisas e instantâneas:
— Suba! — A ordem retumbou no seu fone de ouvido. — Suba! — Tom Lochart tornou a gritar no seu microfone. Então, como não tinha os seus próprios comandos, alcançou os comandos que estavam à esquerda do piloto e empurrou a alavanca para baixo, cortando abruptamente a energia e a sustentação. O helicóptero começou a balançar, perdendo altura. Nesse momento, a segunda rajada atingiu-os. Houve um ruído sinistro acima e atrás, em algum outro lugar uma bala fez o metal gemer, os motores tossiram e o helicóptero despencou lá de cima.
Era um Jet Ranger 206, com piloto e quatro passageiros, um na frente, três atrás, e estava lotado. Há uma hora, Scot havia rotineiramente apanhado os outros, de volta de uma licença de um mês, no aeroporto de Shiraz, cerca de oitenta quilômetros a sudeste, mas agora a rotina se transformara em pesadelo e a montanha avançava rapidamente em direção a eles quando, já quase em cima do cume, a rocha afastou-se milagrosamente, fazendo uma inclinação, e o helicóptero mergulhou numa depressão, dando-lhe um segundo de trégua para recuperar um pouco a estabilidade e o controle.
— Cuidado, pelo amor de Deus! — disse Lochart.
Scot tinha visto o perigo, mas não tão depressa. De um golpe, forçou o helicóptero a uma guinada assustadora, contornando a saliência. A parte esquerda do trem de pouso arrastou-se nas rochas, gemendo em protesto, e mais uma vez eles mergulharam, passando a poucos metros da superfície irregular de rochas e árvores, que se inclinaram e tornaram a se erguer.
— Baixo e rápido — disse Lochart. — Por ali, Scot! Não, por ali, por aquele lado, descendo naquela garganta.. Você foi atingido?
— Não, não. Acho que não. E você?
— Não, você está indo bem agora, entre na garganta, vamos, depressa! Scot Gavallan obedeceu, fazendo uma curva inclinada, muito baixo e muito depressa, mas sua mente ainda não estava inteiramente normal. Ainda havia um gosto de bile em sua boca e seu coração batia disparado. Por trás da divisória, ele podia ouvir os gritos e as imprecações dos outros, lá atrás, acima do barulho dos motores, mas não podia se arriscar a olhar para trás e perguntou ansiosamente pelo intercomunicador:
— Tem alguém ferido lá, Tom?
— Não pense neles, concentre-se. Cuidado com o cume, eu trato deles! — disse Tom Lochart, olhando para todos os lados. Ele tinha 42 anos, era canadense, ex-piloto da RAF, ex-mercenário, e agora piloto-chefe da sua base, Zagros Três. — Cuidado com o cume e prepare-se para se desviar outra vez. Fique perto do chão e mantenha-o baixo. Cuidado!
O cume estava ligeiramente acima deles e aproximou-se depressa demais. Gavallan viu os dentes das rochas diretamente no seu caminho. Só teve tempo de dar uma guinada para desviar-se quando uma rajada violenta de vento empurrou-o, perigosamente, para perto do lado escarpado da garganta. Corrigiu o rumo; ouviu as obscenidades no seu fone de ouvido e recuperou o controle. Então, na sua frente, viu as árvores, as rochas e o final abrupto da garganta, e percebeu que estavam perdidos.
De repente, tudo pareceu andar mais devagar.
— Jesus Cris...
— Com força para a esquerda... cuidado com a rocha!
Scot sentiu as mãos e os pés obedecendo e viu o helicóptero dar uma pirueta e passar a poucos centímetros das rochas, bater nas árvores, cavalgar sobre elas e escapar para o espaço aberto.
— Pouse ali, o mais depressa que puder.
Ele olhou boquiaberto para Lochart, com as entranhas ainda se revolvendo.
— O quê?
— Claro. É melhor dar uma olhada. Checar o helicóptero — disse Lochart apressadamente, odiando não ter os controles. — Ouvi alguma coisa partir-se.
— Eu também, mas e o trem de pouso, ele pode ter sido arrancado?
— Apenas mantenha-o suspenso. Vou sair e checar. Se o trem de pouso estiver direito, ponha-o no chão para que eu possa fazer uma inspeção rápida. É mais seguro fazer isto; só Deus sabe se as balas cortaram um conduto de óleo ou danificaram um cabo.
Lochart viu Scot tirar os olhos da clareira para dar uma olhada nos passageiros.
— Para o inferno com eles, pelo amor de Deus. Eu cuido deles — disse rispidamente. — Você se concentre na aterrissagem.
Viu o rapaz enrubescer mas obedecer, e então, tentando conter uma súbita náusea, Lochart virou-se esperando ver sangue e vísceras espalhados por todo o lado e alguém gritando — gritos abafados pelos motores — sabendo que não havia nada que pudesse fazer até que alcançassem um abrigo e aterrissassem, a primeira obrigação era sempre aterrissar em segurança.
Para seu imenso alívio, os três homens que estavam no assento traseiro — dois mecânicos e um piloto — não pareciam estar feridos, embora estivessem todos curvados nos assentos, e Jordon, o mecânico que estava bem atrás de Scot, estivesse lívido, segurando a cabeça com as mãos. Lochart tornou a virar para a frente.
Estavam voando a uns 15 metros de altura agora, numa boa rota e se aproximando depressa. Na clareira, a superfície era nua, branca e lisa sem nenhum tufo de grama aparente, e com altos montes de neve dos lados. Aparentemente uma boa escolha. Havia espaço bastante para manobrar e pousar. Mas como avaliar a profundidade da neve e o nível da terra que estava oculta por baixo? Lochart sabia o que faria se tivesse os controles. Mas não tinha, não era o comandante, embora fosse mais graduado.
— Eles estão bem, lá atrás, Scot.
— Graças a Deus — disse Scot Gavallan. — Você está pronto para sair?
— O que você está achando do terreno?
Scot percebeu o aviso na voz de Lochart; interrompendo instantaneamente o pouso, aumentou a potência e se manteve no ar. Cristo, pensou, quase em pânico pela própria estupidez, se Tom não tivesse me alertado eu teria pousado e só Deus sabe qual a profundidade da neve ou o que está por baixo! Ergueu-se a trinta metros e observou a encosta da montanha.
— Obrigado, Tom. Que tal ali?
A outra clareira era menor, ficava a poucas centenas de metros, do outro lado do vale, mais para baixo, com boas possibilidades de fuga para o caso de precisarem, e era protegida do vento. O chão estava quase sem neve, era acidentado mas servia.
— Também me parece melhor. — Lochart tirou um dos fones e olhou para trás. — Ei, Jean-Luc — gritou por cima do barulho dos motores —, você está bem?
— Estou, ouvi alguma coisa se partir.
— Nós também. Jordon, você está bem?
— É claro que estou muito bem, pelo amor de Deus — respondeu Jordon azedo. Era um australiano magro e rijo e estava balançando a cabeça como um cachorro. — Só bati com a minha maldita cabeça, né? Malditas balas! Pensei que Scot tinha dito que as coisas estavam melhorando com o maldito xá longe e com o maldito Khomeini de volta. Melhores? Agora estão atirando em nós! Eles nunca fizeram isto antes. Que diabo está acontecendo?