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— Deus é grande... — Hussein tornou a gritar.

Imediatamente a multidão recomeçou a gritaria e a gritaria subiu à cabeça e ao coração dos soldados. Um dos que estavam na fileira da frente era Ali Bewedan, um recruta como os outros, jovem como os outros, há pouco tempo um aldeão como os outros e como os que estavam do lado de fora da cerca. Sim, pensou, com a cabeça doendo e o coração disparado, estou do lado de Deus e pronto para ser sacrificado pela Fé e pelo Profeta, cujo Nome seja louvado! Oh, Deus, permita que eu seja um mártir e vá direto para o Paraíso conforme está prometido aos fiéis. Deixe-me derramar o meu sangue pelo Islã e por Khomeini, mas não protegendo os malditos servos do xá!

As palavras de Khomeini soavam sem parar em seus ouvidos, palavras que ele ouviu no cassete que o mulá tocara na mesquita há dois dias: "... Soldados: juntem-se a seus irmãos e irmãs para fazer o trabalho de Deus, fujam de suas barracas com suas armas, desobedeçam às ordens ilegais dos generais, derrubem o governo ilegal! Façam o trabalho de Deus, Deus é Grande..."

Seu coração voltou ao normal quando tornou a ouvir a voz, a voz forte, bem camponesa do líder dos líderes, que tornava tudo claro. "Deus é grande, Deus é grande..."

O jovem soldado não percebeu que gritava junto com a multidão, os olhos fixos no mulá que estava do outro lado do portão, do lado de Deus, lá fora, batendo no portão, conduzindo os que ele sabia serem seus irmãos e irmãs, tentando arrombá-lo. Seus irmãos soldados que estavam próximos ficaram ainda mais inquietos e nervosos, e o olharam, sem dizer nada, com a cantoria subindo também para suas cabeças e seus corações. Muitos dos que estavam no interior da cerca gostariam de abrir o portão. A maioria teria feito isso se não fosse pelos oficiais e sargentos e pelos castigos inevitáveis, até mesmo a morte, que eles sabiam ser a recompensa para o motim.

— Do lado de Deus, lá fora...

O cérebro do jovem pareceu explodir com estas palavras e não ouviu o sargento gritando com ele, nem o viu, vendo apenas o portão que estava fechado para os fiéis. Largou o rifle e correu para o portão, que estava a uns cinqüenta metros. Por um momento, fez-se um enorme silêncio, todos os olhos de dentro e de fora pousados nele, petrificados.

O comandante, coronel Muhammad Peshadi, estava em pé perto do tanque de comando, um homem ágil de cabelos grisalhos, com um uniforme impecável. Viu o jovem gritando "Allahhhh-u Akkbarrrr...", a única voz que se ouvia naquele momento.

Quando o rapaz estava a uns cinco metros da cerca, o coronel fez um sinal ao sargento a seu lado.

— Mate-o — disse em voz baixa.

Nos ouvidos do sargento ressoava o grito de guerra do rapaz, que agora tentava arrancar as traves do portão. Com um único movimento, arrancou o rifle do soldado mais próximo, destravou-o, apoiou-se momentaneamente no tanque, mirou a cabeça do rapaz e puxou o gatilho. Viu o rosto do rapaz explodir, salpicando os que estavam do outro lado do portão. Então o corpo tombou e ficou obscenamente pendurado no arame farpado.

Por um instante, fez-se um silêncio ainda maior. Depois, sincronizada-mente, sob o comando de Hussein, a multidão avançou, urrando, como um único ser insensato e inconsciente. Aqueles que estavam na frente puxaram violentamente os arames, sem se importarem com as farpas que lhes rasgavam as mãos. Incentivados pelos que estavam atrás, começaram a subir nos arames farpados.

Uma submetralhadora começou a atirar no meio deles. Neste momento, o coronel fez um sinal para o oficial no tanque.

Imediatamente, uma língua de fogo soltou-se do cano do canhão de cem milímetros que apontava para cima da multidão e despejou uma carga de festim, mas o susto da explosão fez com que os atacantes saíssem correndo do portão, em pânico, meia dúzia de soldados também deixaram seus rifles caírem, de susto, alguns fugiram, e muitos dos espectadores desarmados se espalharam apavorados. O segundo tanque atirou, com o cano apontado para mais perto do chão, e a língua de fogo mais baixa.

A multidão se dispersou. Homens e mulheres fugiram do portão e da cerca, tropeçando uns nos outros na sua pressa. Mais uma vez o tanque principal atirou, e mais uma língua de fogo e uma explosão ensurdecedora, e a multidão redobrando seus esforços para fugir. Só o mulá Hussein ficou no portão. Ele oscilou como um bêbado, momentaneamente cego e surdo, depois suas mãos agarraram os pilares do portão e ele se pendurou lá. No mesmo instante, instintivamente, muitos correram para ajudá-lo, soldados, sargentos e um oficial.

— Fiquem onde estão! — urrou o coronel Peshadi, depois apanhou o microfone e colocou-o no máximo de potência. Sua voz explodiu na noite. — Todos os soldados fiquem onde estão! Mantenham as travas de segurança! MANTENHAM AS TRAVAS DE SEGURANÇA! Todos os oficiais e sargentos encarreguem-se dos seus homens! Sargento, venha comigo!

Ainda em choque, o sargento marchou ao lado do seu comandante que se dirigiu ao portão. Espalhados em frente ao portão havia umas trinta ou quarenta pessoas que tinham sido pisoteadas. A massa de manifestantes parara a uns cem metros de distância e começava a se reorganizar. Alguns dos mais entusiasmados iniciaram uma investida. A tensão aumentou.

— PAREM! TODOS FIQUEM ONDE ESTÃO!

Desta vez o comandante foi obedecido. Imediatamente. Ele sentia o suor escorrendo pelas costas, o coração disparado no peito. Lançou um breve olhar ao corpo preso no arame farpado, contente por ele — o rapaz não tinha sido sacrificado com o Nome de Deus nos lábios e, portanto, não estava já no Paraíso? —, e depois falou asperamente pelo alto-falante.

— Vocês três... sim, vocês três, ajudem o mulá. AGORA! — Na mesma hora, os homens que ele havia apontado do lado de fora da cerca correram para cumprir a ordem. Ele fez um sinal zangado com o polegar para alguns soldados. — Vocês! Abram o portão! Vocês, levem embora o corpo!

Mais uma vez foi imediatamente obedecido. Atrás dele, alguns grupos começaram a se movimentar, e ele urrou.

— Eu disse FIQUEM ONDE ESTÃO! O PRÓXIMO QUE SE MOVER SEM MINHA ORDEM SERÁ UM HOMEM MORTO! — Todo mundo ficou paralisado. Todo mundo.

Peshadi esperou um momento, quase que desafiando alguém a se mover. Ninguém o fez. Então, tornou a olhar para Hussein, a quem conhecia bem.

— Mulá — disse Peshadi, em voz baixa —, você está bem? — Estava em pé ao lado dele agora. O portão aberto. A poucos metros de distância os três aldeões esperavam, petrificados.

Hussein sentia uma dor monstruosa na cabeça e seus ouvidos também doíam terrivelmente. Mas podia ouvir e ver, e embora suas mãos estivessem ensangüentadas do arame farpado, sabia que não estava ferido e que ainda não era o mártir que tanto desejava ser.

— Eu exijo — disse fracamente. — Eu exijo esta... esta base em nome de Khomeini.

— Você virá ao meu escritório imediatamente — interrompeu-o o coronel, com a voz e o rosto severos. — E vocês três também, como testemunhas. Vamos conversar, mulá. Eu vou ouvir e você vai ouvir. — Tornou a ligar o alto-falante e explicou o que ia acontecer, com a voz ainda mais grave, as palavras ecoando, penetrando na noite. — Ele e eu vamos conversar. Vamos conversar pacificamente e depois o mulá vai voltar para a mesquita e todos vocês retornarão às suas casas para rezar. O portão permanecerá aberto. O portão será guardado pelos meus soldados e pelos meus tanques, e por Deus e pelo Profeta cujo Nome seja louvado, se qualquer um de vocês transpuser o portão ou pular a cerca sem ser convidado, será morto por meus soldados. Se invadirem minha base, levarei meus tanques até suas aldeias e queimarei as aldeias e vocês junto com elas! Longa vida para o xá! — Deu meia-volta e se afastou, e o mulá e os três assustados aldeões seguiram-no vagarosamente. Ninguém mais se mexeu.