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Starke sorriu. Isso tinha sido logo depois que eles se casaram, há dez anos. Ele voltara ao Texas para se casar assim que seu emprego na S-G ficou mais firme. Agora tinham três filhos, dois meninos e uma menina, e podia apenas sustentá-los. Agora? Agora, o que iria acontecer? Meu emprego aqui está ameaçado, a maioria dos nossos amigos iranianos foi embora, as lojas, que antes estavam cheias, agora estão vazias — e há medo onde só houvera alegria.

O maldito Khomeini e esses malditos mulás, pensou. Ele realmente destruiu um ótimo modo de vida e um grande lugar. Gostaria que Manuela pegasse os garotos e fosse para Londres e de lá para Lubbock, até que o Irã se estabilizasse. Lubbock ficava no Texas onde seu pai ainda dirigia o rancho da família. Três mil hectares, alguns bois, alguns cavalos, alguma plantação, o bastante para a família viver confortavelmente. Gostaria que ela já estivesse lá, mas não haveria nenhuma correspondência por muitas semanas e os telefones com certeza não estariam funcionando. Maldito Khomeini, assustando-a com seus discursos — imagino o que ele dirá para Deus e Deus para ele quando se encontrarem, como fatalmente acontecerá.

Espreguiçou-se e tornou a sentar na poltrona. Viu Ayre observando-o, com os olhos injetados.

— Você tomou mesmo um porre.

— Era meu dia de folga, meus dois dias, aliás, e eu não tinha previsto essa agitação. Na verdade, estava com intenção de beber para esquecer, sinto falta da minha cara-metade, que Deus a abençoe, e, de qualquer forma, o Hogmanay é importante para nós, escoceses e...

— Hogmanay foi na véspera do Ano-Novo e hoje é dia 10 de fevereiro e você é tão escocês quanto eu.

— Duke, você precisa aprender que os Ayres são um clã muito antigo e eu sei até tocar gaita de fole, meu chapa. — Ayre bocejou longamente. — Cristo, estou cansado. — Ele se enterrou mais na cadeira, tentando arranjar uma posição mais confortável, depois olhou pela janela. No mesmo instante seu cansaço desapareceu. Um oficial iraniano saía apressadamente do QGE atravessava a rua em direção a eles. Era o major Changiz, o ajudante-de-ordens do comandante.

Quando entrou, seu rosto estava tenso.

— Todos os oficiais devem apresentar-se ao comandante às sete horas — disse em farsi. — Todos os oficiais. Haverá uma parada com todo o pessoal do Exército e da Força Aérea às oito horas, na praça. Qualquer um que faltar, qualquer um — acrescentou sombriamente — exceto por razões de saúde aprovadas por mim, com antecedência, pode esperar uma punição severa e imediata. — Seus olhos percorreram a sala até encontrarem Starke. — Siga-me, por favor, capitão.

O coração de Starke quase parou.

— Por que major? — perguntou em farsi.

— O comandante quer vê-lo.

— Para quê?

O major deu de ombros e saiu. Starke disse para Ayre em voz baixa:

— É melhor alertar os nossos rapazes. E Manuela também. Entendeu?

— Entendi. — E depois resmungou — Cristo.

Enquanto atravessava a rua e subia as escadas, Starke podia sentir todos os olhos fixos nele como se fossem um peso. Graças a Deus eu sou um civil e trabalho para uma companhia britânica e não estou mais no Exército dos Estados Unidos. Exército nunca mais, pensou com ardor.

— Maldição — murmurou, recordando-se do ano miserável passado no Vietnã, logo no início, quando não havia forças americanas no Vietnã, 'só alguns conselheiros'. Uma ova! E o filho da puta daquele imbecil, capitão Ritman, que ordenou que todos os helicópteros da base, uma base que ficava no meio da selva, a milhões de quilômetros de qualquer lugar, pelo amor de Deus, fossem pintados com as cores da bandeira americana: "E isso mesmo, porra, todos pintados. Deixem os veados saberem quem somos nós e eles vão arrastar seus traseiros de volta até a maldita Rússia." — Os vietcongues podiam-nos ver chegando a cinqüenta quilômetros de distância e foi um verdadeiro inferno. Perdemos três Hueys com toda a tripulação antes que o filho da puta fosse mandado para Saigon, promovido e elogiado. Não é de espantar que tenhamos perdido a maldita guerra.

Ele entrou no prédio e subiu as escadas, passou pelos três aldeões petrificados que tinham sido expulsos para a ante-sala, e entrou no covil do comandante.

— Bom dia, coronel — disse cautelosamente, em inglês.

— Bom dia, capitão Starke. — Peshadi começou a falar em farsi — Eu gostaria que conhecesse o mulá Hussein Kowissi.

— Que a paz o acompanhe — disse Starke em farsi, bem consciente dos respingos do sangue do rapaz que fora morto, que ainda manchavam o turbante branco e a vestimenta vermelha do homem.

— Que a paz o acompanhe.

Starke estendeu a mão para cumprimentá-lo, como era o hábito correto. Bem a tempo, notou as marcas de sangue coagulado nas palmas das mãos do homem, causadas pelo arame farpado, e apertou-lhe a mão apenas de leve. Mesmo assim, viu o mulá fazer uma careta de dor.

— Desculpe — disse em inglês.

O mulá apenas o encarou e Starke sentiu toda a força do ódio daquele homem.

— O senhor mandou-me chamar, coronel?

— Sim. Sente-se, por favor. — Peshadi indicou-lhe a cadeira vazia em frente à escrivaninha. O escritório era espartano, e meticulosamente arrumado. Uma fotografia do xá e de Farah, sua esposa, em trajes de gala, era a única decoração da parede. O mulá sentara-se de costas para o retrato. Starke ocupou a cadeira em frente aos dois homens.

Peshadi acendeu outro cigarro e viu o olhar desaprovador de Hussein fixar-se no cigarro e depois cair em cheio em seu rosto. Ele o encarou de volta. Fumar era proibido pelo Corão — de acordo com algumas interpretações. Tinham discutido esta questão por mais de uma hora. Depois o coronel dissera de forma conclusiva:

— Fumar ainda não está proibido no Irã. Sou um soldado. Jurei obedecer ordens. Eu...

— Mesmo uma ordem ile...

— Repito: as ordens de Sua Majestade Imperial, o xainxá Muhammad Pahlavi ou do seu representante, o primeiro-ministro Bakhtiar, ainda são legais, de acordo com a lei do Irã. O Irã ainda não é um estado islâmico. Ainda não. Quando o for, eu obedecerei às ordens de quem quer que esteja governando o estado islâmico.

— O senhor obedecerá ao aiatolá Khomeini?

— Se o aiatolá Khomeini vier a ser o nosso governante legal, é claro que sim. — O coronel balançara a cabeça Simpaticamente, mas estava pensando: antes desse dia chegar haverá muito derramamento de sangue. — E a mim, se eu for escolhido líder deste possível estado islâmico, o senhor obedecerá a mim?

Hussein não sorrira.

— O líder do estado islâmico será o imã, o Turbilhão de Deus, e depois dele virá um outro aiatolá, e depois mais outro.

E agora aquele olhar de pedra, inflexível, ainda estava fixado nele, e Peshadi teve vontade de esmagar o mulá no chão e pegar seus tanques e esmagar todo mundo que se recusasse a obedecer às ordens do xainxá, seu governante indicado por Deus. Sim, pensou, o nosso dirigente mandado por Deus que, como seu pai, enfrentou vocês, mulás, e sua sede de poder, que reprimiu seu dogmatismo arcaico e tirou o Irã do obscurantismo, dando-lhe a grandeza que era sua por direito; que, sozinho, coagiu a OPEP a enfrentar o enorme poder das companhias de petróleo estrangeiras, que expulsou a Rússia do Azerbeijão depois da Segunda Guerra Mundial e a mantém acuada, lambendo-lhe as mãos como um cachorrinho.

Por Deus e pelo Profeta, disse a si mesmo, furioso, devolvendo o olhar de Hussein, não consigo entender por que esses mulás fodidos não reconhecem a verdade a respeito daquele velho senil do Khomeini, que grita mentiras do seu leito de morte, por que eles não percebem que os soviéticos o estão patrocinando, alimentando, protegendo, para levá-los a incitar os camponeses a arrasar o Irã e torná-lo um protetorado soviético!

Precisamos apenas de uma única ordem: Esmaguem a rebelião imediatamente!

Com uma ordem dessas, por Deus, em três dias eu tornaria toda a região em torno de Kowiss tranqüila, pacífica e próspera, com os mulás de volta às mesquitas, onde é o lugar deles e os fiéis rezando cinco vezes por dia — em um mês as Forças Armadas fariam o Irã voltar a ser o que era há um ano e resolveriam o problema de Khomeini para sempre. Poucos minutos depois dessa ordem eu o prenderia, rasparia publicamente metade da sua barba, tiraria toda a sua roupa e o faria desfilar pelas ruas numa carroça de estrume. Deixaria o povo ver o que ele realmente é: um velho abatido e cansado. Basta torná-lo um perdedor e todo mundo vai virar a cara para ele. Surgiriam, então, acusadores entre os aiatolás que adoram a vida, o amor, o poder, a terra e o falatório, surgiriam acusadores entre os mulás e os bazaaris e entre o povo e, juntos, eles o liquidariam.