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— Eu só quero ver como é — Scragger respondera, irritado. — Ponha seu rabo no assento do comandante, apanhe aquele chato em Siri e pouse o aparelho como uma pluma em Lengeh ou isto estará no seu maldito relatório.

Kasigi estava esperando na pista. Não havia nenhuma sombra e ele se sentia encalorado, suado e empoeirado. As dunas estendiam-se em direção aos oleodutos e ao complexo de tanques, todos marrons de poeira. Scragger observou os demônios da poeira, pequenos redemoinhos, dançando no solo, e agradeceu às estrelas por poder voar e não ter que trabalhar num lugar daqueles. Sim, os helicópteros são barulhentos e estão sempre vibrando e se desgarrando, pensou, mas sinto falta das alturas, de voar sozinho nos céus, mergulhando, virando de cabeça para baixo e caindo como uma águia para tornar a subir — mas voar é voar e continuo detestando ficar sentado nesta maldita cabine. Pelo amor de Deus, aqui ainda é pior do que em um avião de carreira! Detestava voar sem os controles e nunca se sentia seguro e seu desconforto aumentou quando fez sinal a Kasigi para sentar-se a seu lado e bateu a porta do aparelho. Os dois mecânicos cochilavam nos bancos em frente, os macacões brancos manchados de suor. Kasigi ajustou o colete salva-vidas e apertou o cinto de segurança.

Uma vez lá em cima, Scragger inclinou-se para ele.

— Não há outra maneira de contar-lhe a não ser bem depressa, então lá vai: pode haver um ataque terrorista a Siri, a uma das plataformas, talvez até ao seu navio. De Plessey pediu-me para avisá-lo.

O ar saiu sibilando da boca de Kasigi.

— Quando? — perguntou, por cima do terrível barulho da cabine.

— Não sei. Nem de Plessey. Mas é mais do que possível.

— Como? Como vão sabotar-nos?

— Não faço idéia. Com armas ou explosivos, talvez com uma bomba-relógio, então é melhor aumentar o esquema de segurança.

— Já é o melhor possível — respondeu Kasigi, imediatamente, e então viu o lampejo de raiva nos olhos de Scragger. Por um segundo não conseguiu imaginar a razão, depois lembrou-se do que acabara de dizer. — Ah, sinto muito, capitão. Não quis parecer orgulhoso. É que mantemos padrões muito altos, e nesta águas meus navios estão... — Quase dissera 'em pé de guerra', mas parou a tempo, contendo a irritação por causa da sensibilidade do outro. — Nestas águas, todo mundo é mais do que cuidadoso. Por favor, desculpe-me.

— De Plessey queria que o senhor soubesse. E também que conservasse a boca fec... que mantivesse segredo, para não irritar nenhum iraniano.

— Compreendo. A informação está bem guardada. Mais uma vez obrigado. — Kasigi viu Scragger balançar ligeiramente a cabeça e depois acomodar-se no assento.

Também teve vontade de balançar a cabeça e dar tudo por encerrado, mas como o australiano salvara a vida dos seus companheiros bem como a sua própria, permitindo, portanto, que pudessem continuar servindo à companhia e ao seu líder, Hiro Toda, achou que era seu dever tentar cicatrizar as feridas.

— Capitão — disse o mais baixo que pôde devido ao barulho dos jatos —, compreendo por que nós, japoneses, somos odiados pelos australianos e peço desculpas por todos os Changis, todas as estradas de Burma, e todas as atrocidades. Só posso lhe dizer a verdade: esses fatos são ensinados em nossas escolas e não foram esquecidos. É motivo de vergonha nacional que tenham acontecido.

É verdade, pensou, zangado. Cometer aquelas atrocidades foi estúpido, mesmo que aqueles idiotas não entendessem que estavam cometendo atrocidades — afinal de contas, na maioria dos casos, o inimigo era covarde, renderam-se covardemente aos milhares, perdendo, portanto, o direito de serem tratados como seres humanos de acordo com o nosso Bushido, o nosso código, que determina que render-se é a maior desonra que pode haver para um soldado. Uns poucos erros cometidos por alguns sádicos, por alguns guardas das prisões camponeses e ignorantes — geralmente coreanos comedores de alho — e todos os japoneses tiveram que sofrer as conseqüências para sempre. É uma vergonha para o Japão. E a pior das vergonhas é que nosso líder supremo na guerra faltou ao seu dever e forçou nosso imperador à vergonha de ser obrigado a terminar a guerra.

— Por favor, aceite as minhas desculpas em nome de todos nós. — Scragger olhou-o. Depois de uma pausa disse simplesmente:

— Desculpe, mas não posso. Em primeiro lugar, meu antigo sócio, Forsyth, foi o primeiro homem a entrar em Changi; ele nunca se recuperou do que viu; em segundo lugar, muitos dos meus conterrâneos, não apenas prisioneiros de guerra, foram atingidos. Muitos mesmo. Não posso esquecer. E mais do que isso, não quero esquecer. Não quero, porque se o fizesse esta seria nossa última traição para com eles. Nós os traímos, a todos, na paz... que paz? Nós os traímos, é o que eu acho. Sinto muito, mas é isso.

— Eu compreendo. Mesmo assim podemos fazer as pazes, você e eu. Não?

— Talvez. Talvez com o tempo.

Ah, tempo, pensou Kasigi, confuso. Hoje estive mais uma vez à beira da morte. Quanto tempo nós teremos, você e eu? O tempo não é uma ilusão e toda a vida apenas uma ilusão dentro de ilusões? E a morte? O poema de morte do seu reverenciado ancestral samurai resumia-a perfeitamente: O que são as nuvens, / Senão uma desculpa para o céu? / O que é a vida, / Senão uma fuga da morte?

O ancestral era Yabu Kasigi, daimio de Izu e Baka e partidário de Yoshi Toronaga, o primeiro e o maior dos xoguns Toronaga, que governaram hereditariamente o Japão de 1603 até 1871, quando o imperador Meiji finalmente eliminou o xogunato e declarou ilegal a classe dos samurais. Mas Yabu Kasigi não era lembrado pela lealdade a seu senhor feudal nem pela coragem em batalha — como o era seu famoso sobrinho Omi Kasigi, que lutou por Toronaga na grande batalha de Sekigahara, teve a mão arrancada mas ainda assim comandou o ataque que derrotou o inimigo.

Oh, não, Yabu traiu Toronaga, ou tentou traí-lo, e então recebeu dele a ordem de cometer sepuku — a morte ritual por desventramento. Yabu era reverenciado pela caligrafia do seu poema de morte e pela coragem com que cometeu sepuku. Naquele dia, ajoelhando-se diante dos samurais reunidos, dispensou desdenhosamente o samurai que ficaria em pé atrás dele, com uma longa espada, para terminar mais depressa sua agonia cortando-lhe a cabeça, poupando-o, assim, da vergonha de gritar. Ele apanhou a faca curta e enfiou-a até o cabo no estômago, então, lentamente, fez os quatro cortes, a mais difícil forma de sepuku — para o lado e para baixo, novamente para o lado e para cima — depois arrancou suas próprias entranhas para finalmente morrer, sem ter dado um único grito.

Kasigi estremeceu só de pensar em ter que fazer o mesmo, sabendo que não teria coragem. A guerra moderna não era nada em comparação com aquela época em que se podia receber ordem para morrer assim, por um capricho do seu senhor...

Percebeu que Scragger o observava.

— Também estive na guerra — disse involuntariamente. — Voei em Zeros na China, Malásia e Indonésia. E na Nova Guiné. A coragem na guerra é diferente da... da coragem quando se está sozinho... quer dizer, não em guerra, não é?

— Não compreendo.

Há anos que não recordava a guerra, pensou Kasigi, com uma súbita onda de medo envolvendo-o, lembrando-se do terror constante de morrer ou de ficar aleijado, um terror que o consumira — como hoje, quando teve certeza que todos iam morrer e ele e seus companheiros ficaram paralisados de medo. Sim, e fizemos hoje o que fizemos, durante todos aqueles anos de guerra: lembramos do legado da Terra dos Deuses, engolimos nosso terror como nos ensinaram desde a infância, simulamos calma e equilíbrio para não nos envergonharmos diante dos outros, cumprimos nosso dever para com o imperador enfrentando o inimigo o melhor que pudemos e então, quando ele disse que nos rendêssemos, rendemo-nos, dando graças ao imperador, por maior que fosse a vergonha.