— Com a ajuda de Deus, o tempo vai passar depressa. — Hakim Khan estava sentado bem esticado, melhor da dor por causa da codeína.
— Eu não posso agüentar dois anos. — Ela tornou a dizer
— O seu juramento não pode ser quebrado Erikki disse:
— Ele tem razão, Azadeh. Você fez o juramento de livre e espontânea vontade, Hakim é o khan e o preço... justo. Mas todas as mortes... — eu tenho que partir, a culpa é minha, nem sua nem de Hakim.
— Você não fez nada de errado, nada, você foi obrigado a proteger a mim e a você mesmo, eles iam nos matar, e quanto ao ataque... você fez o que achou melhor, você não tinha meios de saber que o resgate tinha sido pago pela metade nem que papai estava morto. Ele não deveria ter mandado matar o mensageiro.
— Isto não muda nada. Eu tenho que partir esta noite. Nós devemos aceitar isto e deixar as coisas como estão — disse Erikki, observando Hakim.
Os anos passarão depressa.
Se você viver, meu querido Azadeh virou-se para o irmão, que olhou para ela, com o mesmo sorriso, com o mesmo olhar.
Erikki olhou para os dois irmãos, tão diferentes e no entanto tão parecidos. O que foi que deu nela, por que ela precipitou o que não deveria ter sido precipitado?
— É claro que eu vou viver — ele disse, aparentemente calmo. Uma brasa caiu e ele se inclinou para a frente e atirou-a no fogo. Ele viu que Azadeh não tinha tirado os olhos de Hakim, nem ele dela. A mesma calma, o mesmo sorriso educado, a mesma inflexibilidade.
— Sim, Azadeh? — disse Hakim.
— Um mulá poderia liberar-me do meu juramento.
— Isso não é possível. Nem um mulá nem eu faríamos isso, nem mesmo o imã concordaria em fazê-lo.
— Eu posso absolver a mim mesma. Isto é entre mim e Deus, eu posso absol...
— Você não pode, Azadeh. Você não pode fazer isto e viver em paz com você mesma.
— Eu posso. E posso viver em paz.
— Não pode fazer isso e continuar sendo muçulmana.
— Sim — ela disse com simplicidade. — Eu concordo. Hakim ficou boquiaberto.
— Você não sabe o que está dizendo.
— Oh, eu sei sim. Eu já considerei até mesmo esta possibilidade. — A voz dela era neutra. — Eu já considerei esta solução e achei-a suportável. Eu não vou agüentar dois anos de separação, nem vou aturar nenhum atentado contra a vida de meu marido, nem perdoá-lo. — Ela se encostou na cadeira e abandonou a luta momentaneamente, aflita mas contente por ter aberto o jogo e ao mesmo tempo assustada. Mais uma vez ela abençoou Aysha por tê-la alertado.
— Eu não vou permitir que você renuncie ao Islã sob hipótese alguma — disse Hakim.
Ela simplesmente ficou olhando para o fogo.
O campo minado estava em toda a volta deles, todas as minas estavam armadas e embora Hakim estivesse concentrado nela, os seus sentidos estavam ligados em Erikki. Ele, o da Faca, sabendo que o homem estava esperando também, jogando um jogo diferente agora que o problema estava diante deles. Será que eu fiz bem em mandar o guarda sair?, perguntou a si mesmo, ofendido com a ameaça dela, com o cheiro de perigo enchendo as suas narinas.
— Não importa o que você diga, Azadeh, não importa o que você tente fazer, pelo bem da sua alma eu seria forçado a evitar uma apostasia. De todas as maneiras que estivessem ao meu alcance. Isto é inimaginável.
— Então, por favor, me ajude. Você é muito sábio. Você é o khan e nós passamos por muita coisa juntos. Eu lhe imploro, retire a ameaça que pesa sobre a minha alma e a do meu marido.
— Eu não estou ameaçando nem a sua alma nem a do seu marido.
— Hakim olhou diretamente para Erikki. — Não estou.
Erikki disse:
— Quais são esses perigos que você mencionou?
— Não posso dizer-lhe, Erikki — respondeu Hakim.
— O senhor poderia dar-nos licença, Alteza? Nós precisamos nos preparar para partir.
Azadeh levantou-se. Erikki fez o mesmo.
— Fiquem onde estão! — Hakim estava furioso. — Erikki, você permitiria que ela renunciasse ao Islã, à toda a sua herança e à sua chance de uma vida eterna?
— Não, isto não está nos meus planos. — Os dois olharam para ele, intrigados. — Por favor, diga-me quais são os perigos, Hakim.
— Que planos? Você tem um plano? De fazer o quê?
— Os perigos. Primeiro conte-me a respeito dos perigos. O islamismo de Azadeh está seguro comigo, eu juro pelos meus próprios deuses. Que perigos?
Nunca tinha feito parte da estratégia de Hakim revelar-lhe os perigos, mas agora que ele estava abalado pela teimosia dela, horrorizado por ela ter pensado em cometer a suprema heresia, e mais desorientado ainda pela sinceridade deste estranho homem. Então ele contou sobre o telex e sobre a fuga dos pilotos com os helicópteros, e a sua conversa com Hashemi, notando que Azadeh estava tão horrorizada quanto Erikki, mas que a surpresa dela não parecia verdadeira. É como se ela já soubesse, como se tivesse estado presente, das duas vezes, mas como ela poderia saber? Ele continuou:
— Eu disse a ele que você não poderia ser preso nem na minha casa, nem nos meus domínios, nem em Tabriz, que eu lhe daria um carro e que esperava que você escapasse de ser preso e que você partiria antes do amanhecer.
Erikki ficou abalado. O telex muda tudo, ele pensou.
— Então eles estão esperando por mim.
— Sim. Mas eu não contei a Hashemi que eu tinha um outro plano, que já tinha enviado um carro para Tabriz, que assim que Azadeh estivesse dormindo eu...
— Você me teria deixado aqui, Erikki? — Azadeh estava estarrecida.
— Você me teria deixado sem me contar, sem me consultar?
— Talvez. O que você estava dizendo, Hakim? Por favor, termine o que ia dizer.
— Assim que Azadeh estivesse dormindo, eu planejava retirá-lo do palácio e levá-lo para Tabriz, onde está o carro e enviá-lo para a fronteira, a fronteira turca. Eu tenho amigos em Khoi e eles o ajudariam a atravessar a fronteira, com a ajuda de Deus — Hakim acrescentou automaticamente, grandemente aliviado por ter tido a precaução de elaborar este plano alternativo — só para o caso de sei necessário. E agora foi o caso, ele pensou.
— Você tem um plano?
— Sim.
— Qual é?
— Se você não gostar dele, Hakim Khan, o que vai fazer?
— Neste caso, eu me recusaria a consentir nele e tentaria impedi-lo.
— Eu preferiria não me arriscar a desagradá-lo.
— Sem a minha ajuda, você não pode partir.
— Eu gostaria de ter a sua ajuda, isto é verdade. — Erikki não estava mais confiante. Uma vez que Mac, Charlie e os outros já tinham partido. Como é que eles conseguiram fazer isto tão depressa? Por que isto não aconteceu enquanto nós estávamos em Teerã, mas graças a todos os deuses Hakim é o khan agora e pode proteger Azadeh. E óbvio o que a Savak vai fazer comigo se conseguirem me pegar, quando me pegarem.
— Você estava certo sobre o perigo. Você acha que eu poderia fugir conforme você sugeriu?
— Hashemi deixou policiais no portão. Eu acho que você podia ser retirado, seria possível distraí-los. E não sei se há outros na estrada, mas pode haver, é mais do que provável que haja. Se eles estiverem atentos e você for interceptado... foi a vontade de Deus.
Azadeh disse:
— Erikki, eles estão esperando que você vá sozinho e o coronel concordou em não tocar em você dentro de Tabriz. Se nós estivéssemos escondidos na traseira de um velho caminhão, precisaríamos apenas de um pouco de sorte para evitá-los.
— Você não pode partir — Hakim disse impacientemente, mas ela não ouviu. A sua mente tinha se voltado para Ross e Gueng e a fuga anterior, e como os dois tinham tido dificuldade em escapar, mesmo sendo sabota-dores e combatentes treinados. Pobre Gueng. Um arrepio percorreu-a. A estrada para o norte é tão difícil quanto a que vai para o sul, é muito fácil eles armarem uma emboscada, é muito fácil bloquearem as estradas. Não é tão distante assim daqui até Khoi e de Khoi até a fronteira, mas em termos de tempo, é como se fossem milhões de quilômetros e com o meu problema nas costas... eu duvido que conseguisse andar até mesmo um único quilômetro.