— Não faz mal — ela murmurou. — Nós chegaremos lá. Com a ajuda de Deus nós conseguiremos escapar.
Hakim exclamou:
— Por Deus e pelo Profeta, e quanto ao seu juramento, Azadeh? O rosto dela estava muito pálido agora e ela apertou os dedos para parar de tremer.
— Por favor, perdoe-me, Hakim, mas eu já lhe disse. E se me impedirem de partir com Erikki agora, ou se Erikki não quiser me levar, eu vou dar um jeito de fugir, eu juro. — Ela olhou para Erikki. — Se Mac e os outros foram embora, você pode ser usado como refém.
— Eu sei. Eu tenho que sair daqui o mais rápido que puder. Mas você tem que ficar. Você não pode desistir da sua religião só por causa dos dois anos, por mais que eu odeie ter que deixá-la.
— Será que Tom Lochart deixaria Xarazade por dois anos?
— Este não é o ponto — Erikki disse cautelosamente. — Você não é Xarazade, você é a irmã de um khan e jurou que ficaria aqui.
— Isto é entre mim e Deus, Tommy nunca deixaria Xarazade — Azadeh repetiu teimosamente — Xarazade não deixaria o seu Tommy, ela o ama...
— Eu preciso conhecer o seu plano — Hakim interrompeu friamente.
— Sinto muito, mas não posso confiá-lo a ninguém.
O khan apertou os olhos, e precisou de toda a sua força de vontade para não chamar o guarda. — Então nós estamos num impasse. Azadeh, dê-me um pouco mais de café, por favor. — Ela obedeceu imediatamente. Ele olhou para o homem enorme que estava em pé de costas para o fogo, — Não estamos?
— Por favor, resolva este impasse, Hakim Khan — disse Erikki. — Eu sei que você é um homem inteligente e eu não lhe faria nenhum mal, nem faria nenhum mal a Azadeh.
Hakim aceitou o café e agradeceu a ela, ficou olhando para o fogo, pesando os prós e os contras, precisando saber o que Erikki tinha em mente, querendo pôr um fim em tudo aquilo, querendo que Erikki fosse embora e Azadeh ficasse e voltasse a ser como era, sábia, gentil, amorosa e obediente — e muçulmana. Mas ele a conhecia bem demais para ter certeza de que ela faria o que havia ameaçado fazer e a amava demais para permitir que ela cumprisse a ameaça.
— Talvez isto pudesse satisfazê-lo, Erikki: eu juro por Deus que vou ajudá-lo, desde que o seu plano não despreze o juramento da minha irmã, não a force a se tornar uma apóstata, não a coloque nem em perigo espiritual nem político... — ele pensou por um momento — não traga nenhum mal nem para ela nem para mim, e tenha alguma chance de sucesso.
Azadeh interrompeu com raiva:
— Isto não é nenhuma ajuda, como Erikki poderia ser ca...
— Azadeh! — Erikki disse asperamente. — Onde estão os seus modos? Fique quieta. O khan estava falando comigo, não com você. É o meu plano que ele quer conhecer, não o seu.
— Sinto muito, desculpem-me, por favor — ela disse imediatamente, com sinceridade. — Sim, você tem razão. Eu peço desculpas a vocês dois.
— Quando nós nos casamos, você jurou obedecer-me. Isto ainda está valendo? — ele perguntou asperamente, furioso porque ela tinha quase arruinado o seu plano, pois ele vira os olhos de Hakim encherem-se de ódio e ele precisava dele calmo, não agitado.
— Sim, Erikki — ela respondeu imediatamente, ainda chocada com o que Hakim dissera, pois isto fechava todas as saídas, menos a que ela havia escolhido, e essa escolha a aterrorizava. — Sim, sem reservas, desde que você não me abandone.
— Sem reservas. Sim ou não?
Imagens de Erriki atravessaram a sua mente, a sua doçura e o seu amor e a sua alegria e todas as boas coisas, junto com a violência que nunca a havia atingido mas que atingiria a qualquer um que a ameaçasse ou que ficasse no caminho dele, Abdullah, Johnny, até mesmo Hakim, especialmente Hakim.
Sem reservas, sim, ela teve vontade de dizer, exceto contra Hakim, exceto se você me abandonar. Os olhos dele estavam mergulhados nos dela. Pela primeira vez ela estava com medo dele. Ela murmurou:
— Sem reservas. Eu imploro a você para que não me abandone. Erikki voltou a sua atenção para Hakim.
— Eu aceito o que você propôs, obrigado. — E tornou a se sentar. Azadeh hesitou, depois se ajoelhou ao lado dele, pondo o braço no seu joelho, precisando daquele contato, com esperança de que ele ajudasse a afastar o medo que sentia e a raiva que sentia de si mesma por ter perdido a calma. Eu devo estar ficando louca, pensou. Que deus me ajude...
— Eu aceito as regras que você impôs, Hakim Khan — Erikki estava dizendo calmamente. — Mesmo assim, não vou revelar-lhe o meu plan... Espere, espere! Você jurou que iria me ajudar se eu não o pusesse em perigo e eu não o farei. Em vez disso — ele disse cautelosamente — em vez disso, eu vou expor um plano hipotético que poderia satisfazer todas as suas condições. — Inconscientemente, a mão dele começou a acariciar-lhe os cabelos e o pescoço. Ela sentiu a tensão aliviar. Erikki observava Hakim, os dois homens prestes a explodir. — Assim está bem?
— Continue.
— Digamos, hipoteticamente, que o meu helicóptero estivesse em perfeitas condições, que eu estivesse fingindo que não conseguia fazê-lo funcionar para enganar a todo mundo, e para que todo mundo se acostumasse com o fato de que a toda hora eu estou ligando o motor e desligando. Digamos que eu tivesse mentido sobre o combustível e que houvesse o bastante para uma hora de vôo, podendo facilmente chegar até a fronteira e..
— Você tem combustível! — Hakim perguntou involuntariamente, com esta idéia abrindo outras possibilidades.
— Nesta história hipotética, sim. — Erikki sentiu a mão de Azadeh apertar-lhe o joelho mas fingiu não notar. — Digamos que dentro de um ou dois minutos, antes de nós irmos para a cama, eu dissesse a você que gostaria de experimentar os motores novamente. Digamos que eu fizesse isso, que os motores pegassem e funcionassem o bastante para esquentar e depois morressem, ninguém se preocuparia com isso, foi a vontade de Deus. Todo mundo pensaria: o louco não deixa aquele helicóptero em paz, por que ele não desiste e nos deixa dormir sossegados? Então digamos que eu o ligasse, acelerasse ao máximo e subisse. Hipoteticamente, eu poderia me afastar daqui em segundos, desde que os guardas não atirassem em mim, e desde que não houvesse nenhum inimigo, nem Faixas Verdes nem policiais com armas no portão ou do outro lado dos muros.
Hakim suspirou. Azadeh se mexeu um pouco. A seda do seu vestido farfalhou.
— Eu gostaria muito que esta história pudesse acontecer de verdade — disse ela.
— Isto seria mil vezes melhor que um carro, dez mil vezes melhor — disse Hakim. — Você poderia voar tudo isso durante a noite?
— Poderia, desde que tivesse um mapa. A maioria dos pilotos que passam muito tempo numa mesma região tem um mapa na cabeça. É claro que tudo isto é ficção.
— Sim, sim, é. Bem, até agora tudo bem com o seu plano hipotético. Você poderia fugir dessa maneira, se conseguisse neutralizar os inimigos que estão no pátio. Agora, hipoteticamente, e quanto à minha irmã?
— A minha esposa não entra em nenhuma fuga, nem real nem hipotética. Azadeh não tem escolha: ela precisa ficar por sua livre e espontânea vontade e esperar os dois anos. — Erikki viu o espanto de Hakim e sentiu a revolta imediata de Azadeh. Mas não deixou que os seus dedos cessassem de acariciar-lhe os cabelos e o pescoço no mesmo ritmo, acalmando-a, convencendo-a, e continuou mansamente: — Ela deve ficar em obediência ao seu juramento. Ela não pode partir. Ninguém que a ame, principalmente eu, poderia permitir que ela desistisse do islamismo por causa de dois anos. Aliás, Azadeh, hipoteticamente ou não, isto está proibido, entendeu?
— Estou ouvindo o que você diz, marido — disse entre dentes, tão zangada que mal podia falar e xingando a si mesma por ter caído na armadilha dele.